Lisboa Inovadora e Inclusiva – notas de trajetória, investigação e outros quereres

Por: João Felipe P. Brito

Há doze anos, no Rio de Janeiro, enquanto eu iniciava uma investigação sobre a criação de um novo bairro nos arredores do maior complexo penitenciário da América Latina, não imaginava que a vontade de compreender os porquês daquele processo me traria, um dia, a Lisboa. Aquela inquietação intelectual diante das desigualdades das cidades brasileiras e da mudança social em ambiente urbano resultou em uma dissertação de mestrado sobre estratégias políticas e econômicas que buscavam ressignificar e revalorizar um tradicional e decadente bairro industrial carioca, Bangu, lugar onde nasci e onde primeiro vi o mundo.

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Contestar, participar, debater Lisboa – Notas à margem do processo participativo para a requalificação da Praça Martim Moniz

Por: Roberto Falanga

Nós, cidadãs e cidadãos, temos como objectivo transformar a Praça Martim Moniz num espaço verde público”. É com este incipit que o “Movimento Jardim Martim Moniz” abre o seu manifesto em resposta à controvérsia que se desenrolou nos últimos anos sobre o uso desta praça.

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A regeneração urbana em territórios carenciados

Por Roberto Falanga

A caminho do Bem?

Nos últimos anos, as iniciativas de regeneração urbana têm vindo a ganhar uma relevância estratégica nas cidades que lidam com transformações, em muitos casos incomportáveis por pequenas e médias autarquias. Contudo, por regeneração podemos entender coisas diferentes. Não existindo uma interpretação única desse conceito, este post pretende esboçar algumas pistas de reflexão a partir da sua origem etimológica, passando pelo seu uso e, finalmente, por alguns exemplos de Lisboa.

De onde vem o conceito de regeneração?

A origem etimológica da palavra regeneração, do sânscrito g’ânia, remete para a ação das forças naturais chamadas a dar origem e (re)produzir o mundo e a espécie humana, bem como a sua redenção. A evolução do termo para o latim gènus confirma essa valência apologética, como testemunham as palavras “genesis”, “genitor”, “geração”. Portanto, o verbo regenerar – literalmente, voltar a gerar – assume por defeito que, após um processo de deterioração e degeneração, é necessária uma intervenção destinada à reparação e melhoria do objeto em causa. A regeneração é, portanto, um conceito normativo que define o desejável e que se funda numa ética histórica e geograficamente situada de intervenções e que é orientada por conceções e crenças partilhadas sobre o Bem (e o Mal). Continuar a ler

A recuperação das “ilhas” no Porto: partir as gavetas para repensar o espaço comum

Por Roberto FalangaAitor Varea Oro

Quando em 1994 Isabel Guerra publicou o artigo “As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas” no nº 20 da revista Sociedade e Território, o objetivo era despertar a atenção para as questões habitacionais do país à luz do arranque do Programa Especial de Realojamento (PER) ocorrido em 1993. A este programa seguiram-se outros planos e intervenções pontuais neste domínio, como a Lei 91/95 (alterada pela Lei 70/2015) sobre as Áreas de Génese Ilegal (AUGI) e, em 2005, a Iniciativa Bairros Críticos (IBC), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 143/2005. No entanto, a discussão em torno do desenho e das modalidades de realojamento, e da habitação em geral, continuou presente no debate público, embora de forma tímida quando comparada com o que se verifica atualmente.

O debate sobre o direito a uma habitação condigna voltou a marcar a agenda política nacional, com a nova estratégia de políticas de habitação anunciada pela Secretaria de Estado da Habitação, e já mencionada por João Ferrão neste blogue, e a preparação de uma nova lei de bases da habitação, anunciada pela deputada do Partido Socialista Helena Roseta nos finais de 2016. Recentemente, o Fórum da Habitação: Ausências Passadas, Presenças Futuras, em que participaram representantes políticos, técnicos municipais, membros da academia e ativistas, contribuiu para salientar como as problemáticas que as novas medidas que o  Governo está prestes a adotar precisarão de abordagens complexas e multinível perante as múltiplas carências ainda existentes no território nacional (ver post de Simone Tulumello neste blogue).

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Da “projetificação” ou de como o presente está a ser adiado

Este é o terceiro post da série “A utilidade das Ciência Sociais

Por Roberto Falanga

Enquanto o mundo laboral continua preso a uma lógica fundada na precariedade estrutural, oximoro que revela a força do projeto biopolítico neoliberal, muitas ou mesmo todas as esferas da vida individual e coletiva parecem ser igualmente afetadas por esta lógica.

As consequências óbvias, mas nem por isso menos perversas, da precariedade são hoje tema de debate público em Portugal. Por exemplo, a recente constituição de uma rede nacional que junta as reivindicações de investigadores em regime de bolsa ou afins conseguiu pôr em cima da mesa um debate sério e robusto sobre o futuro da investigação neste país.

A precariedade irrompe não só no mercado do trabalho, como também no quotidiano. Ela é uma força silenciosa que se apropria de tudo, engolindo o presente e deixando-nos com nostalgia de um passado que nunca tivemos e com esperança de um futuro que vislumbramos de longe. Continuar a ler