A interdisciplinaridade na pesquisa sobre mudança climática: reflexões a partir da experiência do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia no Brasil

Por: Julia S. Guivant

O apelo ao estudo interdisciplinar sobre mudança climática passou a ser bastante consensual, com maior número de periódicos publicando artigos com este caráter, e presente em editais de agências de financiamento. Este destaque está intimamente relacionado com a evidência incontestável sobre o papel da influência humana no clima. A interdisciplinaridade é considerada chave tanto para entender como as sociedades interpretam e respondem às mudanças climáticas quanto para formular e orientar na implementação de políticas públicas para mitigação e adaptação. É importante diferenciar a interdisciplinaridade, o estudo de um problema complexo integrando num esforço coletivo diversas perspectivas disciplinares, sem privilegiar um método ou uma teoria disciplinar, da multidisciplinaridade. Esta estuda um tópico a partir da perspectiva de várias disciplinas ao mesmo tempo, sem procurar integrar estas. E se diferencia da transdisciplinaridade, que tende a ser definida como um tipo de interdisciplinaridade, que procura integrar não apenas disciplinas, mas conhecimentos diversos, fora da academia.

Continuar a ler

Co-Produção: A Inteligência Humana ao Serviço das Nossas Cidades

Por: Diogo Martins

Estamos sempre a falar em cidades mais inteligentes, com sensores, inteligência artificial, com software que irá gerir tudo ao pormenor, com tecnologia que nós, hoje, não conhecemos. Mas em que medida toda esta tecnologia traz benefícios às pessoas que habitam e frequentam as cidades? E estaremos a tirar partido da inteligência dessas pessoas para melhorar as nossas cidades?

A minha proposta é explorarmos formas de voltar às pessoas, sem deixarmos de evoluir e usar tecnologia. A co-produção é ainda pouco utilizada no nosso dia-a-dia e por isso não vemos efeitos práticos disso nas nossas cidades com a frequência que é desejável.

Continuar a ler

PilotSTRATEGY Captura e Armazenamento de Carbono em Portugal

Por: Jussara Rowland, Ana Delicado, Luísa Schmidt

As alterações climáticas são um problema “malvado” (wicked, na terminologia inglesa). Complexo, de difícil resolução, não há uma “bala mágica” que o consiga travar. Da mudança de comportamentos individuais à transformação dos sistemas de produção e consumo globais, muitas são as propostas para prevenir um aumento catastrófico da temperatura no planeta, como múltiplas são as respostas tecnológicas que podem contribuir para isso. Segundo o IPCC e a Comissão Europeia, a captura e armazenamento geológico de carbono é uma das respostas possíveis,  particularmente relevante para mitigar as emissões carbónicas de algumas indústrias cujos processos industriais implicam a produção de CO2. O CO2 é capturado nas grandes fontes emissoras industriais ou de produção de energia, comprimido em estado líquido e transportado por gasoduto, navio ou comboio para ser injetado no subsolo, geralmente a profundidades superiores a 1 km. O armazenamento é feito em formações geológicas como aquíferos salinos profundos, reservatórios esgotados de petróleo ou gás, ou em camadas de carvão não-exploráveis.

Continuar a ler

The Roar of Catastrophes: animals and humans in the face of (not-so-natural) disasters

By: Verónica Policarpo

Breathing in, take one. Inspiring Svetlana.  

How can we attune ourselves to the suffering of those caught by catastrophes? How much wonder can we find in their unimaginable capabilities for recovery?

These were the questions that inspired me when I first read Svetlana Alexievich’s Voices of Chernobyl, and then all her other books, as it usually happens when I get obsessively caught by an author that speaks to my deepest soul. What is it that triggers a line of restless enquiry that clings to our mind, as much as to our heart, to the point that it seems to have a life of its own? Here, I wish to reflect briefly upon what draws me to the study of catastrophes, and in particular to the experiences and suffering of nonhuman animals caught therein. I depart from Svetlana’s words, which was precisely what triggered my interest in the topic. Her books on human-made catastrophes – nuclear incidents, wars – are mainly about humans. But it strikes me how, in her narratives, she weaves the human accounts of disaster together with the non-human. May it be the forests of Ukraine or Belarus, caught in a radioactive peaceful mortal beauty. Or the innumerable animals caught in between the cruelty of such human excesses. At some point, in the preface of one of her books, she poignantly states (in much more beautiful words than those I can now recollect): one day, someone should make the History of all the animals killed in these disasters.

Like all important ideas, its simplicity hit me as fire. How come we have for so long disregarded what happens to animals in catastrophes? I am not an historian. But I am a social scientist and a human-animal studies scholar. And part of what I do is exactly to explore how to bring the non-human animals into our knowledge of social phenomena, including them as legitimate subjects of research, full co-producers of knowledge, accounting for their perspectives and interests. How could I, then, make a contribution?

Continuar a ler

Stranger Thesis: Chicken, Uncertainty and Sisyphus

By Mónica Ribau

Henry IV of France (1553-1610) promised that, if God helped him, each peasant would have a chicken on his plate every Sunday. After another thirty years of life, he was able to read “Meditations” (1640) by Descartes, who is considered to be the father of the scientific revolution. Agriculture and livestock rearing would ensure more chicken production and more people alive than was ever possible.

Right now, I write this post calmly, myself a privileged product of science, with a full fridge and singing birds around me – the kind of bird which we do not eat. However, Henry IV’s promise remains unfulfilled. There have never been so many chickens globally, but they were never as concentrated in so few mouths. Eradicating hunger is the second Sustainable Development Goal, and poverty is the first (plus 20’s issues).

After all, the God of Henry IV, who became “Science” in the Scientific Society, is in crisis. Certainty is expected from scientific knowledge, when it has always thriven on scepticism. Neither science nor democracy work like religion, rather taking reality as having shades of grey instead of a reduced black-or-white dichotomy. Complex dynamics, like the Changing Climate or the Coronavirus, enhance perceptions of uncertainty and, with that, the freedom of choice between extremes. Complex dynamics show that science is not about giving just one single number to problems clearly not reducible to such, as that provides a false sense of certainty and security in an entropic world where we cannot control everything.

Continuar a ler

A reinvenção da roda

Por: Ana Delicado

Vivemos tempos sem precedentes. Ou talvez não. Esta não é a primeira pandemia global. Nem a segunda. Temos é a memória curta. Da centenária gripe espanhola à mais recente e ainda por resolver pandemia do VIH-SIDA, passando pela gripe asiática do final dos anos 1950 ou pela cólera dos anos 1970, o mundo vai sendo assolado por microrganismos que se aproveitam da nossa tendência para convivermos em proximidade e de viajarmos pelo globo.

Não faltará material às ciências sociais nas próximas décadas para analisar a cascata de fenómenos sociais que esta pandemia provocou. Das transformações no trabalho às dinâmicas familiares intergeracionais, do lazer ao luto, das fragilidades do tecido económico postas a nu pela crise do turismo à problemática da mobilidade urbana, são incontáveis os trabalhos que se publicarão sobre esta pandemia. Já para nem falar dos múltiplos ângulos da sociologia e antropologia da saúde pelos quais se pode examinar a pandemia.

Continuar a ler

A crescente importância do vetor ambiental para a segurança e defesa nacionais em Portugal

Por João Estevens*

Faz sentido pensar o ambiente do ponto de vista da segurança nacional? Qual tem sido o tratamento das questões ambientais na narrativa securitária? Estas duas questões dão o mote para este texto e continuidade a investigações recentes desenvolvidas no ICS-ULisboa.

Continuar a ler

Vírus expôs falha sistémica e agrava divergência na UE

Por Paulo Miguel Madeira*

Devido à pandemia da Covid-19, entre o final do inverno e o início da primavera de 2020, centenas de milhões de europeus ficaram com as suas vidas suspensas, sujeitos a regimes mais ou menos coercivos de permanência nas suas residências, com as saídas limitadas a situações específicas determinadas pelas autoridades. A estratégia de diminuição drástica do contacto social adotada durante estes meses foi necessária para conter a disseminação do vírus e salvar muitas vidas, porventura dezenas de milhares em Portugal e centenas de milhares ou mesmo milhões por toda a Europa. Estão em maior risco pessoas com problemas de saúde específicos e pessoas idosas em geral – e os europeus são uma população muito envelhecida.

Continuar a ler

Urban Islands In Times Of a Pandemic Or Boredom As Priviledge

By Diana Soeiro

My main research activity is developed within the ROCK project, funded by the European Union, under the Horizon 2020 programme, involving 13 European cities. Briefly, the project focuses on researching how can urban regeneration be promoted through cultural heritage. In Portugal it features two hosts, ICS-UL and Lisbon’s City Hall, promoting a methodology that encourages a close dialogue between the university and public institutions, known as action-research. The goal is that both institutions inform each other so that research translates into action, and action informs research. The selected area where the action-research takes place is in the neighbourhoods of Marvila and Beato (Lisbon). Since the beginning of the project, in 2017, this is the territory where the team has been focused. Continuar a ler

Desenhar sobre catástrofes: recordar o passado, imaginar o futuro

Por Ana Sofia Ribeiro

andra
Mensagem de uma criança italiana sobre o período de isolamento imposto pelo COVID-19. Fonte: Francesca Bocchia

Um estado de alerta poderá não ser para muitos a melhor ocasião para recordar outras catástrofes. Precisamos de pensar em dias melhores, e num futuro que possamos abraçar sem medo. O atual estado de suspensão e recolhimento tem resultado num maior apreço pelas manifestações artísticas enquanto expressão de liberdade, reconhecendo o seu valor enquanto veículo de emoções e experiências individuais e coletivas. Assim, este contributo dá conta de um projeto de investigação baseado em desenhos sobre os incêndios de 2017, feitos por crianças habitantes de um dos territórios afetados. Continuar a ler