Co-Produção: A Inteligência Humana ao Serviço das Nossas Cidades

Por: Diogo Martins

Estamos sempre a falar em cidades mais inteligentes, com sensores, inteligência artificial, com software que irá gerir tudo ao pormenor, com tecnologia que nós, hoje, não conhecemos. Mas em que medida toda esta tecnologia traz benefícios às pessoas que habitam e frequentam as cidades? E estaremos a tirar partido da inteligência dessas pessoas para melhorar as nossas cidades?

A minha proposta é explorarmos formas de voltar às pessoas, sem deixarmos de evoluir e usar tecnologia. A co-produção é ainda pouco utilizada no nosso dia-a-dia e por isso não vemos efeitos práticos disso nas nossas cidades com a frequência que é desejável.

A co-produção é o nome que se dá ao conjunto de metodologias que envolve as pessoas no desenho dos espaços e serviços que estas utilizam. Em vez de apenas trabalharmos como se soubéssemos o que as pessoas querem, trabalhamos directamente com as pessoas para desenvolver soluções que elas, de facto, desejam.

Há vários projetos que nos dizem que as pessoas querem as cidades desenhadas de forma diferente daquela que tem sido norma. Por exemplo, a requalificação do chamado Eixo Central, em Lisboa, teve por base uma proposta do orçamento participativo para tornar acessível todo o percurso entre o Marquês de Pombal e Entrecampos, acabando por se tornar numa oportunidade de fazer mais por aquele espaço público, na época, desadequado às necessidades das pessoas.

Acessos ao metro de Lisboa: exemplo de acessibilidade criada por pressão pública

A nível europeu, o projecto TRIPS está a trabalhar no desenvolvimento de metodologias e de análise de soluções com base na co-produção para o sector dos transportes públicos, tornando-os mais acessíveis a todas as pessoas. No Reino Unido, a Sustrans desenvolve, há vários anos, projetos de co-produção para o desenho da sua Rede Nacional de Ciclovias e requalificação de espaços públicos.

Os resultados são sempre positivos, com melhorias mensuráveis, para todas as pessoas e empresas. Os níveis de satisfação sobem quando os locais são de facto trabalhados com as pessoas em mente, envolvendo-as em todas as fases do projeto, como é o caso do projeto School Streets, da Sustrans.

A introdução de novas tecnologias também não deve descurar os problemas antigos. No projeto Future Journeys Observatory, várias pessoas com deficiência criaram aquilo que será a viagem no futuro, através de uma história que conta como é uma viagem desde a sua fase de planeamento até à fase de feedback ao operador de transporte público. Esta visão do futuro salienta que é necessário resolver problemas atuais que as tecnologias agora em implementação, como os autocarros eléctricos, não estão a resolver. A falta de envolvimento das pessoas no desenvolvimento destas soluções é apontada como a principal causa para a não resolução destes problemas com décadas de existência e para os quais conseguimos encontrar soluções com a tecnologia atual.

Aplicada às cidades inteligentes, a co-produção levará a uma utilização mais eficiente da tecnologia, permitindo criar resultados visíveis para as/os cidadãos, como por exemplo aplicações que permitam aos residentes reportar problemas e acompanhar a sua resolução, resultando num sentimento de participação activa na resolução de situações na sua comunidade.

Metro de Lisboa: exemplo de outra acessibilidade criada por pressão pública

É importante não perdermos o foco do desenvolvimento das nossas cidades: as pessoas. Corremos o risco de meramente aplicar tecnologia às cidades para termos tecnologia, sem um resultado prático que as pessoas possam sentir nas suas ruas, nos seus transportes, jardins, serviços. Problemas como a implementação de sensores para detetar pessoas nas passadeiras sem melhorar as passadeiras, em primeiro lugar, são questões para as quais as/os habitantes estão atentos.

A tecnologia tem o potencial de resolver muitos dos problemas das nossas cidades, mas sem as pessoas envolvidas nessas soluções não irá, de facto, criar o impacto desejado, como melhorar os espaços públicos, melhorar as redes de transportes públicos, melhorar serviços, ou mesmo influenciar positivamente a escolha de tecnologias a introduzir nas cidades.


Diogo Martins adora comboios desde que se lembra, o que o levou a interessar-se por transportes e urbanismo. Esteve envolvido em várias fases do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa e deu apoio a empresas de transporte público na melhoria de acessibilidades e serviços. É co-fundador do primeiro Centro de Vida Independente em Portugal e fez parte da gestão do primeiro projecto-piloto de assistência pessoal em Portugal. É co-fundador da City Able, empresa especializada em melhorias de acessibilidade e serviços acessíveis através de co-produção. Adora fotografia urbana e de transportes, assim como explorar cidades e conhecer diferentes culturas. E-mail: d.martins89@gmail.com

Este post insere-se na nova série temática do Blogue SHIFT ‘O Futuro das Cidades‘.

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