Quando os espaços perdem o nome: Considerações sobre o anonimato organizacional

Por: Fábio Rafael Augusto

Em 2018, escrevi um post para este mesmo blogue acerca dos desafios com que me deparei no acesso ao terreno de pesquisa. Entre os vários constrangimentos identificados, no decurso da minha investigação de doutoramento, encontravam-se as várias exigências dos responsáveis pelas iniciativas de apoio alimentar que analisei (Organização de Redistribuição de Alimentos – ORA, Cantina Social e Mercearia Social). Tratando-se de um projeto que envolvia a realização de observação participante, por intermédio da prática de voluntariado, era crucial garantir que o acesso às organizações envolvidas ocorria de forma fluida e flexível. Uma das imposições que acabaria por marcar decisivamente o desenrolar da pesquisa, bem como o ritmo e o tom em que a tese seria escrita, prendeu-se com a garantia do anonimato organizacional.

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Co-Produção: A Inteligência Humana ao Serviço das Nossas Cidades

Por: Diogo Martins

Estamos sempre a falar em cidades mais inteligentes, com sensores, inteligência artificial, com software que irá gerir tudo ao pormenor, com tecnologia que nós, hoje, não conhecemos. Mas em que medida toda esta tecnologia traz benefícios às pessoas que habitam e frequentam as cidades? E estaremos a tirar partido da inteligência dessas pessoas para melhorar as nossas cidades?

A minha proposta é explorarmos formas de voltar às pessoas, sem deixarmos de evoluir e usar tecnologia. A co-produção é ainda pouco utilizada no nosso dia-a-dia e por isso não vemos efeitos práticos disso nas nossas cidades com a frequência que é desejável.

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PilotSTRATEGY Captura e Armazenamento de Carbono em Portugal

Por: Jussara Rowland, Ana Delicado, Luísa Schmidt

As alterações climáticas são um problema “malvado” (wicked, na terminologia inglesa). Complexo, de difícil resolução, não há uma “bala mágica” que o consiga travar. Da mudança de comportamentos individuais à transformação dos sistemas de produção e consumo globais, muitas são as propostas para prevenir um aumento catastrófico da temperatura no planeta, como múltiplas são as respostas tecnológicas que podem contribuir para isso. Segundo o IPCC e a Comissão Europeia, a captura e armazenamento geológico de carbono é uma das respostas possíveis,  particularmente relevante para mitigar as emissões carbónicas de algumas indústrias cujos processos industriais implicam a produção de CO2. O CO2 é capturado nas grandes fontes emissoras industriais ou de produção de energia, comprimido em estado líquido e transportado por gasoduto, navio ou comboio para ser injetado no subsolo, geralmente a profundidades superiores a 1 km. O armazenamento é feito em formações geológicas como aquíferos salinos profundos, reservatórios esgotados de petróleo ou gás, ou em camadas de carvão não-exploráveis.

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A Cidade das Mulheres: Lisboa no Cinema

Por: Mariana Liz

Num filme produzido para a celebração de Lisboa, Capital Europeia da Cultura, em 1994, Manuel Mozos reuniu imagens da capital portuguesa que até então tinham aparecido no cinema. A excertos de filmes como Os Verdes Anos, Um Adeus Português ou O Bobo, juntou depoimentos dos realizadores Paulo Rocha, João Botelho e José Fonseca e Costa, entre outros. O “outros” é intencional: é apenas uma a realizadora entrevistada, Teresa Villaverde. As estatísticas são conhecidas e têm sido cada vez mais discutidas na esfera pública: em Portugal, são realizados muitos menos filmes por mulheres do que homens, o que, aliás, está em linha com a situação na Europa. De acordo com um estudo de dezembro de 2021 do Observatório Europeu do Audiovisual, apenas 25% dos filmes europeus dos últimos anos foram realizados por mulheres.

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A report from the Urban Transitions Hub

By: Urban Transitions Hub

The Urban Transitions Hub was born in 2018 on the initiative of a relatively small group of ICS researchers (from the research group Environment, Territory, and Society, now the research group SHIFT-ATS) who shared an interest in the urban, both as a theoretical object, and as a site for the investigation of social phenomena – our topics range from housing policy to participatory governance, from urban planning to demography and security.

Since then, UTH’s membership has expanded, becoming more heterogeneous, and its activity has intensified – check out some interesting events and publications. That’s why last year we thought that it would be a good idea to reflect together on the trajectory of the UTH.

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“Aqueles pontos brancos são pássaros”

Por: Pedro Figueiredo Neto

“—Aqueles pontos brancos são os pássaros que aquele senhor está a tentar ouvir, mas que nós não deixamos”.
“—Ele está a gravar! Está a ouvir os pássaros! (…) — As aves migratórias…?”.
“— Está aqui o senhor a ouvir os animais e nós a fazer barulho.”

Estas e outras frases povoam a paisagem sonora acima disponibilizada, captada na ilha das Flores entre a Caldeira Rasa e a Caldeira Funda, numa manhã cinzenta de Junho do corrente ano. Estes comentários revelam o eco da minha presença naquele lugar, que na ausência de explicação — “quem será este senhor? que estará ele a gravar ali, sozinho?” —, surgiram como hipóteses a um grupo de cerca de trinta turistas, entre os 50 e os 70 anos, que giravam pela ilha distribuídos em três mini-bus. Eu não estava necessariamente a tentar captar os ditos pássaros, os tais pontos brancos, cujo nome também desconheço. Tampouco sei se as aves a que se referiram, outras ainda que não as dos pontos brancos, eram de facto aves migratórias. Essa fauna estava demasiado longe da vista e também fora do alcance imediato do meu equipamento de gravação para que os pudesse isolar. Captar esta massa humana que acabou por interromper as conversas dos pássaros foi um acaso.

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Reflexões sobre uma experiência de colaboração interdisciplinar no projeto SafeConsume

Por: Luís Junqueira, Alexandre Silva, Mónica Truninger

No nosso último post apresentámos parte do trabalho desenvolvido no ICS-ULisboa no âmbito do projeto europeu SafeConsume. O projeto tem também uma componente de impacto que incluiu, entre outras, uma tarefa de avaliação de materiais pedagógicos dirigidos a alunos entre os 11 e 18 anos e que seriam testados em colaboração com escolas dos países participantes (para além de Portugal, Reino Unido, Hungria e França). O protocolo de avaliação incluía uma aula sobre segurança alimentar dada por um professor com recurso aos materiais, bem como duas atividades de diagnóstico, a serem repetidas depois da aula para comparação: um questionário de teste de conhecimentos e uma atividade de observação prática. A tarefa foi liderada pela equipa do ICS, com a colaboração das equipas da Public Health England, do Centro Hospitalar Universitário de Nice e da Universidade de Medicina Veterinária de Budapeste. Iniciado em abril de 2020, o trabalho de campo desenrolou-se já em plena pandemia, o que perturbou bastante a realização das atividades nas escolas.

Para além do impacto da pandemia, o grande desafio foi o de negociar um protocolo entre investigadores com práticas de trabalho muito distintas. As nossas anteriores experiências de colaboração nas ciências sociais foram também pautadas por divergências, mas há um fundo comum às ciências sociais, produto de um legado histórico de diálogo e de partilha de referenciais (conceitos, linguagem, metodologias de trabalho, etc). Apesar de alguma proximidade das experiências no trabalho científico e académico, as diferentes abordagens metodológicas nas ciências sociais e nas ciências naturais/da saúde refletem também divergências profundas nas representações sobre a ciência e nas práticas de trabalho científico ou, se quisermos, diferentes culturas científicas (ou epistémicas).

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Etnografia urbana, a passo de corrida

Por: Simone Tulumello

No dia 15 de janeiro de 2021, pelas 9h30, saí de casa para a minha corrida diária. Além do telemóvel com o GPS ativado, levava comigo um gravador de áudio. Nesse mesmo dia começava o “dever geral de recolhimento domiciliário”, decretado pelo Decreto 3-A/2021 de 14 de janeiro em resposta ao rápido crescimento de casos de Covid-19. Pela segunda vez no espaço de um ano, Portugal voltava a confinar. Tal como tinha acontecido durante o primeiro confinamento (entre março e maio de 2020), o dever de recolhimento incluía algumas exceções, entre as quais a atividade física e o treino de desportos individuais ao ar livre.

A 15 de janeiro de 2021, comecei um pequeno projeto de investigação: Ethnography on the run: jogging through Portugal’s second lockdown. O objetivo geral era indagar as transformações urbanas e os impactos diferenciais das medidas sanitárias na cidade. Durante o primeiro confinamento tinha emergido com clareza que “nem todos os bairros são iguais face à pandemia”, isto é, que a capacidade local de ajustar a vida social à obrigação de recolhimento domiciliário tinha muito que ver com distinções de classe (um dos bairros que melhor “resistiram” é um dos mais ricos da cidade) e com as trajetórias de desenvolvimento urbano (com os bairros profundamente turistificados a serem impactados de forma especialmente poderosa).

Durante o primeiro confinamento, as minhas reflexões tinham-se ficado por uma forma fragmentada. Durante os meses seguintes pensei sobre a questão: sabia que, caso viesse um segundo confinamento, queria estar preparado para indagar estas questões de forma “quase” sistemática.

Estava interessado em tornar a pandemia, ou, melhor, algumas das medidas sanitárias, em objeto de estudo, e ao mesmo tempo em adaptar a minha metodologia de investigação ao contexto do estado de confinamento – algo com que as ciências sociais se têm vindo a debater durante este ano e meio, também neste blogue.

“Ethnography on the run” foi a minha proposta. Era possível fazer investigação social a passo de corrida? Ou, mais precisamente, que tipo de investigação é possível fazer a passo de corrida?

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Fazer da necessidade virtude: atividades participativas em tempos de COVID-19

Por: Helena Vicente, Ana Delicado, João Estevens e Jussara Rowland

Nos últimos anos tem crescido a noção de que não basta “ensinar” ciência ao público para estimular atitudes positivas e de confiança. O que as estatísticas demonstram é que “um pouco de conhecimento pode ser uma coisa perigosa”: são as pessoas com um nível intermédio de conhecimentos de ciência que demonstram atitudes mais negativas, adotando comportamentos como recusar vacinar os filhos, não reconhecer as causas humanas das alterações climáticas ou preferir tratamentos alternativos à medicina convencional.

Por isso, a ideia inicial do projeto PERSIST_EU, projeto Erasmus+ financiado pela Comissão Europeia, coordenado pela Universidade de Valência (Espanha) e com a participação de equipas da Alemanha, Eslováquia, Itália e Portugal, de desenvolver uma atividade formativa para aprofundar o conhecimento e a opinião dos estudantes europeus sobre ciência, deu lugar a uma abordagem mais participativa, que batizámos como “Science Camp” (SC).

Os SC teriam a participação de 100 jovens estudantes universitários em cada país, que se reuniriam numa tarde para visionar filmes curtos sobre alterações climáticas (AC), vacinas (VAX), organismos geneticamente modificados (OGM) e medicinas alternativas e complementares (MAC), fazer perguntas a especialistas nestes temas e debater entre si os prós e contras de diversos aspetos científicos, incluindo os modelos climáticos, as probabilidades de efeitos secundários das vacinas, o principio da precaução no uso de OGM ou o efeito placebo nos medicamentos e tratamentos alternativos. Antes e depois do evento os estudantes seriam convidados a preencher um questionário sobre estes temas, de modo a aferir como as atitudes, crenças, perceções e conhecimentos variam com a participação no SC.

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It takes a city to learn about cities? Pitfalls and delights of urban comparative research

By Marco Allegra

What constitutes a city, how are cities organized, what happens in them, where are they going? — in a world of cities these and many other questions invoke a comparative gesture. The budding theorist finds herself asking of the many studies she reads from different parts of the world: are these processes the same in the city I know? Are they perhaps similar but for different reasons? Or are the issues that are being considered of limited relevance to pressing issues in the contexts I am familiar with?

(Robinson 2011: 1-2)

Comparative research is a key theoretical and methodological maneuver in social sciences. In the simplest possible definition, it means learning about something by comparing it to something else – as opposed to the simple description of a single case.

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