Nordeste brasileiro: diferentes narrativas sobre desenvolvimento e transição energética

Por: José Gomes Ferreira

O Nordeste brasileiro é constituído por nove estados, que ocupam 1.558.000 km². Segundo o Censo 2022 residem na região cerca de 55 milhões de habitantes. Dado o atraso no desenvolvimento económico, a possibilidade das energias renováveis integrarem os investimentos fez parte, em 1959, das prioridades do documento Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste, coordenado por Celso Furtado, que deu origem à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Arranque

Foi a partir do apagão no fornecimento de eletricidade, ocorrido em 2001 e resultante da seca que afetou o Brasil, que a produção de energias renováveis foi desenvolvida. Ainda nesse ano, o Governo Federal avançou com o Programa Emergencial de Energia Eólica (PROEÓLICA), substituído no ano seguinte pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA). Data também de 2001 o primeiro Atlas de Potencial Eólico Brasileiro, que mostrou que o Nordeste tem os ventos mais favoráveis à produção eólica. Em 2006, foi publicado o Atlas Brasileiro de Energia Solar, destacando igualmente o potencial produtivo do Nordeste. A implementação de empreendimentos eólicos tem sido muito rápida, enquanto que a produção de energia solar está ainda em fase de expansão.

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O Desafio da Justiça Ambiental no Brasil: Breve resenha do 1º ano do Governo Lula

Por: Luiz Carlos de Brito Lourenço

O governo eleito instalado no Brasil em 2023 optou por ampla agenda de ações corretivas, em meio a um ano de intensos acontecimentos climáticos, para restaurar as perdas ambientais acumuladas desde o trágico cenário de sucessivos rompimentos das barragens de resíduos metálicos, o primeiro deles em Mariana (2015), juntamente com os incêndios criminosos no Pará (Dia do Fogo, 2019), para citar aqueles com maior impacto nos media. As autoridades têm por desafio impor a justiça ambiental pelas regras draconianas de penalidades tributárias na aplicação da ordem. É complexa a conciliação entre os fundamentos do conservacionismo frente à voraz intervenção econômica ilegal por diversos biomas.

O objetivo aqui é delinear o ponto da situação ao final do primeiro ano da nova gestão do Presidente Lula, sem pesar sucessos e erros de gestão pública em tão curto prazo. São apresentadas notas fotográficas de eventos e seus atores políticos, os quais, embora distantes dos compromissos internacionais, foram confrontados pela violência de episódios ambientais e climáticos, porém agora sob a marca vencedora dos ideais democráticos que frustraram a tentativa do golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

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Pacote de Habitação: o helicopter money tem onde aterrar?

Por: Ricardo Moreira

A crise da habitação em Portugal ganhou uma visibilidade enorme nos últimos meses, muito embora não seja um problema novo. Com efeito, já em 2019, João Seixas avisava que a taxa de esforço na Área Metropolitana de Lisboa estava muito elevada: 28% na compra e 46% no arrendamento. Depois da pandemia a situação piorou muito. No último trimestre de 2022, o preço das casas na Zona Euro subiu 6,8%, mas em Portugal subiu o dobro, ficando acima dos 13%. As rendas têm subido a um ritmo médio de 9,7% ao ano desde 2017, sendo esta subida ainda mais acentuada nas cidades. A taxa de juro dos novos créditos à habitação quadruplicou no último ano e a Euribor está no seu valor máximo desde 2008.

A situação na habitação é tão grave que um conhecido humorista relatou histórias sem piada que lhe chegaram via redes sociais e o descontentamento social está a levar as pessoas a manifestarem-se por soluções.

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A nova agenda socioambiental brasileira

Por: Luiz Carlos de Brito Lourenço

É difícil compreender quando não se presta atenção”. É assim que o documentarista cinematográfico e fundador da revista de cultura piauí, João Moreira Salles, entre indiferenças, equívocos e sonhos brasileiros sobre a região da Amazónia, orienta o seu olhar para a floresta em seu livro Arrabalde: Em busca da Amazônia (1ª. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2022). Após a aclamação do Presidente Lula da Silva, em 30 de outubro de 2022, quando os gestores incumbentes revelaram a incúria da área ambiental do país no último mandato, confirmou-se um claro sentimento de desleixo segundo o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, redigido por autoridades, parlamentares e especialistas. Não foi surpresa ver o descumprimento do dever público no Brasil; porém, choca a sua intencionalidade.

A julgar pela receptividade internacional, a melhor expressão do terceiro mandato de Lula reside possivelmente no avanço da gestão socioambiental que governará o Brasil até 2026. Com o dilema do crescimento económico e rigidez orçamental, ao que se soma uma reforma tributária sob uma conjuntura única de 32 legendas partidárias, num país desigual e polarizado, o novo mandatário terá de contar com suporte do poder judiciário para enfrentar retrocessos normativos.

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Água, Alimento e Energia: vértices em risco no Brasil

Por Luiz Carlos de Brito Lourenço

No âmbito do “Seminário Internacional sobre Ambiente e Sociedade: Desafios atuais e trajetórias de mudança”, realizado nos dias 2 e 3 de Março no ICS da Universidade de Lisboa, quis a organização da Associação Portuguesa de Sociologia abrir espaço para um painel sobre a “Governança dos Recursos Hídricos no Contexto Brasileiro”. As comunicações selecionadas partiram de três projetos de investigação de doutoramento ainda em andamento. Foram seguidas de uma síntese deste autor sobre os riscos que pairam sobre Água, Alimento e Energia, três vértices que conformam um espaço de análise de eventos que formam faces interligadas, inacabadas num infinito “poliedro de inteligibilidade” de Michel Foucault. (“Mesa redonda de 20 de Maio de 1978” in “Estratégia, Poder-Saber”, Forense, 2a ed., 2006, pág. 340) .

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A inconcebível perda das sementes agrícolas enquanto bem comum

Por Lanka Horstink

O bem comum compreende benefícios materiais, culturais ou institucionais, cuja pertença e responsabilidade para a sua preservação cabem, em igual medida, a todos os membros de uma comunidade. O solo, a água potável, os minérios, as florestas, os monumentos, as gastronomias, e o próprio ar, são exemplos de bem comum. Pode parecer evidente que estes benefícios a todos pertencem e que são cuidados em conjunto, mas a realidade não poderia ser mais distinta. Com a consagração da propriedade privada no advento da industrialização — uma condição sine qua non para o sucesso do capitalismo industrial — a humanidade foi relativizando a noção de bem comum, aceitando com progressiva normalidade a ideia da privatização de benefícios comunitários, passados assim para as mãos do melhor pagador. É hoje inegável a enorme perda de terras florestais e aráveis para as monoculturas de soja, milho e óleo de palma, que alimentam muitas indústrias e segregam camponeses e indígenas (land grabbing). Igualmente conhecida é a venda de aquíferos às maiores empresas transnacionais de processamento alimentar e a grandes empresas financeiras que vêem nestes recursos um excelente negócio de futuros (water grabbing). Já bem menos presente na esfera pública tem estado a problemática das sementes agrícolas, que são um bem milenar que trouxe sustento e sustentabilidade à humanidade, e que estão igualmente a ser retiradas do foro do bem comum, com consequências muito mais devastadoras do que possamos imaginar. Continuar a ler

Livre-comércio e desenvolvimento sustentável: Obstáculos e contradições do acordo UE-Mercosul

Por Luís Balula

Após 20 anos de negociações, o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e os países do bloco económico Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) foi aparentemente alcançado no encontro do G20 em Osaka, em 29 de junho passado. O texto do acordo, divulgado em 1 de julho com o sub-título “The agreement in principle” (“O acordo em princípio”), estabelece, em dezassete capítulos, as regras segundo as quais se irá processar, gradualmente, a liberalização das trocas comerciais entre os dois blocos ao longo dos próximos dez/quinze anos.

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A Estrada que Fura: Progresso e Contradição nas Novas Infraestruturas em Angola

Por João Afonso Baptista

Atrás dele está uma moradia da era colonial, elegante e discreta. A fachada ostenta imunidade à dor e ao isolamento que as guerras do passado trouxeram àquela cidade no sudeste de Angola. Depois de uma breve conversa de apresentações, ele encaminha-me para dentro da moradia. É a sede provincial da ONG que dirige. Sentamo-nos e conversamos no seu escritório despido dos adereços característicos da “indústria do desenvolvimento”. No final da reunião, ele esboça um mapa onde indica a saída de Menongue. “Depois de passares por esta rotunda em construção”, diz apontando com o lápis para as últimas linhas que tracejou, “furas por aí fora”.

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Combate ao plástico nos oceanos: estará Portugal a preparar as suas tropas?

Por Sónia Cardoso

Olhe à sua volta e conte o número de objectos feitos inteira ou parcialmente em plástico. Para facilitar a tarefa, peço que o faça apenas no perímetro de 1 metro. Surpreendido?

A presença omnipresente do plástico no nosso dia-a-dia faz com que passe despercebido muito facilmente, contudo, um olhar mais atento torna-o impossível de se camuflar: está nos nossos computadores, telemóveis, em recipientes, brinquedos, carros e até cosméticos. O plástico foi concebido para ser durável e resistente. Estas características, aliadas à sua fácil utilização e baixo preço, democratizaram uma produção com crescimento exponencial (sobretudo desde a Segunda Guerra Mundial). De acordo com Geyer e colegas (2017), os mesmos motivos que levaram à “libertinagem” da utilização deste material, nomeadamente a sua resistência e durabilidade, dificultam a sua assimilação na natureza no seu fim de vida útil. Os mesmos autores alertam: “without a well-designed and tailor-made management strategy for end-of-life plastics, humans are conducting a singular uncontrolled experiment on a global scale, in which billions of metric tons of material will accumulate across all major terrestrial and aquatic ecosystems on the planet” (p.3). De facto, dados das Nações Unidas relevam que todos os anos treze milhões de toneladas de plástico vão parar aos oceanos.

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Redução do sobreconsumo de alimentos de origem animal: um tabu persistente

Por Fernando Mano

A “carnificação” da dieta humana

A crescente voracidade dos humanos por alimentos de origem animal (sobretudo carne, lacticínios e ovos), converteu um punhado de espécies com interesse pecuário, nas mais preponderantes do Planeta. Se um extraterrestre chegasse hoje à Terra, provavelmente sentir-se-ia motivado a chamar-lhe “Planeta das Vacas”, coisa que não seria absurda, considerando que já em 2010 a massa total de bovinos domésticos excedia 130 milhões de toneladas, enquanto o total da massa de seres humanos não ultrapassava à data 100 milhões de toneladas. Ou talvez o nosso imaginário visitante preferisse chamar-nos o “Planeta dos Frangos”, atendendo a que a população total de frangos é 3 vezes superior à população total de seres humanos, cifras que testemunham o enorme incremento do sector pecuário ao longo das últimas décadas.

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Produção intensiva de frangos nos EUA. Fonte: Wikipedia 

Há um século atrás, a proteína animal representava, em alguns países, uma considerável fatia da dieta das suas populações, embora distribuída muito desigualmente pelas diferentes classes sociais. O Reino Unido é um exemplo de grande consumo de carne já em finais do século XIX e princípios do século XX, fenómeno que acompanhou a crescente urbanização e o aumento dos rendimentos das famílias, e que viria a revelar posterior tendência para a estabilização. É na segunda metade do século XX que se inicia um enorme aumento do consumo dos produtos de origem animal, primeiro na maioria dos países “desenvolvidos”, mas que rapidamente alastrou às classes mais abastadas dos países “em desenvolvimento”, tendo a produção global de carne triplicado ao longo das últimas quatro décadas. Continuar a ler