Demografia, avaliação de necessidades de habitação e governança metropolitana

Por: Alda Botelho Azevedo e Sónia Alves

Em diversas áreas metropolitanas europeias, como, por exemplo, em Bruxelas ou Londres, as estratégias públicas de habitação são definidas à escala metropolitana, contando com um orçamento significativo que é o resultado de transferências diretas do estado central e de taxas e receitas cobradas ao nível municipal. Os estudos demográficos, realizados com base em dados censitários, administrativos e de inquérito são elementos cruciais na avaliação das necessidades de habitação e na definição das estratégias metropolitanas de habitação. São esses estudos que, a partir da análise das dinâmicas da natalidade, mortalidade e das migrações, e ainda das tendências nos padrões de formação familiar, permitem compreender a procura demográfica de habitação e examinar os impactos das decisões setoriais (por exemplo, no domínio da mobilidade ou do licenciamento urbanístico), e de investimento privado nas próprias necessidades de habitação, por subgrupos de população e tipologias/regimes de habitação.

Segundo os dados da Confidencial Imobiliário publicados em Julho de 2021, considerando os 40 maiores empreendimentos na oferta residencial no mercado da Grande Lisboa (2 861 fogos), o valor médio de comercialização é de 7,379 euros/m2, o que representa cerca de 590 320 euros por uma casa com 80 m2 . Este preço médio de oferta residencial de construção nova, bastante elevado, repercute-se na definição do comprador-tipo, influenciando, por sua vez, também o tecido social nos novos empreendimentos ou áreas residenciais.

A importância de uma apropriada avaliação das necessidades de habitação e da adequada definição de estratégias de habitação à escala metropolitana é manifesta no caso português, onde as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, segundo os resultados dos Censos 2021 do Instituto Nacional de Estatística, concentram 44,5% do total da população residente. Coexistem assim vários perfis sociodemográficos da procura de habitação que abrangem jovens pertencentes a uma classe média qualificada, embora muitas vezes com contratos precários e poucas perspectivas de carreira; uma população envelhecida, menos qualificada e com rendimentos baixos, que persiste em habitações por vezes com más condições em virtude da regulação das rendas; e ainda famílias com um poder de compra superior à média nacional e que dão um uso sazonal à habitação.

Esta heterogeneidade alerta para a relevância da definição de estratégias de habitação ao nível metropolitano. Estratégias de médio e longo prazo que tenham em linha de conta a estimação das necessidades de habitação e a definição das metas de oferta de habitação que devem ser distribuídas pelos municípios e implementadas localmente através dos instrumentos que têm ao seu dispôr. A começar pelos planos diretores municipais e pelas estratégias de regulação e de gestão urbanística (licenciamento), que devem integrar as necessidades de habitação em conformidade com as orientações metropolitanas.

Figura 1. Benfica, Lisboa – Foto de Alda Botelho Azevedo, 2021

Note-se que as crises de habitação e, por conseguinte, a necessidade de providenciar habitação a preços acessíveis às famílias de rendimentos médios-baixos, tem levado à implementação de estratégias de ‘inclusionary housing zoning’ (zonamento inclusivo) que requerem aos promotores imobiliários que, em áreas específicas, seja incluída uma determinada percentagem de alojamentos a preço acessível. Estas políticas, que envolvem uma cuidadosa consideração dos contextos onde são implementadas (valor mediano das rendas, mais-valias criadas pelo licenciamento, etc.), são usadas a nível do planeamento, por exemplo relativamente aos usos do solo (como no caso de Viena) ou segundo regulação geral como condição de aprovação do licenciamento (como acontece em Londres).

Existem casos em que a regra de inclusão de oferta de habitação social e/ou acessível é obrigatória nos projetos acima de uma determinada dimensão (mais de 10 alojamentos residenciais) ou em função da área total de construção. Por exemplo, as metas definidas para a provisão de habitação social a acessível na área metropolitana de Londres são ambiciosas, na ordem dos 30 a 50% do total da nova habitação, existindo incentivos para a construção de habitação social e a captura de mais-valias para a construção de habitação acessível.

Terminamos lembrando que a preocupação com a provisão de habitação social e acessível para as famílias de rendimentos médios e baixos não é novidade, esteve presente em todos os períodos em que se planeou a expansão e a regeneração da cidade, mas foi sendo concretizada ao longo de vários períodos históricos, e do território nacional, com diferentes graus de sucesso. É crucial que a Nova Geração de Políticas de Habitação, a implementar ao longo dos próximos anos, seja efetivamente nova no desenvolvimento de uma abordagem integrada de urbanismo e habitação que permita contribuir para uma resposta e um legado sustentável às gerações presentes e futuras.

Agradecimento: Este trabalho foi apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito dos projetos PopUP (2020.01758.CEECIND/CP1615/CT0010) e SustainLis (PTDC/GESURB/28853/2017).


Alda Botelho Azevedo, doutorada em Demografia pela Universitat Autònoma de Barcelona (2016), é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais e professora auxiliar convidada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, ambos da Universidade de Lisboa. A sua investigação e as suas principais publicações centram-se nas áreas da demografia da habitação e do envelhecimento da população.
alda.azevedo@ics.ulisboa.pt

Sónia Alves é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tem participado em diversas investigações nas áreas da geografia social, sociologia urbana, políticas urbanas e planeamento urbano.
sonia.alves@ics.ulisboa.pt

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