Por: Kaya Schwemmlein
Este post visa analisar e sistematizar duas visões distintas de “agricultura sustentável” ao comparar algumas das medidas traçadas pela COP26 com as “vozes” erguidas de agricultorxs de pequena-escala do Alentejo, Portugal (dados recolhidos pela autora em 2021). Assim, tentar-se-á contribuir para a divulgação dos interesses dos camponeses e outras pessoas rurais (de pequena escala, sem terra, pescadores de subsistência, etc.).

Na recém terminada COP26 foram inúmeras as vozes que se ergueram para sublinhar a urgência de criar um sector agrícola sustentável e resiliente. Nesta, vários governos, empresas e agricultorxs evidenciaram a necessidade de criar uma alimentação que seja simultaneamente acessível, suficiente, nutritiva e que proteja a natureza e os seus ecossistemas. Assim sendo, a COP26 sublinha novamente a existência do Drang político para uma transição justa focada na cooperação para o desenvolvimento da sustentabilidade e resiliência do sector. Como exemplo, tem-se a “Agenda de Ação Política Para A Transição Para Uma Alimentação e Agricultura Sustentável” que visa traçar um rumo para políticas agrárias sustentáveis globais assentes em proporcionar uma alimentação saudável e acessível ao 1. criar e incrementar meios de subsistência para produtorxs; 2. contribuir para economias resilientes (incluindo para as comunidades vulneráveis); 3. chegar ao cenário emissões líquidas zero; e, por último, 4. manter e restaurar os ecossistemas naturais e a biodiversidade.
A agenda de ação exposta anteriormente materializou-se na “AIM for Climate” (Agriculture Innovation Mission for Climate) –um novo cluster de ação que pretende impulsionar a “smart agriculture” que alicerça a sustentabilidade na “inovação para o clima”, isto é, chegar a neutralidade de emissões e ao uso eficaz de recursos através do uso de novas tecnologias (como o uso de drones). Esta plataforma, que foi apresentada na “World Leaders Summit”, está a ser impulsionada pelos EUA e os Emirados Árabes Unidos. Apenas durante a COP26, já angariou mais de 4 mil milhões de dólares em novos investimentos para o período de 2021-2025. Na COP26 propôs-se, assim, um novo enquadramento para políticas públicas e uma (re)definição de agricultura sustentável em torno da eficiência tecnológica.
No entanto, por outro lado, quando nos afastamos da esfera política e dos padrões tecnocráticos que promovem o desenvolvimento da agricultura industrial, procurando a perspetiva daqueles que realmente trabalham a terra no seu dia-a-dia, entendemos que as reivindicações são bem diferentes e o financiamento é escasso, se não inexistente. Ao contrário dos padrões tecnocráticos, a agricultura de pequena-escala é de subsistência, feita pela família e para consumo local, mas está a ser fragilizada por novas formas de organização familiar e social, tal como evidenciado pelas entrevistas feitas a pequenxs produtores do Litoral Alentejano quando afirmam: “Eu não produzo muito… é só eu, a minha mãe e o meu pai… e agora já estão a ficar velhotes….”. Contemporaneamenteo tecido social rural é deixado ao abandono e não há estímulo científico e apoio técnico: “Não temos apoio técnico… não temos escola, não há informação… não há nada…(…) costuma-se dizer é aquilo que temos”. Quando se vive a agricultura entende-se que a imposição de novas tecnologias de produção alimentar, tal como proposto na COP26, podem vir a fomentar um modus operandi hegemónico neoliberal que ignora dietas tradicionais e vivências singulares de pessoas como produtorxs de pequena-escala ou indígenas. Assim, é importante relembrar que a produção e venda agrícola apresentam grande complexidade social e estão imbuídos de problemáticas que se prendem com questões de género e de perfil social, não podendo haver solução igual para todxs.

Como destacado pela ONG GRAIN (2014), em termos globais, 70% dos alimentos são produzidos por pequenos e médios agricultores que utilizam apenas 25% dos recursos. O campesinato apresenta, então, uma gestão mais eficaz dos recursos necessários à produção e, contemporaneamente, são as primeiras testemunhas dos impactos da poluição, degradação ambiental e da falta de controlo. Tal, também se verificou no Litoral Alentejano “(…) as águas tudo contaminado… é um parque natural (…) creio que ninguém controla o nível de fertilizantes e depois é culturas intensivas e super intensivas… somos um país sem controlo nenhum…”.
Porque não se dá mais espaço político a estes agricultorxs de pequena-escala? A resposta é simples: a COP26 e a sua agenda de ação agrícola é uma tentativa de manutenção de relações de poder, colonização de conhecimento e exploração de recursos de todxs que vão beneficiar poucos (em termos de standards globais).
Tal como evidenciado por Bruno Dorin (2021), o regime sócio-técnico da agricultura industrial transporta em si um processo de “profissionalização” da agricultura/agricultorxs de larga-escala e a marginalização dos produtorxs de pequena-escala. Isto é, a partir de 1960 foram desenhadas políticas sectoriais que começam a excluir pequenos agricultorxs da pesquisa, desenvolvimento e atribuição de subsídios. Tal aconteceu em vários países da Europa e baseia-se no pressuposto de que o sector agrícola deve, sobretudo, gerar rendimento, sendo as economias de escala o motor de crescimento essencial. Começam a privilegiar-se as explorações agrícolas de vários hectares de terra e todas as outras “não sérias” (pequenxs e marginais) começaram a ser marginalizadas, pois, a sua dimensão não permite gerar lucro suficiente. Tal, também se verificou no Litoral Alentejano, quando alguns agricultorxs afirmam: “Agora com o Covid, as coisas fazem-se e amadurecem, mas não se dá vendido… tenho poucas quantidades, então não recebo apoios do Estado!”; ou então simplesmente não são representados na esfera política “Não considero a minha voz ouvida… eles não querem saber… não querem saber dos agricultores!”. As únicas solução que restam a estes produtrxs são então- diversificação, processo que levanta outras problemáticas, tais como a falta de (e acesso à) capital inicial para investir em estratégias de diversificação-, ou fuga rural.
Deste modo, se o objetivo da COP26 visa não “deixar ninguém para trás” deverá privilegiar-se canalizar mais apoios (financeiro, técnico, científico e institucional) para xs mais vulneráveis de pequena-escala; e mais fomentar maior transparência, inclusão, representatividade e poder de regulação para xs produtorxs de pequena-escala marginalizados.
* Nota: De modo a ser inclusiva na linguagem, a autora deste post prefere usar linguagem neutra, isto é, a substituição dos artigos feminino e masculino por um “x” para incluir pessoas não binárias.
Kaya Schwemmlein é doutoranda no ICS-ULisboa, no Programa Doutoral de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Trabalha atualmente sobre sistemas alimentares sustentáveis e desenvolvimento socio-ecológico na perspetiva do nexus água-energia-alimentação.
kaya.schwemmlein@ics.ulisboa.pt