Envelhecimento em Portugal: desafios habitacionais em casas frias e sobredimensionadas

Por: Alda Botelho Azevedo

A população portuguesa nunca foi tão envelhecida. Segundo os Censos 2021 do Instituto Nacional de Estatística (INE), 23,4% da população tem 65 e mais anos. São 182 seniores por cada 100 jovens. Diferem entre si em muitas características, entre essas, nas condições habitacionais.  A diversidade de condições e desafios habitacionais marca a experiência de viver e envelhecer em Portugal. 

A maioria das pessoas com 65 e mais anos vive em casa própria (78%). Todavia, cerca de 22% reside em habitação arrendada, de acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) entre 2015 e 2019. Nos adultos entre os 18 e os 64 anos, essa proporção sobe para 26%. A prevalência do arrendamento também varia com o grau de urbanização, sendo mais comum em áreas densamente povoadas e intermédias, onde chega aos 30%.

Pode conjeturar-se que os mais velhos tiveram mais tempo e oportunidades para se tornarem proprietários, seja através de poupanças, heranças, ou do crédito bancário, amplamente incentivado até 2002 por sucessivos governos via juros bonificados. É, por isso, bastante plausível que aqueles que não possuem casa própria aos 65 anos dificilmente o virão a conseguir.

A situação dos arrendatários com 65 e mais anos é diferente da dos mais jovens, sobretudo daqueles que estão no início da vida ativa. Para os mais velhos, o congelamento das rendas, sustentado ao longo dos anos por prorrogações e, mais recentemente, transformado em definitivo, foi um fator decisivo. Já os jovens em início da vida adulta têm compromissos habitacionais frequentemente considerados menos permanentes, como arrendamento ou partilha de habitação, muitas vezes devido à incerteza laboral e económica.

Portugal transformou-se num país de proprietários – talvez por falta de outras opções –, mas ter casa não garante, por si só, condições habitacionais dignas. Um trabalho anterior sobre desigualdades sociais mostra que os arrendatários enfrentam uma situação ainda mais desfavorável do que os proprietários: têm custos de habitação mais altos, estão mais frequentemente sobrecarregados com despesas, em condições de sobrelotação e de privação severa das condições de habitação.

Um dos indicadores mais ilustrativos das condições habitacionais, e um dos habitualmente utilizados para medir a pobreza energética, é a proporção da população com incapacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida. Entre 2015 e 2019, essa dificuldade afetou 18% dos proprietários e 34% dos arrendatários, de acordo com os dados do ICOR. Por faixa etária, mais de uma em cada quatro pessoas com 65 e mais anos relatou não ter recursos para aquecer a casa adequadamente (26%), uma proporção superior à observada entre os 18 e 64 anos (20%). As diferenças são pequenas entre áreas densamente e pouco povoadas. Este quadro resulta da conjugação de vários fatores: baixos rendimentos, custos de energia elevados, falta de isolamento térmico, despesas de habitação elevadas e dificuldade em aceder a programas de apoio que funcionam por reembolso. Como o nome do indicador sugere, é uma questão essencialmente financeira. No entanto, há outros fatores que também contribuem para este problema. Sendo menos debatidos, merecem ser aqui considerados.

Os Censos 2021 revelam uma realidade preocupante. Por um lado, a maioria das casas usadas como residência habitual em Portugal não possui sistemas de aquecimento ou conta apenas com aparelhos móveis, elétricos ou a gás, pouco eficientes tanto no consumo de energia quanto na capacidade de aquecer o ambiente. Esta situação é mais frequente nas regiões com clima mais ameno, como as regiões autónomas, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve. Mesmo nas áreas mais frias, como o Norte, menos de metade dos lares têm aquecimento central, lareiras abertas, recuperadores de calor ou outros equipamentos fixos.

Figura 1. Alojamentos familiares clássicos de residência habitual (%), por tipo de aquecimento utilizado com maior frequência, NUTS II. Fonte: Censos 2021, INE.

Por outro lado, viver numa casa com mais divisões do que o necessário representa custos adicionais de aquecimento. Os Censos 2021 revelam que Portugal tem uma taxa de sublotação da habitação muito elevada nos alojamentos utilizados como residência habitual (64%). As regiões do Centro e do Alentejo apresentam valores ainda mais altos (73% e 69%, respetivamente). Mesmo nas áreas com maior pressão no mercado imobiliário, as taxas de sublotação continuam extremamente altas: Região Autónoma da Madeira (49%), Área Metropolitana de Lisboa e Algarve (ambas com 57%).

Se adotarmos uma definição menos restritiva de sublotação do que a utilizada a nível europeu — considerando que ter uma divisão a mais possa não configurar sublotação, especialmente à luz da importância do espaço interior evidenciada na pandemia de Covid-19 —, a taxa de sublotação em Portugal ainda seria de 35%. Ou seja, mais de três em cada dez casas têm pelo menos duas divisões a mais do que seria necessário, tendo em conta a composição do agregado familiar.

Figura 2. Alojamentos familiares clássicos de residência habitual, por índice de lotação, NUTS II. Fonte: Censos 2021, INE.

É sabido que a sublotação é mais elevada em casas onde residem pessoas idosas, refletindo um desajuste comum em países com baixa mobilidade residencial: enquanto a dimensão familiar muda ao longo do tempo, a tipologia da habitação permanece fixa. A ideia de “uma casa para toda a vida” está profundamente enraizada nos padrões residenciais em Portugal, mas isso traz diversos desafios, incluindo um esforço financeiro adicional para aquecer adequadamente a casa. A literatura científica aponta para uma relação entre o excesso de mortalidade no inverno e a exposição prolongada a baixas temperaturas internas, sendo a idade um dos principais fatores de risco. Perante isto, estes dados são, no mínimo, preocupantes. 

Portugal, como muitos outros países, enfrenta desafios decorrentes de tendências demográficas de longo prazo, em particular o envelhecimento da população. Esta realidade é o resultado de dinâmicas bem conhecidas: o aumento gradual da esperança de vida, décadas de baixa natalidade e períodos prolongados de saldos migratórios negativos. Este processo só deverá desacelerar na década de 2040, quando as gerações nascidas a partir dos anos 1980, menores em número, atingirem a senioridade. Nesse momento, segundo as projeções oficiais, o grande desafio deixará de ser o envelhecimento e passará a ser o declínio demográfico.

Não basta, porém, viver mais. É fundamental viver melhor, e isso passa por melhorar as condições habitacionais. As casas precisam de ser mais adaptadas às necessidades de uma população envelhecida, garantindo conforto térmico, acessibilidade e segurança. Investir na requalificação dos espaços habitacionais, com melhores isolamentos e sistemas de aquecimento eficientes, não só promove uma vida mais digna para todos, mas também é um passo essencial para responder aos desafios de uma população cada vez mais envelhecida.

A autora agradece o apuramento de dados do ICOR 2015-2019 facultado pelo INE (PED-421796786) no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Indicadores das Desigualdades Sociais.

Uma versão deste texto foi publicada na edição n.º 17 (Nov-Dec 2024) da IntelCities, Revista das Cidades Inteligentes.

Alda Botelho Azevedo é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais (ICS), onde coordena o doutoramento em Population Sciences da Universidade de Lisboa, e professora auxiliar convidada no ISCSP. A sua investigação centra-se sobretudo nas áreas da demografia da habitação e do envelhecimento da população. alda.azevedo@ics.ulisboa.pt 

Incursão livre sobre os dados do Barómetro Habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Por: Alda Botelho Azevedo

Dois dias depois da demissão do Primeiro-Ministro António Costa, no âmbito do que viria a ser conhecida como a Operação Influencer, foi publicado o Barómetro Habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que tive o prazer de participar com o João Pereira dos Santos, do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Apesar da atenção mediática e da opinião pública estarem centradas sobretudo no que se passava na arena política, o Barómetro Habitação recebeu ampla cobertura dos meios de comunicação social.

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MUNICÍPIOS EM PERDA DEMOGRÁFICA:REFORMATAR REFERENCIAIS, VER MAIS LONGE, CRIAR NOVAS OPORTUNIDADES

Por: João Ferrão

Declínio demográfico: uma geografia diferenciada

Durante o período das designadas Grandes Navegações Portuguesas (séculos XV e XVI), Portugal tinha cerca de 1 milhão de habitantes. Em 1640, quando o país restaurou a sua independência em relação à governação castelhana, a população total do continente e ilhas pouco ultrapassava aquele valor. Em 1910, aquando da implantação da República, éramos quase 6 milhões. As estimativas do INE mostram que em 1964 atingimos um pico secundário de um pouco mais de 9 milhões de habitantes, iniciando-se então uma quebra provocada pela intensificação dos movimentos emigratórios, que apenas foi estruturalmente invertida, a partir de 1974, com o regresso de populações provenientes das ex-colónias e, mais tarde, com diversas vagas imigratórias, mantendo, a partir daí, valores próximos dos 10 milhões de habitantes, ainda que com oscilações.

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Demografia, avaliação de necessidades de habitação e governança metropolitana

Por: Alda Botelho Azevedo e Sónia Alves

Em diversas áreas metropolitanas europeias, como, por exemplo, em Bruxelas ou Londres, as estratégias públicas de habitação são definidas à escala metropolitana, contando com um orçamento significativo que é o resultado de transferências diretas do estado central e de taxas e receitas cobradas ao nível municipal. Os estudos demográficos, realizados com base em dados censitários, administrativos e de inquérito são elementos cruciais na avaliação das necessidades de habitação e na definição das estratégias metropolitanas de habitação. São esses estudos que, a partir da análise das dinâmicas da natalidade, mortalidade e das migrações, e ainda das tendências nos padrões de formação familiar, permitem compreender a procura demográfica de habitação e examinar os impactos das decisões setoriais (por exemplo, no domínio da mobilidade ou do licenciamento urbanístico), e de investimento privado nas próprias necessidades de habitação, por subgrupos de população e tipologias/regimes de habitação.

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Quem são e como vivem 154 jovens adultos residentes em Santa Maria Maior, Lisboa?

Por Alda Azevedo*

Na habitação, os jovens adultos acumulam frequentemente constrangimentos que os colocam em situação de vulnerabilidade. Dificuldades na entrada no mercado de trabalho, percursos laborais curtos, muitas vezes com vínculos precários, e taxas de desemprego elevadas estão entre estes principais constrangimentos. Em territórios de elevada procura de habitação, juntam-se ainda as dificuldades interpostas pelos elevados preços das casas disponíveis no mercado. Não é por isso surpresa que, em Portugal, uma elevada e crescente proporção de jovens adultos adie a saída de casa dos pais com um efeito dominó na formação familiar, nos projetos de fecundidade e, em última análise, no envelhecimento da população.

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A procura de habitação a partir de uma perspetiva demográfica

Por Alda Botelho Azevedo

Desde o seu início, em 2016, e em resultado do destaque que assume na atualidade, o tema da habitação tem sido frequentemente tratado neste blogue. Este post contribui para este debate com uma reflexão sobre as dinâmicas demográficas na  procura de habitação em Portugal, com o propósito de melhor esclarecer e circunscrever os seus impactos.

Existe um consenso generalizado de que as tendências demográficas são determinantes na procura de habitação, consenso esse aceite no contexto da atual crise na habitação em Portugal e comummente epígrafe no enquadramento de políticas da habitação, como se verifica nos documentos da Nova Geração de Políticas da Habitação. Isso é preocupante se não forem claros o alcance e os limites da demografia na procura de habitação. Continuar a ler