Quem são e como vivem 154 jovens adultos residentes em Santa Maria Maior, Lisboa?

Por Alda Azevedo*

Na habitação, os jovens adultos acumulam frequentemente constrangimentos que os colocam em situação de vulnerabilidade. Dificuldades na entrada no mercado de trabalho, percursos laborais curtos, muitas vezes com vínculos precários, e taxas de desemprego elevadas estão entre estes principais constrangimentos. Em territórios de elevada procura de habitação, juntam-se ainda as dificuldades interpostas pelos elevados preços das casas disponíveis no mercado. Não é por isso surpresa que, em Portugal, uma elevada e crescente proporção de jovens adultos adie a saída de casa dos pais com um efeito dominó na formação familiar, nos projetos de fecundidade e, em última análise, no envelhecimento da população.

A par do enfoque em dois outros grupos vulneráveis no que respeita à habitação – os imigrantes e os idosos – no projeto SustainLis (PTDC/GESURB/28853/2017) procuramos investigar as condições de vida e as trajetórias habitacionais dos jovens adultos residentes no centro histórico de Lisboa, no sentido de conhecer os efeitos das políticas de habitação e de requalificação urbana e de propor recomendações com vista à redução das desigualdades socioeconómicas, habitacionais e territoriais. Para este fim, nos meses de julho e agosto de 2020, com a colaboração da GfK Metris, foram realizadas 460 entrevistas com base num inquérito presencial a residentes na freguesia de Santa Maria Maior pertencentes a um dos três grupos vulneráveis (jovens, imigrantes ou idosos).

Neste texto, apresenta-se, pela primeira vez, uma súmula dos principais resultados obtidos nas 154 entrevistas realizadas a jovens entre os 18 e os 34 anos. Antes importa realçar que, não se tratando de uma amostra representativa da população jovem residente no centro histórico de Lisboa, os resultados apresentados contribuem, no entanto, para delimitar as experiências dos jovens adultos que aceitaram participar no estudo quanto à habitação, que embora possam até ter uma expressão mais alargada, desaconselham uma generalização ao universo jovem.

Fonte: Lisbonne, (Le Cercle Rouge, 2019). Flickr. Flick License.

Comecemos por tentar perceber: Quem são estes jovens?

  • A grande maioria, nove em cada dez, são naturais do município de Lisboa.
  • Sensivelmente metade tem o ensino secundário e aproximadamente três em cada dez, tem um nível de escolaridade igual ou inferior ao 3.º ciclo do ensino básico. Dois em cada dez completaram o ensino superior.
  • Predominam os solteiros, sete em cada dez, estando os restantes casados/em união de facto ou divorciados.
  • A grande maioria já iniciou a vida ativa: em cada dez, sete trabalham e um está desempregado. Os restantes são estudantes ou estão em situação de inatividade.
  • Entre as profissões destes jovens, muito diversificadas, sobressaem aquelas relacionadas com os serviços, o comércio e o trabalho administrativo, muitas vezes ligadas aos sectores da restauração, hotelaria e turismo. Entre as profissões que estão dependentes de um curso superior, surgem profissões frequentemente associadas a contratos de trabalho a termo certo ou trabalhadores liberais (professores/as, enfermeiros/as, etc.).
  • O rendimento individual disponível é inferior a 900 euros em oito de cada dez casos.

Passemos a olhar para: Como vivem estes jovens?

  • A maior parte, seis em cada dez, vive na atual freguesia de Santa Maria Maior desde sempre. Aliás, apenas um em cada dez vive na freguesia há menos de cinco anos, isto é, chegou à freguesia num período de profundas transformações.
  • Em linha com o grupo etário e com a antiguidade na freguesia, cinco em cada dez jovens vive com os pais, enquanto que três em cada dez vivem em casal (com ou sem filhos) e dois em cada dez vivem sozinhos ou com outras pessoas não familiares.
  • As casas em que estes jovens vivem são maioritariamente arrendadas, seis em cada dez, seguindo-se a propriedade, três em cada dez. Verificam-se ainda outras situações, menos frequentes, de casas cedidas e de subarrendamentos.
  • Nos arrendamentos no mercado privado sobressaem os contratos a prazo certo, associados a rendas mais elevadas, ainda que existam bastantes contratos com duração indeterminada. Os arrendamentos no mercado social correspondem maioritariamente a casas da propriedade da Câmara Municipal de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia.
  • Os valores das rendas situam-se entre o mínimo de 80 euros e o máximo de 700 euros.
  • Entre um conjunto de problemas relacionados com a qualidade da casa e com a área em que vivem, os jovens inquiridos destacam os problemas com repasses de água, humidade nas paredes ou apodrecimento das janelas ou do soalho, o ruído no alojamento vindo dos vizinhos ou da rua e a poluição, sujidade ou mau-cheiro devido a problemas ambientais causados pelo trânsito ou indústrias na área.
  • Os resultados indicam ainda que a grande maioria dos jovens, sete em cada dez, quer continuar a residir na casa em que reside.
  • Isto sobretudo porque gostam do bairro onde residem, gostam da casa ou do edifício e, finalmente, porque gostam das pessoas com quem residem.

Figura 1. Gostaria de mudar de casa?

Fonte: Inquérito aos residentes na freguesia de Santa Maria Maior, 2020.

Em suma, o perfil dos jovens inquiridos caracteriza-se por trajetórias individuais e familiares na freguesia, às quais acresce o papel das atividades económicas relacionadas com o aumento do turismo neste território desde o período pós-crise 2007-8 e recentemente interrompido pela pandemia da COVID-19. Esta combinação de fatores poderá explicar a vontade destes jovens em permanecerem na casa ou no bairro, ainda que identifiquem problemas que apontam para necessidades de requalificação urbana no edificado e na área de residência. Os resultados sugerem ainda que as transformações dos últimos anos na freguesia de Santa Maria Maior podem estar a ter efeitos opostos na vida de alguns destes jovens: o aumento do turismo que lhes serve de rendimento serve também de combustível ao aumento dos preços da habitação.

Nas atividades do projeto SustainLis, os resultados deste inquérito serão ainda complementados com entrevistas a atores-chave sobre os impactos das diferentes políticas de habitação e de requalificação urbana nos grupos vulneráveis. É a partir desta articulação de metodologias que esperamos sistematizar conhecimento empírico que possa contribuir para a reflexão sobre políticas mais intergeracionais e inclusivas.

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Pode saber mais sobre o projeto SustainLis aqui, com destaque para o Arrendamento urbano e envelhecimento em Portugal: tendências e perfis.

Brevemente será publicado aqui e no website do projeto o nosso segundo Research Brief: «População e habitação no centro de Lisboa, 1991-2011: declínio e envelhecimento?»


*Alda Botelho Azevedo é doutorada em Demografia. Presentemente, é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa. É ainda presidente do Conselho Fiscal da Associação Portuguesa de Demografia e membro do Conselho Directivo da Associação de Demografia Histórica. A sua investigação centra-se no estudo da demografia da habitação e do envelhecimento demográfico.

alda.azevedo@ics.ulisboa.pt 

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