Por: Filipa Soares
Um eucalipto com mais de 140 anos, localizado no concelho de Sátão, distrito de Viseu, foi eleito a Árvore Portuguesa do Ano, num concurso anual organizado, desde 2018, pela União da Floresta Mediterrânica (UNAC). O imponente “Eucalipto de Contige”, uma das maiores árvores classificadas em Portugal, vai representar o país no concurso European Tree of the Year.
Esta competição europeia, fundada em 2011 e organizada anualmente pela Environmental Partnership Association, com o apoio da Comissão Europeia, é uma final constituída pelas árvores vencedoras dos vários concursos nacionais (15 neste momento, sem contar com a Rússia, banida em 2022 devido à guerra na Ucrânia). Vence a árvore que receber mais votos eletrónicos do público, qual Eurovisão arbórea. O objetivo do concurso é destacar a importância das árvores enquanto património cultural e natural a ser protegido e cuidado. Mais do que a estética, o tamanho ou a idade da árvore, o enfoque recai na “sua história e nas relações com as pessoas”.

Uma das primeiras questões que a leitura da notícia sobre este concurso me levantou foi: O que é uma árvore portuguesa ou europeia? E, aliada a esta questão, outras tantas: O que faz com que uma espécie pertença ou não a um dado território? Quem decide? Com que consequências?
Estas questões, e o conceito de pertença que lhes subjaz, têm sido recorrentes em muitos dos trabalhos que tenho desenvolvido, dentro e fora do ICS-ULisboa, em torno das dimensões socioculturais e políticas da gestão e conservação da paisagem. De uma forma muito simplista, para uma ou várias “partes interessadas” há um elemento teratológico na paisagem, a ser excluído, que, para outros, é valorizado — de lobos, aves de rapina, grandes herbívoros, a turbinas eólicas. Mas há também um papel desempenhado pelos não-humanos que, pela sua própria agência, colaboram ou põem em causa classificações e tecnologias biopolíticas, criando os seus próprios beastly places e passando de meros objetos a sujeitos da história.
O eucalipto (Eucalyptus globulus), a espécie da árvore vencedora do concurso em Portugal, é originário da Oceânia e foi introduzido no país em meados do século XIX. Se nos cingirmos a critérios estritamente biogeográficos, ou seja, à sua ocorrência nativa, esta é uma espécie exótica, no jargão ecológico, cuja dispersão está emaranhada nas tramas do colonialismo, ainda hoje. Não é, portanto, uma espécie autóctone, no território português. Se alargarmos os critérios e considerarmos os diferentes papéis ecológicos, culturais, económicos do eucalipto ao longo dos tempos, a naturalização da espécie, processos de globalização ou debates mais recentes sobre novos ecossistemas, a questão da pertença complexifica-se.

Se, no início do século XIX, o eucalipto era tido como salvação para vários problemas, incluindo a malária, é hoje visto sobretudo como uma fonte de problemas e de conflitos sociais e ambientais. Para muitos, o eucalipto é uma espécie invasora ou out-of-place, no sentido proposto por Mary Douglas. Tal deve-se aos impactos negativos, nomeadamente em termos ecológicos e de segurança, e ao próprio simbolismo das plantações. Para outros, nomeadamente proprietários, madeireiros e a indústria das celuloses (uma das quais congratulou a árvore vencedora), esta árvore de crescimento rápido confere rendimentos garantidos, pelo que é bem-vinda.
Esta complexidade é, de certa forma, sintetizada num comunicado da UNAC sobre o concurso, curiosamente intitulado “A inclusão também chegou à floresta”:
Depois das edições anteriores premiarem exemplares notáveis de espécies autóctones ou ornamentais, este ano o público elegeu o Eucalipto de Contige (…) Numa espécie que nem sempre é bem-amada por alguns setores da sociedade, da qual ouvimos falar, na maioria das vezes, numa perspetiva depreciadora, será que existe uma nova geração na opinião pública para a qual o eucalipto é encarado em pé de igualdade com as restantes árvores (…) justificando que há espaço para todos?
Há um aspeto que importa frisar: o antagonismo relativamente ao eucalipto não é contra a espécie em si, mas contra a proliferação em larga escala e sem controlo das monoculturas de eucalipto. Esta eucaliptização remonta à década de 1950/60, promovida ora pela própria indústria, ora pelo Estado, e incentivada por políticas públicas ou pela sua falta. Desde então, a área ocupada pelo eucalipto tem aumentado sistematicamente. Portugal tem a maior área de plantação de eucalipto na Europa e, em termos relativos, no mundo, e o eucalipto é, hoje, a principal espécie florestal nacional. Esta expansão também tem sido acelerada pelos grandes incêndios florestais dos últimos anos. Altamente inflamáveis, os eucaliptos propagam-se e regeneram rapidamente após o fogo. Ao fazê-lo, põem ainda mais em risco a sobrevivência das comunidades humanas e não-humanas que com eles coexistem.

Voltando ao concurso da Árvore Portuguesa do Ano, há um outro aspeto interessante: o enfoque não só nas árvores, às quais a sociedade tende a ser indiferente (plant blindness) — e as próprias ciências sociais e humanas, até recentemente —, mas também, e sobretudo, nas suas histórias e nas relações com as comunidades humanas. Como tem sido proposto nas últimas décadas pelas perspetivas ditas pós-humanistas e relacionais, a natureza consiste numa dança ou teia de relações mais-que-humanas, onde os humanos são um entre vários agentes históricos. A história é, assim, multiespécies, multinatural, situada.
Na descrição do “eucalipto de Contige”, por exemplo, é referido que, aquando da construção da estrada nacional que liga Sátão a Viseu, “a monumentalidade da árvore” fez com que não fosse removida; ao invés, a estrada foi desviada, “fazendo com que o perfil da estrada lhe faça a devida ‘vénia’”. Noutras paragens, a coexistência com o eucalipto levou, pelo contrário, a fortes contestações sociais na década de 1980 ou, mais recentemente, à sua remoção nas imediações de aldeias atingidas pelos incêndios de 2017, como constatámos no âmbito do projeto Pessoas e Fogo, já aqui apresentado. Entretanto, outros eucaliptos, espalhados um pouco por toda a paisagem, continuam a sua ação histórica autónoma, regenerando a partir das cinzas.
Que outras histórias contarão outras árvores – e como as escutar?
Filipa Soares é antropóloga e doutorada em geografia ambiental pela Universidade de Oxford. Tem trabalhado em diversos projetos sobre a dimensão social e política da conservação da natureza e gestão florestal, em Portugal e no Reino Unido, e sobre a relação entre humanos e não-humanos. Foi bolseira de investigação no projeto Pessoas e Fogo. filipafs@gmail.com
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