Energias renováveis, paisagens e inovação social: o projeto PEARLS

Por: Ana Delicado e Mónica Truninger

É já longa a tradição de investigação sobre questões energéticas no GI SHIFT. Da história da energia nuclear ao futuro da energia da fusão, da pobreza energética às práticas de consumo dos jovens, têm sido múltiplos os projetos envolvendo investigadores do GI. Sobre energias renováveis houve já um projeto financiado pela FCT e está agora em curso outro financiado pela Comissão Europeia. É deste último que vos vamos falar.

PEARLS Planning and Engagement Arenas for Renewable Energy Landscapes é um projeto em consórcio internacional que visa compreender a diversidade regional com vista a  contribuir para maiores avanços de uma economia de baixo carbono e para reforçar o compromisso das pessoas com a energia segura, limpa e eficaz, assumindo o papel de atores no planeamento territorial e na inovação social em paisagens de energia renovável, e levando a visão e a experiência dos países mediterrânicos para o resto da Europa. Liderado pela Universidade de Sevilha, conta com a participação de universidades, empresas e organizações da sociedade civil de Espanha, Portugal, Itália, Grécia e Israel. Em Portugal, para além do ICS-ULisboa participam a cooperativa Coopérnico e a associação Enercountim. Teve início em julho de 2018, com a duração prevista de quatro anos.

Como em qualquer projeto de investigação, o trabalho está dividido em Work Packages (Figura 1). Para além dos WP de gestão e ética, os 5 WP principais têm por objetivos:

  • WP1. Plataforma de Interação PEARLS: fortalecer a comunicação externa durante a vida útil do Projeto e assegurar  a difusão ideal dos resultados por meio de comunicação virtual e instrumentos de disseminação online.
  • WP2. Implementação Sustentável: Políticas e Práticas: facilitar uma melhor compreensão dos quadros legais e instrumentos, política energética, planeamento do uso do solo e regulamentos de prática de paisagem, assim como da prática diária na implementação de paisagens de energias renováveis.
  • WP3. Comportamento Social face às Energias Renováveis: aprofundar o comportamento das pessoas em relação aos desafios energéticos, identificar obstáculos e tornar as tecnologias sustentáveis mais próximas das pessoas, para o desenvolvimento da paisagem de energias renováveis.
  • WP4. Planeamento Territoriall e Análise: transferir conhecimento sobre o planeamento espacial dos recursos energéticos renováveis e sobre os métodos de tomada de decisão, bem como desenvolver metodologias para aumentar a participação ativa do público no planeamento de energia sustentável.
  • WP5. Inovação Social e Envolvimento Público: reforçar a dimensão social do desenvolvimento das energias renováveis, fomentando a partilha de conhecimentos entre empresas e serviços envolvidos no planeamento e implementação, bem como de instituições académicas que realizam investigação sobre questões sociais relacionadas com a energia.
Figura 1: Work Packages do projeto PEARLS,
fonte: https://pearlsproject.org/

No entanto, a forma de operacionalizar este trabalho difere um tanto de outros tipos de projetos de investigação, uma vez que o PEARLS é financiado ao abrigo das Ações Marie Sklodowska-Curie (MSCA-RISE-2017-778039), em particular do programa RISE, que se baseia no princípio da mobilidade internacional e intersetorial: os investigadores recebem financiamento sob a condição de que mudem de um país para outro, da academia para o setor privado ou vice-versa, para adquirir novos conhecimentos e enriquecer as suas carreiras de investigação. Os parceiros do projeto partilham capacidades e conhecimentos que preparam o terreno para os principais avanços em planeamento territorial e inovação social, ao mesmo tempo que fortalecem a pesquisa colaborativa entre diferentes países e setores.

Neste contexto, o papel do ICS ULisboa é, para além de coordenar o WP5 relativo à inovação social, enviar investigadores para destacamentos de 30 dias em organizações privadas nos países parceiros e acolher funcionários de empresas ou associações. Até este momento, já cumprimos mais de 4 meses em Espanha, acolhidos pela CLANER – Associación De Energias Renovables de Andalucía e pela Territoria, uma pequena empresa de planeamento regional e urbanístico de Sevilha. Por sua vez, o ICS já deu acolhimento a duas técnicas da CLANER, Antonia Molina e Maria Carmen Romero, à diretora da Territoria, Michela Ghislanzoni e a Thomas Papakosmas, técnico da GSH Geosystems Hellas. Até ao termo do projeto estão previstos novos  destacamentos em Espanha e na Grécia.

A experiência de trabalho na CLANER (3 meses de destacamento), primeiro em Málaga com o Diretor Executivo Carlos Rojo, depois em Sevilha com a responsável pela área internacional M. Carmen Romero, foi indubitavelmente esclarecedora. Permitiu ajudar a interpretar o complexo quadro regulatório da energia em Espanha, perceber os diferentes interesses em jogo, compreender as barreiras administrativas e políticas, mas também conhecer casos de sucesso de participação das populações (veja-se o exemplo de Vejer de la Frontera, explorado num artigo publicado em atas de um congresso), visitar grandes infraestruturas de energias renováveis e entrevistar alguns atores-chave regionais do setor.

Figura 2: Parque eólico, Vejer de la Frontera, Espanha. Créditos: Ana Delicado
Figura 3: Central solar de concentração, Sevilha, Espanha. Créditos: Ana Delicado

As experiências de trabalho na organização Territoria (com sede em Sevilha) nos meses de janeiro de 2020 e 2022, ambas acompanhadas pela diretora, permitiram mapear a emergência e desenvolvimento de algumas comunidades de energia na Andaluzia, bem como noutras zonas em Espanha. Estas comunidades locais produzem e consomem a sua própria energia 100% renovável, muitas vezes recorrendo a compras coletivas de painéis solares que colocam nos telhados dos edifícios. Uma das comunidades que visitámos foi a Alumbra em Arroyomolinos de Léon, um pequeno município do interior rural da província de Huelva que, desde os anos 1970, tem visto a sua população decrescer (de 2190 residentes em 1960 para menos de 1000 habitantes em 2019). As comunidades de energia em territórios rurais despovoados e vulneráveis podem ser um catalisador para a revitalização do tecido social e económico daquelas regiões contribuindo para o desenvolvimento rural mais sustentável. Também têm um relevante papel ao impulsionar a participação pública da população mais envelhecida, através da cocriação de comunidades de aprendizagem e de apoio na consagração do direito dos residentes à energia limpa, acessível e segura produzida localmente. Para além desta comunidade de energia, ao nascimento da qual assistimos em janeiro de 2020 (ver figuras 4 e 5), tivemos a oportunidade de realizar uma série de entrevistas com vários atores locais, buscando obter um retrato das oportunidades e desafios no desenvolvimento destas comunidades em Espanha.

Figuras 4 e 5 – Inauguração da comunidade de energia Alumbra de Arroyomolinos de Léon. Plantação de árvore como metáfora do nascimento desta iniciativa (11 de janeiro de 2020). Créditos: Mónica Truninger.

O hiato causado pela pandemia teve efeitos profundos sobre o projeto. O que seria um projeto de quatro anos vai prolongar-se por mais um ano e meio, visto que as viagens ao estrangeiro foram fortemente restringidas. Para além disso, parte da programação inicial de destacamentos foi alterada. Alguns parceiros reduziram a sua participação, outros aumentaram, outros ainda aderiram ao projeto mais tarde. Ampliam-se as possibilidades de fazer comparações internacionais, mas também de acompanhar a evolução do setor das energias renováveis num período mais alargado. E são muitas as mudanças a que temos assistido desde 2018: nova legislação, novos ministérios (da Transição Ecológica em Espanha, da Ação Climática em Portugal), mais incentivos à geração descentralizada, através de autoconsumo e comunidades de energia, mais agilização dos processos de licenciamento face à emergência climática.  Cabe agora à investigação científica fazer sentido dessas mudanças.


Ana Delicado é socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ana.delicado@ics.ulisboa.pt

Mónica Truninger, é socióloga e coordenadora do SHIFT: Grupo de Investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade.
monica.truninger@ics.ulisboa.pt

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