Autora: Susana Fonseca
“There are two ways to have enough. One is to accumulate more and more. The other is to desire less.”
O uso de citações para ilustrar o nosso posicionamento em termos de valores tende a ser relativamente comum, desde as assinaturas nos emails até teses, relatórios, redes sociais ou outros meios que possamos usar para nos expressarmos.
Nunca tendo sido fã desta abordagem, alterei um pouco a minha perspetiva ao encontrar a citação de G. K. Chesterton com que dei início a este post, datada do início do século XX, que resume, em poucas palavras, aquele que me parece ser o dilema central do momento presente da história da humanidade.
Neste blogue, foram já vários os posts que chamaram a atenção para os desafios que a humanidade enfrenta e como as respostas que forem dadas podem conduzir, ou evitar, a extinção da própria espécie humana. O planeta, enquanto estrutura geológica, não está em perigo, mas as condições para suster a vida sim.
Iniciativas como o Earth Overshoot Day, que basicamente monitoriza o momento em que todos nós começamos a viver a crédito, ou seja, o momento em que, já tendo consumido os recursos que o planeta generosamente nos oferece para um ano, passamos a consumir os recursos disponíveis para o ano seguinte, demonstram que a tendência é a de vivermos cada vez mais tempo a crédito. A última vez que conseguimos viver em equilíbrio foi na década de 70. Desde então temos piorado sistematicamente, ainda que persista um problema grave de desigualdade na distribuição dos recursos, ou seja, só uma parte da humanidade é responsável pelo uso do “cartão de crédito”. Para muitos milhões de pessoas, mantém-se a impossibilidade de aceder às condições mínimas indispensáveis a uma vida digna.
Fonte: http://www.overshootday.org/
Em 2015, tivemos que acionar o cartão de crédito na segunda semana de Agosto e este ano, previsivelmente face à tendência dos anos anteriores, iremos antecipar em alguns dias o seu uso.
Para que em 2050 possamos viver dentro dos limites naturais do planeta, a União Europeia terá de reduzir a sua pegada ecológica para 25% do que é hoje. E este não é apenas mais um número, mas antes uma meta que nos deve fazer a todos parar para pensar sobre como conseguiremos alcançar este objetivo.
Certamente não poderá ser com mais do mesmo, ainda que um pouco mais eficiente, mais tecnológico, mais inovador. A eficiência, que tem subjacente a ideia de que podemos fazer mais com o mesmo, é um conceito interessante, necessário, mas insuficiente. Há que questionar a necessidade, a pertinência, a sustentabilidade das nossas opções, e não apenas se elas são mais eficientes. Com toda a evolução conseguida em termos da eficiência no uso de recursos na UE, cada um de nós continua a necessitar, em média, de dezasseis toneladas de recursos todos os anos e somos responsáveis por cerca de seis toneladas de resíduos.
É neste contexto que a citação apresentada no início deste post é tão inspiradora. Temos mesmo que refletir enquanto indivíduos, mas também enquanto sociedade, sobre qual será o caminho (ou caminhos, pois dificilmente haverá uma rota única) que deveremos seguir para melhorar a nossa qualidade de vida, para acordarmos de manhã e chegarmos ao fim de cada dia com uma sensação de satisfação com o que se tem (entendido não como posse material, mas antes como um conjunto de elementos e condições que ajudam a construir a nossa perceção de bem-estar, de plenitude, de felicidade, de suficiência).
Estamos perante uma mudança civilizacional, uma nova era onde o conceito de suficiência, entendido como uma abordagem que rompe com a lógica do crescimento contínuo, de ter sempre mais – mais dinheiro, casas maiores, mais bens materiais, mais equipamentos, mais, mais, mais… – pode ter um papel central na construção de uma sociedade mais responsável, mais justa, mais equitativa e com um futuro mais promissor.
Por todo o lado começam a surgir iniciativas que materializam o princípio da suficiência, contudo, o grande desafio é o de passarmos de estudos de caso, de nichos de mercado, para uma adoção mais alargada pela sociedade.
Como em todas as grandes mudanças, nem tudo será pacífico e é fundamental debater qual a melhor forma de colmatar os problemas que poderão advir desta transformação necessária.
Não nos podemos esquecer que a sociedade em que vivemos assenta, no essencial, numa lógica de produção e consumo contínuos. A disrupção deste modelo irá, sem dúvida, ter impactos em múltiplas áreas da nossa vida que consideramos certas e adquiridas, mas poderá também abrir muitas possibilidades.
A discussão já não pode cingir-se aos círculos do ambiente ou da sustentabilidade, tantas vezes entendida apenas pelo seu lado ambiental. Será necessário envolver a sociedade como um todo, pois esta transformação terá implicações em áreas como o emprego, a educação, a saúde, o comércio, os vários setores económicos e a própria cultura. Afinal, de que precisamos para nos sentirmos satisfeitos? Para nos sentirmos bem? Estas são questões profundas e que não são de hoje. Contudo, hoje é claro que as respostas que encontrarmos não dependem apenas do nosso livre arbítrio nem podem ser elaboradas em contexto neutro. Vivemos num mundo de recursos finitos e ainda profundamente desigual. Poderemos ser felizes e sentirmo-nos realizados, sabendo que tantos têm tão pouco e que não será possível que todos tenham tanto quanto nós temos?
Susana Fonseca é investigadora em pós-doutoramento do ICS ULisboa.