Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – Novos Horizontes, Novas Esperanças

Autora: Luísa Schmidt

Aquilo a que generalizadamente usamos chamar “crise”, como hoje bem se sabe, são várias crises e – embora global – ela está longe de ser uniforme conforme os países e as regiões do mundo. É certo que a sua sinistra notoriedade advém dos acontecimentos financeiros iniciados nos EUA em 2007/8. Foi lá que o crédito imobiliário mal parado desencadeou em cascata a derrocada do edifício de fantasias bancárias em que vivia o sistema financeiro – não só norte-americano mas global. É história sabida.

Contudo, a doença do sistema revelou raízes bem mais antigas e mais fundas. Um sistema económico que assenta historicamente na exploração ilimitada de recursos finitos e na perpetuação das mais desumanas desigualdades sociais é o rosto daquilo a que se chama “insustentabilidade”.

Não podemos sequer dizer que é novidade. De há muitas dezenas de anos para cá que cientistas de vários quadrantes alertaram para a insustentabilidade ambiental e social do sistema que estava a ser construído. Mas a vertigem eufórica dos ganhos levava sempre a considerar esses avisos como agoiros de desmancha-prazeres.

Desde a constituição da FAO, no pós-guerra, com os alertas do seu primeiro presidente, o agrónomo e médico Josué de Castro; ao célebre livro de Rachel Carson (Silent Spring, 1962); ao Clube de Roma e respetivo Relatório Meadows sobre os “Limites do Crescimento” (1968); às crises do petróleo dos anos 70; ao galopante esgotamento dos recursos naturais denunciados no relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum (1987); à escalada da desflorestação, da desertificação e das alterações climáticas que originaram convenções na Cimeira do Rio de 1992; e, mais tarde, Quioto e os relatórios do IPCC… Todos estes avisos foram-se tornando cada vez mais nítidos aos olhos da opinião pública e dos responsáveis políticos – quase sempre negligentes face ao que consideravam ser profecias da desgraça num mundo em vertigem desenvolvimentista.

Demorou demasiado tempo para se perceber a profunda interligação entre estas más notícias e as crises sociais – sejam as de persistente pobreza do 3º Mundo, sejam as das ruturas sociais do mundo desenvolvido. Mas a pobreza e as desigualdades sociais mostraram-se finalmente como a outra face da exaustão natural do planeta, e a implicação recíproca de ambas passou a designar-se a “insustentabilidade” do sistema.

Os números divulgados pelas instituições internacionais, como a ONU e o Banco Mundial, continuam a ser impressivos, para não dizer impressionantes. Apesar da descida da taxa de pobreza no leste da Ásia, graças sobretudo ao rápido crescimento da China (que ajudou a retirar da pobreza extrema cerca de 475 milhões de pessoas), no resto do mundo engrossou a população extremamente pobre, com destaque para a África Subsaariana, para só dar um exemplo.

As estimativas entretanto dramatizaram-se: calcula-se que o número de pessoas a viver em pobreza extrema se cifre atualmente em 836 milhões, ou seja, 90 milhões a mais do que se esperava antes da crise económica, embora com variações regionais. Alguns países da América Latina, como o Brasil, estiveram em reta ascendente, embora atualmente se encontre em recessão, e tanto na Oceânia como no leste da Ásia e na África Subsaariana a incapacidade de implementar ações fortes contra a fome poderá originar uma longa crise alimentar. As consequências serão fatais, pois mais de um terço das mortes de crianças em todo o mundo é ainda atribuído à desnutrição. Os eventos extremos que atingiram a América do Sul no final de 2015 irão também afetar a produção alimentar mundial.

Um indicador importante que registou progressos foi o acesso à educação primária, em que os registos de matrículas tanto na África Subsaariana como no sul da Ásia aumentaram 15% e 11% entre 2000 e 2012, respetivamente. Contudo, com a falta de professores aumentou também o rácio alunos/professor em quase 10%, enquanto em países de médio e alto rendimento tem baixado substancialmente. Mesmo assim, em 2015 ainda foi negado o direito à educação a 57 milhões de crianças no mundo inteiro.

Quanto à desflorestação mundial, continua a um ritmo alarmante atingindo 13 milhões de hectares por ano (uma área equivalente ao Bangladesh!). Apesar da crescente plantação e restauro de áreas florestais, a perda líquida global é ainda de 7,3 milhões por ano, sobretudo nas regiões da África Subsaariana, da América Latina e das Caraíbas – o que contribui não só para o aumento do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, como para a redução das reservas de água doce potável. A este nível é preocupante a crescente afetação da floresta amazónica, que é um regulador global do clima: o simples desembargo dos EUA à importação de carne da Rondónia já provocou um avanço exponencial do desmatamento naquela região amazónica brasileira.

Floresta e água são indissociáveis, pois a perda florestal reduz sempre a disponibilidade de água em quantidade e qualidade. E, nesta matéria, a batalha continua difícil de vencer: 700 milhões de pessoas no mundo dependem de fontes de água “impróprias” para beber, cozinhar e tomar banho. Os enormes investimentos realizados no sector para expandir as fontes de água “melhoradas” têm evoluído positivamente, mas ainda sem os resultados esperados, não cumprindo os critérios básicos estabelecidos pela OMS.

Relacionadas com o problema da água, estão, aliás, as más condições de saneamento: em 2015, cerca de 2,5 mil milhões de pessoas ainda não dispunham de acesso a serviços de saneamento básico, o que gera em média a morte de 5 mil crianças por dia. A crise económica e financeira contribuiu para agravar fortemente a situação de muitas outras camadas da população mundial até aí fora de perigo, à medida que o número de desempregados cresce. Trata-se do fenómeno dos “novos pobres”, estimando-se que tem aumentado exponencialmente o número de pessoas que passaram a viver abaixo do limiar de pobreza, mesmo em países desenvolvidos. De resto, por cada 1% de queda no crescimento das economias dos países em desenvolvimento regista-se um aumento de 20 milhões de pessoas a engrossar a legião de pobres.

Figura 1 – Índice de Desenvolvimento Humano (2014)Figura 1 Schmidt.png

Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Human Development Report

Para contrariar este horizonte de derrocada das sociedades humanas e do planeta, a ONU, enquanto autoridade que detém a chave do sistema internacional, tem-se mobilizado e após inúmeras negociações lançou, em finais de 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – que devem ser implementados por todos os países do mundo durante os próximos 15 anos a partir de agora (2016-2030), e, como tal, orientar políticas nacionais e medidas de cooperação internacional.

Os ODS são 17 e passam por temas e problemas tão diversos e importantes como erradicação da pobreza e da fome; redução das desigualdades sociais; acesso à saúde, educação, à água e ao saneamento; combate às alterações climáticas e à degradação dos ecossistemas marinhos e terrestres; energia acessível e limpa; reforço da igualdade de género; produção e consumo responsáveis e cidades sustentáveis; novos empregos; acesso à justiça, combate à corrupção, instituições fortes que protejam os bens comuns.

Tabela 1 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2016-2030).                                            17 Objetivos, 169 metasTabela 1 Schmidt (2).jpg(Elaboração da autora)

Fechámos, pois, o ano de 2015 com dois factos internacionais marcantes e portadores de uma nova esperança: o Acordo de Paris, na COP21, em que os governos de todo o mundo se comprometeram a disponibilizar 100 mil milhões de dólares por ano até 2020 para ajudar os países em desenvolvimento na adaptação aos impactos das alterações climáticas; e os ODS promovidos pela ONU, com 169 metas que serão escrupulosamente monitorizadas.

Ambos passam também por restaurar a “saúde” do sistema económico, criando empregos, empresas e combatendo simultaneamente as crises da crise: as alterações climáticas, a dependência dos combustíveis fósseis, a devastação dos recursos finitos, a catástrofe alimentar e a pobreza tenaz.

Não será nunca com meras medidas financeiras ou operações de tesouraria e a regar com subsídios perversos e atividades sem futuro que se resolverá a crise, as crises. O que se pretende justamente evitar é que os atuais estímulos para restaurar a economia não incorram nos mesmos erros que nos levaram às crises.

Dispomos hoje efetivamente de recursos de conhecimento e de soluções tecnológicas que permitem já configurar um sistema económico bem diferente – ambiental e socialmente sustentável e também economicamente viável. Resta agora ativar os mais difíceis fatores de todos: a consciência pública e a vontade política, o que não é tarefa fácil quando as mesmas forças que produziram a crise controlam largos sectores do espectro comunicacional. Contudo, os dois acordos mundiais de final do ano passado e a vitalidade da esperança que anima as sociedades até nas condições mais difíceis, ajudarão a encontrar caminhos para o futuro que se precisa.

 

Luísa Schmidt é investigadora principal do ICS ULisboa e coordenadora do Observa.

 

Advertisement

One thought on “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – Novos Horizontes, Novas Esperanças

Comentar / Leave a Reply

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s