Autor: Fábio Augusto
Pensar o problema da insegurança alimentar conduz, geralmente, a uma discussão que visa responder à questão: que caminho é necessário seguir para combater de forma eficaz o fenómeno? Tratando-se de um fenómeno complexo e multifacetado, a resposta acarreta uma multidimensionalidade que apenas permite traçar algumas linhas orientadoras.
Uma dessas linhas prende-se com a necessidade de concertar esforços entre o Estado e a sociedade civil, sendo que a “gestão” desta relação poderá implicar diferentes estratégias consoante o contexto sociocultural.
Figura 1: What does the future hold for civil society organization?
Fonte: From Poverty to Power
Como pode a sociedade civil dar o seu contributo?
No que diz respeito ao combate à insegurança alimentar, a sociedade civil pode atuar a diferentes níveis, sendo aqui focado o seu papel na elaboração, aplicação e avaliação de medidas políticas que visam o combate/minimização do fenómeno. Walsh-Dilley e Wolford, no capítulo “Social Mobilization and Food Security: The Contribution of Organized Civil Society to Hunger Reduction Policies in Latin America” (2015), lançam um conjunto de possíveis contributos (Figura 2).
Figura 2: Civil Society Contributions to State Policy.
Fonte: Walsh-Dilley e Wolford, 2015
Com base nestes contributos, os autores realizam uma análise comparativa entre diversos países da América Latina (Peru, Bolívia, Guatemala e Brasil), de modo a perceber como se gere a relação entre Estado e sociedade civil em diferentes contextos. Concluem que é importante existir uma sociedade civil forte, capaz de articular esforços com o Estado, de forma a responder às suas necessidades, como se verificou, por exemplo, no caso do Peru. Uma organização que partiu da sociedade civil, a “Child Nutrition Initiative”, teve um papel crucial nos processos de enquadramento da problemática para mobilizar recursos (ligado à área de contribuição ´framing` da Figura 2), de estabelecimento de prioridades na agenda do Estado (´State formation`) e de criação de condições para a implementação de programas que visam o combate ao fenómeno em causa (´implementation`).
Por sua vez, o caso da Bolívia, onde a sociedade civil não possui um papel ativo nos processos de formulação, execução e avaliação de políticas de segurança alimentar, demonstra que o distanciamento entre Estado e sociedade civil promove, em diversos casos, ações desconcertadas que não cumprem o seu principal propósito.
No contexto nacional, foram dados alguns passos decisivos no que diz respeito à participação da sociedade civil nos processos de tomada de decisão, onde se destaca o papel da REALIMENTAR (Rede Portuguesa pela Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que visa “congregar os esforços de diferentes atores sociais em direção à plena realização, em Portugal e no mundo, do Direito Humano à Alimentação”. Desta forma, esta iniciativa, que parte da sociedade civil, procura refletir e intervir nos processos de construção de políticas públicas nacionais e internacionais.
Destaca-se também o papel da REDSAN-CPLP (Rede Regional da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nutricional na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que tem promovido a articulação e intervenção da sociedade civil a diferentes níveis (global, nacional e regional).
Duncan e Barling (2012) analisam o processo que conduziu ao “International Food Security and Nutrition Civil Society Mechanism” (CSM), durante a reforma do Comité de Segurança Alimentar Mundial, em 2009. Esta iniciativa resultou da articulação de esforços de diversas organizações da sociedade civil que encontraram os meios necessários para, de forma autónoma, participar na governança global de questões relacionadas com a segurança alimentar. Desta forma, a sociedade civil ganha a possibilidade de influenciar a agenda política, os agentes envolvidos nos processos de tomada de decisão e a opinião pública a uma escala global.
Deambulações futurísticas
Tendo em conta o que foi referido anteriormente, interessa lançar algumas linhas orientadoras de resposta à questão: que desafios poderá enfrentar a sociedade civil no que diz respeito ao combate/minimização da insegurança alimentar ao nível das políticas?
Ainda que traçar cenários de futuro se trate, geralmente, de uma tarefa ingrata pelas rápidas e imprevisíveis transformações que podem ocorrer num curto período, parece possível apontar para alguns dos desafios que a sociedade civil poderá enfrentar ao nível da sua organização para participar nos processos de tomada de decisão. Para tal, recorre-se a alguns dos desafios que o “Civil Society Mechanism” (Duncan e Barling, 2012) enfrentou no processo de legitimação da sua ação e adaptam-se os mesmos, para que possam ser transversais a diferentes contextos:
- Articular o processo de organização com estratégias de atuação concretas. O foco na criação de estruturas e processos poderá consumir demasiado tempo para definir estratégias que permitam cumprir os objetivos. Como possível solução, apresenta-se a criação de grupos de trabalho;
- Valorizar as redes de contactos, o estabelecimento de parcerias e a aprendizagem que se pode retirar daqueles que já atuam no terreno há mais tempo pode constituir uma enorme mais-valia. Além disso, poderá ser importante transformar outsiders em insiders;
- Gerir participação vs. representação, sendo necessário definir/articular estas duas dimensões;
- Promover o consenso, respeitando a diversidade;
- Promover processos de tomada de decisão eficazes, onde poderá ser necessário priorizar objetivos considerados fundamentais.
Partir para este tipo de generalizações acarreta, geralmente, consequências ligadas à inadequação. Assim, tais desafios constituem meros exemplos, visando responder às necessidades de agentes da sociedade civil, independentemente destes se encontrarem ou não organizados com o intuito de resolver problemas como a insegurança alimentar.
Fábio Augusto é bolseiro de investigação do projeto Food and Families in Hard Times, (coord. Rebecca O’Connell, financamento European Research Council), em curso no ICS ULisboa.