Economia Circular em destaque: apoio da União Europeia e foco no consumo

Autora: Carolina Souza

A insustentabilidade do modelo econômico linear (aqui incluídos produção e consumo) é um tópico debatido há certo tempo tanto no ambiente acadêmico quanto no mercado, entretanto ainda não se chegou a um consenso sobre saídas e mudanças viáveis para suplantar a tríade pegar- usar- descartar, base do atual modelo econômico.

O modelo linear depende de grandes quantidades de energia e de matérias-primas baratas e de fácil acesso. O uso desenfreado dessas fontes naturais e finitas, combinado com uma cultura de descarte de uma população que cresce exponencialmente, esgotou as capacidades do planeta de se autogerir, tamanho o poder da ação do homem sobre ele.

Uma das soluções debatidas para acabar com o contínuo uso e desperdício dos recursos naturais seria a economia circular. Nesse sistema as matérias-primas, produtos e recursos mantêm-se em uso o máximo de tempo, não havendo produção de resíduos já que os componentes são utilizados em diversas etapas de diferentes cadeias produtivas, buscando evitar o descarte absoluto.

Este pensamento circular acompanha todo o sistema de produção, moldando as escolhas de design e matéria prima, até formas de funcionamento, prevendo a utilização dos recursos e produção de resíduos durante toda a vida útil do produto. Após seu uso, seus materiais vão fazer constituir outro produto, similar ou não, sendo seu reparo também estimulado.

economia circular

Esquema explicativo do funcionamento da economia circular (em inglês). Fonte:UE

Buscando o aceleramento desta discussão, a União Europeia assinou em dezembro de 2015 o Pacote de Economia Circular, projeto em que irá atuar como fomentadora e auxiliadora para que empresas e consumidores ajam de maneira mais sustentável.

Além de preocupações ambientais (como diminuição do gasto energético e uso desenfreado dos recursos naturais, muitos já esgotados de suas fontes), a organização também observa a transição para uma economia sustentável e eficiente como uma oportunidade econômica de crescimento visto que, ao contrário de outras revoluções industriais, ela usa mais mão de obra e menos recursos naturais, sendo um gerador de crescimento.

Dentre diversos objetivos e justificações, o plano ambicioso da União Europeia aposta que a economia circular criará empregos locais em todos os níveis de competência, fomentando oportunidades para integração e coesão social, bem como protegerá empresas da escassez de recursos, criando novas oportunidades comerciais e de inovação nas formas de produzir e de consumir.

Para ser factível, porém, a transição da economia linear para a circular depende do envolvimento de todos inseridos na cadeia. Embora o papel da União Europeia de fomentar a mudança seja importante, sem o apoio dos consumidores e das empresas não será atingida. Ainda segundo o pacote, o objetivo da UE é alterar as legislações, removendo obstáculos que dificultem integrações entre os países membros (como, por exemplo, rastreamento dos produtos químicos e reutilização de matérias-primas secundárias), e colocar objetivos de longo prazo para as formas de como lidar com os resíduos (como o aumento da reutilização e reciclagem dos resíduos de embalagens), criando um plano de ação que deve ser atingido antes de 2020.

Sendo os Estados-Membros responsáveis pelas ações em nível nacional, em escala global a UE insere-se num plano de estratégias da ONU, nomeadamente a para o desenvolvimento sustentável e a aliança do G7 sobre eficiência de recursos, buscando garantir padrões sustentáveis de consumo e produção. Dentro dos esforços em escala mundial em favor do desenvolvimento sustentável, os princípios da economia circular estão estreitamente relacionados com prioridades já anunciadas pela União Europeia, como clima e energia, agenda social e de investimento, crescimento e emprego, e inovação industrial.

Para além da criação de empregos, a economia circular apresenta-se como uma saída viável para o uso dos recursos naturais e descarte de resíduos sem planejamento. Dentro das ações projetadas no Pacote de Economia Circular estão o desenvolvimento de estratégias para fabricação e controle de plásticos e produtos químicos, desperdício de alimentos, resíduos de construção, industriais e mineiros, as matérias-primas essenciais, o consumo e os contratos públicos, além da reutilização da água.

O apoio governamental também será focado em iniciativas inovadoras que auxiliem na transição para a economia circular. Um diferencial de outras políticas similares é a importância dada às (novas) formas de consumo e potencial descarte dos produtos. Nesse sentido, a UE, dentro do programa , irá apoiar iniciativas que têm como princípio a economia colaborativa, como o compartilhamento de infraestruturas e produtos.

Para a União Europeia, os consumidores e suas escolhas de consumo são os responsáveis pelo sucesso ou fracasso da economia circular. Outra ação deste pacote, numa tentativa de conquistar a confiança desses consumidores, é a clarificação das leis e informações, bem como uma melhor aplicação das regras vigentes. Novos rótulos (com informações mais precisas, padronizadas e com selos que comprovam procedência e qualidade, por exemplo), preços competitivos e uma maior proteção dos consumidores (como garantias contra avarias e maior possibilidade de reparabilidade de produtos) são tentativas de atrair a atenção do consumidor para este novo tipo de oferta, estimulando uma produção mais sustentável e estando mais consciente das implicações dos resíduos e de suas ações de consumo.

O apoio da União Europeia na implementação de uma economia circular é um passo importante para o início da transição de modelo econômico. Entretanto, embora as propostas e os objetivos contidos no projeto sejam animadores, apenas a ação governamental não basta: é preciso vencer a resistência das empresas e da ação individual. Além disso, diversas das ações planejadas podem esbarrar em questões culturais e econômicas, e pelo documento da UE não temos a certeza se essas políticas não foram pensadas no sentido top-down, sem levar em consideração o contexto e a aplicabilidade no cotidiano dos envolvidos.

Mudanças desta magnitude são muitas vezes vistas como utópicas, porém estas se fazem urgentes e inevitáveis. No atual estado das coisas, o apoio de uma grande instituição incentivando financeiramente ações que já ocorrem em pequena escala, como a economia compartilhada, dentro do grande contexto da economia circular, pode ser decisivo para uma maior articulação e mesmo ação de consumidores e empresas, tornando o desenvolvimento sustentável uma realidade.

(a autora utiliza a grafia pré-acordo ortográfico).

 

Carolina Souza é aluna do Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, no ICS ULisboa.

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