Mudanças nas práticas dos consumidores: como as baterias dos telemóveis podem contribuir para a eficiência energética

Autora: Ana Horta

Se tem um smartphone já deve ter reparado na rapidez com que o pequeno aparelho fica sem bateria. Por isso há quem ande sempre com o carregador ou tenha comprado uma bateria de reserva ou power bank. Mas também há quem esteja a desenvolver uma nova prática: gerir o telemóvel de modo a evitar gastar energia desnecessariamente e assim prolongar a duração da bateria.

Uma investigação realizada recentemente mostra que gerir a energia do telemóvel é uma nova prática de muitos adolescentes. Sendo o grupo etário que mais utiliza o telemóvel e tendo geralmente grande facilidade em utilizar tecnologias eletrónicas, parte dos adolescentes está a adquirir um hábito que consiste em usar energia com mais eficiência. Este know-how poderá ser aplicado noutros domínios da sua vida quotidiana, com benefícios tanto a nível económico como ambiental. Dada a necessidade urgente de tornar sustentáveis as sociedades contemporâneas, o desenvolvimento desta prática é muito interessante do ponto de vista da mudança de comportamentos no sentido de um consumo de energia mais sustentável. Esta investigação mostra o processo de adoção desta prática, contribuindo para compreender como se processam algumas mudanças nos comportamentos relacionados com o consumo de energia.

A questão de como promover a mudança de comportamentos no sentido da adoção de práticas quotidianas mais sustentáveis tem sido amplamente debatida. Apesar de todas as campanhas de sensibilização realizadas, a concretização destas mudanças tem-se revelado muito difícil, em parte porque as nossas atitudes, valores e informação nem sempre se traduzem naquilo que fazemos na prática. E assim dificilmente mudamos muitos dos nossos hábitos, mesmo sabendo que são pouco recomendáveis do ponto de vista ambiental, económico ou da nossa própria saúde. Mais investigação sobre como surgem e se transformam os nossos hábitos é, por isso, fundamental.

O artigo agora publicado sobre o modo como os adolescentes portugueses utilizam o telemóvel e as suas implicações em termos de consumo de energia ajuda a compreender que fatores estão envolvidos na formação de hábitos de utilização de energia com mais eficiência.

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Copyright da foto: Ruslan / 123RF Stock Photo

Com base num inquérito e em entrevistas realizadas a adolescentes em Lisboa, a equipa observou três fases na formação das práticas de gestão da energia do telemóvel. Numa primeira fase, em que os utilizadores começaram a usar telemóvel, as suas competências relativas ao uso deste aparelho (bem como ao seu consumo energético) eram ainda elementares: limitavam-se a ligar o telemóvel ao carregador quando a bateria acabava. Uma segunda fase inicia-se quando trocam o telemóvel anterior por um smartphone e aceleram o seu ritmo de utilização do telemóvel. Nessa altura a necessidade de orquestrar a bateria disponível relativamente às diversas circunstâncias de utilização do telemóvel (como o facto de estarem fora de casa sem o carregador ou terem usado as redes sociais ao longo do dia através do Wi-Fi da escola) faz emergir práticas de gestão do aparelho que permitam prolongar a energia disponível na bateria. Na terceira fase estas práticas tornam-se normais, passando a fazer parte das suas rotinas diárias e permitindo integrar com sucesso o telemóvel nas diversas atividades da vida quotidiana. Evitam assim situações de rutura, como ficar sem bateria quando precisam de avisar os pais para ir buscá-los ou quando querem manter-se ativos nas redes sociais.

Estas práticas de gestão do telemóvel incluem ações como desligar o acesso a redes (Wi-Fi, Bluetooth) e determinadas funções quando não são necessárias, reduzir o brilho do ecrã, fechar as aplicações depois de usá-las, desinstalar aplicações que não são usadas e ativar o modo de poupança de energia.

Para que estas práticas sejam adotadas e reproduzidas é fundamental a articulação de diversos elementos. O artigo mostra como se estabelecem e são cruciais as interligações entre infraestruturas (como a expansão da rede de internet wireless nas escolas, transportes públicos e em casa dos adolescentes), objetos (as características do próprio telemóvel e suas aplicações, que o tornam tão apelativo mas, simultaneamente, grande consumidor de bateria), contexto sociocultural (em que se inclui a pressão social no sentido de se ser popular, participar ativamente nas redes sociais ou ter um telemóvel topo de gama em vez de um “tijolo”, por exemplo) e disposições incorporadas (como a necessidade que sentem de ter sempre o telemóvel consigo ou o hábito de pegar no aparelho e verificar se há novas mensagens, mesmo não tendo recebido qualquer notificação).

Embora nem todas as práticas de gestão do telemóvel adotadas pelos adolescentes para que não fiquem sem bateria sejam formas de eficiência energética, uma vez que não evitam consumos energéticos desnecessários (como quando usam um outro equipamento para ouvir música ou aproveitam estar a carregar a bateria para fazer coisas que sabem que consomem bastante energia, como ver vídeos, por exemplo), importa salientar o potencial do desenvolvimento destas competências do ponto de vista da adoção de comportamentos mais sustentáveis. De facto, o know-how e os hábitos assim adquiridos poderão manter-se no futuro e, inclusivamente, estender-se à utilização de outras tecnologias. No entanto, a reprodução desta prática irá sempre depender das interligações entre os diversos elementos que lhe deram origem.

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Copyright da foto: Andrey Kiselev / 123RF Stock Photo


Este post é baseado no artigo “Mobile phones, batteries and power consumption: an analysis of social practices in Portugal” (DOI), publicado este mês pela revista Energy Research & Social Science.

A investigação foi realizada por membros do grupo de investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, tendo sido financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (contrato EXPL/IVC-SOC/2340/2013) entre abril de 2014 e junho de 2015 no âmbito do projeto Electroteen.

 

Ana Horta é investigadora em pós-doutoramento do ICS ULisboa.

 

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