Notas do Fórum da Habitação do Projeto LOGO – The LOcal GOvernance of housing policy – 3ª edição – Territórios de Baixa Densidade na Região Centro

Por: Bruna Lee Azado

No dia 16 de junho de 2025 aconteceu, em Coimbra, a 3ª edição do Fórum da Habitação do projeto LOGO – A Governação Local das Políticas de Habitação. Uma investigação das Estratégias Locais de Habitação (2023–2026).

Depois de duas edições na Área Metropolitana de Lisboa, este fórum deslocou-se para o Centro do país, com o objetivo de conhecer a realidade das políticas de habitação nos territórios rurais e de baixa densidade. Participaram 8 técnicos municipais e 1 vereador, das áreas da Acção Social e Obras Públicas, dos concelhos de Cantanhede, Coimbra, Covilhã, Fundão, Guarda, Mangualde e Mealhada.

Enquadramento

A criação da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), em 2017, e da Lei de Bases da Habitação (LBH), em 2019, procurou descentralizar os processos de governação, posicionando os municípios como agentes centrais das políticas de habitação, através do lançamento de novos instrumentos como as Estratégias Locais de Habitação (ELH) e as Cartas Municipais de Habitação (CMH). No entanto, esta mudança cria uma tensão central que é o fio condutor da nossa investigação: Até que ponto os governos municipais conseguem mobilizar suas práticas e conhecimentos locais quando os programas nacionais (1º Direito – Programa de Apoio à Habitação e BNAUT – Bolsa de Alojamento Urgente e Temporário) e mesmo os prazos de acesso aos fundos comunitários são definidos centralmente?

Este Fórum teve como objetivo não apenas mapear estes desafios para o caso dos territórios rurais e de baixa densidade da Região Centro, mas também construir um espaço de diálogo entre técnicos municipais e a Academia.

Os resultados parciais do Fórum destacam como os técnicos municipais operam dentro de sistemas de governação centralizados, gerindo diversas escalas de tomada de decisões, tempos e dinâmicas políticas;  no entanto, as suas práticas locais revelam um potencial transformador. Os técnicos reinterpretam os esquemas nacionais para se adequarem às realidades territoriais, desde onde propõem formas alternativas de governação. Em última análise, examinar a governança em contextos de “não-centralidade” também desafia as hierarquias convencionais de produção de conhecimento. Isso nos obriga a questionar não apenas como os recursos circulam dentro do território português, mas também como as práticas locais, em contextos contingentes de capacidades técnicas ou recursos humanos, podem instituir novas práticas e remodelar as estruturas políticas regionais ou nacionais.

Tais práticas estão em consonância com teorias mais amplas de democratização impulsionada pela governança (Warren, 2009) e coprodução de conhecimento político (Jasanoff, 2004; Fischer, 2009), que enfatizam que a legitimidade democrática depende cada vez mais da capacidade das instituições de integrar conhecimentos e perspetivas diversas. Nesse sentido, a dimensão transformadora do conhecimento e da Academia pode decorrer da sua capacidade de, dentro dessas brechas institucionais, questionar algumas relações de poder e a transformação de espaços de deliberação em espaços de co-criação, co-decisão e co-gestão.

Figura 1 – Mesas de trabalho

Aspetos Metodológicos

Uma abordagem participativa à produção de conhecimento pode combinar várias técnicas de investigação, como “quantitativas” e/ou “qualitativas”, mas geralmente dá prioridade a workshops de construção coletiva de conhecimento. A diferença fundamental em relação às duas abordagens reside na finalidade da recolha de informação e implica, desde logo, a devolução da informação à própria população, grupo ou coletivo, para que, apoiados por técnicas adequadas, sejam essas pessoas a planear as próprias estratégias de superação aos bloqueios identificados.

A manhã foi dedicada ao trabalho em mesas temáticas, onde os técnicos analisaram as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (“SWOT”) associadas a duas dimensões da política de habitação: a dos instrumentos locais (ELH e CMH); e a dos programas nacionais, como o 1.º Direito e o BNAUT.

Ainda antes do almoço, a partir da técnica do sociograma ou “mapa de atores”, discutimos os posicionamentos dos diferentes atores sociais (institucionais, base associativa e base social) que integram os diferentes níveis das políticas de habitação face à questão em debate – a favor, afins, diferentes ou em contra –, de acordo com o grau de poder e os tipos de relações atribuídas a cada um. Este exercício serviu como ponto de partida para a sessão da tarde, ajudando-nos a refletir “com quem” devemos planear a superação das fraquezas e ameaças identificadas nas mesas anteriores.

Figura 2 e 3 – Sociograma ou mapa de atores

À tarde, o grupo reuniu-se em plenária, na qual os técnicos fizeram a devolução dos resultados das mesas e, após discussões, chegamos a uma síntese das principais fraquezas, ameaças, forças e oportunidades – a partir daí, fizemos o exercício de uma “SWOT propositiva”. A partir das fraquezas, discutimos como anulá-las ou reduzi-las; a partir das ameaças, como evitar ou atenuá-las; das forças, como ampliá-las ou mantê-las; e oportunidades, claro, como aproveitá-las.

Produção de Conhecimento a Partir da Base, algumas propostas dos técnicos municipais

As discussões mostraram como as políticas de habitação se confrontam, nos territórios rurais e de baixa densidade, com problemas estruturais de base, tensões de escala, temporalidades políticas e formas de conhecimento local que moldam a capacidade de ação municipal.

Essas foram algumas das propostas que saíram da “SWOT propositiva”:

  • Negociação dos critérios europeus – Necessidade de adaptar indicadores e métricas de elegibilidade dos financiamentos europeus às especificidades nacionais e territoriais;
  • Articulação regional – Reforço do papel das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), dotando-as de maiores competências e poder de decisão;
  • Diferenciação de programas por densidade – Criação de programas com legislação e financiamento ajustados às realidades dos territórios de baixa e alta densidade.
  • Reativar estruturas locais de proximidade – Criação de equipas multidisciplinares permanentes, inspiradas nos antigos Gabinetes Técnicos Locais (GTL) das décadas de 1980/90.

Um dos momentos mais produtivos foi a discussão sobre o papel do BNAUT (Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário) – com grande expressão na Região Centro – enquanto instrumento de articulação territorial, capaz de responder a fenómenos transversais como incêndios, cheias e despovoamento, bem como à falta de mão de obra no trabalho agrícola, através da atração e acolhimento de populações migrantes. A ideia de uma coordenação intermunicipal, a partir da CCDR e das CIMs, surgiu como proposta concreta de cooperação regional.

Figura 4 – Plenária – ‘SWOT Propositiva’

Próximos passos

Como dizia um dos técnicos, “desenha-se tudo para um território, que tem assimetrias tão grandes… que se esquece dos pequenos territórios, e pensa-se só nos grandes territórios. (…) quando, praticamente, não nos conhecemos uns aos outros. Não sabemos onde estão as dificuldades”. Conforme fomos defendendo, embora essas condicionantes possam impor dificuldades aos municípios rurais e de baixa densidade, as suas tentativas de superação podem revelar formas criativas e inovadoras de governação. Portanto, incluir esses agentes e seus conhecimentos, assim como os conhecimentos das diversas populações locais, poderá informar processos transformadores na formulação de políticas de habitação.

O projeto LOGO entra agora na fase de estudos de caso – entre eles, um conjunto de municípios da Raia, na fronteira leste com Espanha – para continuar a aprofundar o conhecimento sobre as diferentes realidades do território português e as possíveis articulações intermunicipais, regionais ou fronteiriças.

Bruna Lee Azado (Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto) é bolseira de mestrado no projeto LOGO – The Local Governance of Housing Policy. Possui formação avançada em metodologias participativas para o desenvolvimento rural e gestão territorial (RedCIMAS/UCM, Espanha), bem como em perspectivas e metodologias participativas para o aprofundamento da democracia (CLACSO, Argentina), com especialização adicional em Sistemas de Informação Geográfica. bsilva@arq.up.pt

Risco Ambiental e Relocalização: O Futuro Incerto de Duas Povoações Costeiras

Por: Michelle Dalla Fontana

Como reagiria se lhe dissessem que precisa de abandonar a sua casa devido a riscos ambientais? Esse é o dilema enfrentado pelos habitantes de Pedrinhas e Cedovém, duas pequenas povoações situadas na costa noroeste de Portugal.

Originalmente formadas como comunidades piscatórias, as duas povoações seguiram trajetórias de desenvolvimento distintas ao longo do final do século XX. Pedrinhas, que mantém os seus edifícios bem conservados, conta atualmente com cerca de 40 habitações sazonais e 7 abrigos de pescadores. Já Cedovém, localizada 300 metros mais a sul, evoluiu para uma área de construção mais densa, tornando-se um centro de pesca ativo. Hoje, abriga aproximadamente 49 habitações, predominantemente segundas residências, embora cerca de 12 famílias ainda vivam ali permanentemente. Além disso, dispõe de 7 restaurantes, 9 abrigos de pescadores, e cerca de 50 anexos.

Ambas as povoações estão localizadas na duna primária, próximo da costa, numa área sujeita a rápida erosão. Essa realidade tem sido uma crescente preocupação para as autoridades responsáveis que enfrentam o desafio de lidar com os riscos associados ao avanço do mar.

A person walking on a beach

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Figura 1: Lado norte de Cedovém, Novembro 2023, Foto do autor.

Em junho de 2023, o município de Esposende submeteu a consulta pública o “Projeto de Regeneração Ambiental e Valorização das Atividades Tradicionais de Pedrinhas e Cedovém”, propondo intervenções destinadas a garantir a gestão sustentável das zonas costeiras e a proteção das populações em risco.

Centrado na sua primeira fase em Cedovém, o projeto prevê a demolição de todas as habitações e infraestruturas. No entanto, a atividade piscatória será mantida, e os restaurantes serão relocalizados para o interior, em estruturas de madeira amovíveis. O projeto ainda inclui alimentação artificial da praia, recuperação das dunas, passadiços de madeira e a renovação da Avenida Marginal.

Contudo, o plano não esclarece o destino das famílias que ainda residem permanentemente em Cedovém. O Presidente da Câmara garantiu, em reuniões com os moradores, que ninguém ficará sem casa e que a autarquia está a adquirir terrenos para a construção de novos apartamentos. Ainda assim, a proposta gerou forte oposição de várias partes interessadas.

A resistência à relocalização planeada não é incomum e, muitas vezes, está enraizada no apego das pessoas ao lugar. No entanto, cada caso apresenta circunstâncias únicas, e compreender esses fatores é fundamental para desenvolver políticas de adaptação às alterações climáticas que sejam justas e eficazes.

Para compreender essa resistência, passei seis semanas em Cedovém, alojado numa das casas previstas para demolição. Observei como a povoação é vivenciada, realizei entrevistas, identificando-me como investigador, e testemunhei os efeitos da erosão costeira, agravados por eventos extremos como as tempestades Bernard e Celine (outubro-novembro de 2023). O que encontrei foi uma interação complexa  de fatores sociais e estruturais, que leva muitas pessoas a recusarem a relocalização, indo além do simples apego ao lugar.

A house on a rocky shore

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Figura 2: Cedovém, Outubro 2023, Foto do autor.

Os habitantes de Pedrinhas e Cedovém percecionam o risco de forma diferente das autoridades. Embora reconheçam algum perigo, muitos — principalmente pessoas idosas — sentem-se seguros, confiantes na sua experiência de viver ali sem registo de incidentes graves. Essa familiaridade pode levá-los a subestimar a ameaça, acreditando que a erosão ocorre de forma lenta e previsível. Dependendo da proximidade das suas casas à linha de costa, alguns não sentem urgência em relocalizar-se ou sequer consideram essa hipótese. Em contraste, a Agência Portuguesa do Ambiente e o município avaliam o risco de forma uniforme em toda a área, considerando nos seus relatórios a possibilidade de eventos extremos capazes de causar devastação súbita. Com base nesse entendimento, defendem a necessidade de medidas radicais. Essa diferença de perspetiva cria tensão entre a experiência da comunidade e o planeamento oficial, influenciando a forma como as pessoas percecionam a relocalização.

Outro fator relevante é a idade avançada de muitos residentes. Embora reconheçam que as condições podem deteriorar-se, não veem isso como uma preocupação imediata, mas sim um desafio para as gerações futuras. Para quem tem um horizonte de vida mais curto, cenários climáticos projetados para 2050 parecem distantes ou irrelevantes. Como consequência, a relocalização preventiva pode ser percebida como desnecessária ou até absurda.

Além disso, muitos entrevistados expressaram um forte sentimento de injustiça, pois veem Pedrinhas e Cedovém desprotegidas, enquanto áreas próximas, como a Praia de Ofir, beneficiaram de medidas de proteção. Situada dois quilómetros a norte de Pedrinhas, Ofir tem moradias residenciais, três torres de apartamentos de quinze andares e um hotel. Embora esteja sobre a duna, numa zona de risco, nem o Programa da Orla Costeira nem o município preveem intervenções de relocalização. Na prática, os custos de compensação necessários para realojar ou compensar os proprietários tornariam essa medida inviável para a administração local. Há também evidências de que os esporões construídos a norte de Pedrinhas e Cedovém agravaram a erosão, interrompendo o fluxo natural de sedimentos e acelerando a degradação costeira. Isso reforça a desconfiança no governo e o sentimento de injustiça. Assim, a relocalização é entendida como uma continuação de injustiças históricas, levantando questões sobre até que ponto os erros do passado devem ser considerados na formulação de políticas de realojamento.

Figura 3: Torres de Ofir, Foto do autor.

O caso de Pedrinhas e Cedovém ensina-nos algumas lições. O desalinhamento entre a perceção de risco da comunidade e a avaliação dos peritos gera tensões. Isso não se resolve apenas com educação e informação, mas exige envolvimento ativo das comunidades no planeamento, garantindo que as suas preocupações sejam integradas. A composição demográfica, especialmente a presença de residentes mais idosos, influencia a resistência à mudança. Modelos de relocalização geracional ou parcial, que permitem uma transição gradual, podem ser uma solução viável, sobretudo em países como Portugal, onde o envelhecimento populacional é um fator relevante. Por fim, a resistência à relocalização intensifica-se em comunidades com histórico de discriminação ou cuja vulnerabilidade resulta não só de fatores ambientais, mas também de políticas falhadas de proteção costeira, urbanização e habitação. Reconhecer essas responsabilidades é fundamental para garantir que as práticas de relocalização sejam justas e equitativas.

Michele Dalla Fontana é investigador pós-doutoral MSCA (Marie Skłodowska-Curie Actions) na Wageningen University. A sua investigação recente foca-se nos processos de retirada planeada e na relação entre mobilidade humana e incêndios florestais em Portugal, contribuindo para a adaptação às alterações climáticas na Europa.

Urbanização em solo rústico e a crise da habitação: uma falsa associação

Por: Simone Tulumello

No dia 30 de dezembro de 2024, enquanto Portugal recuperava da ressaca de Natal e se preparava para celebrar o ano novo, o governo de direita presidido por Luís Montenegro publicou o Decreto-Lei n.º 117/2024, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio). A alteração mais relevante diz respeito ao artigo 72 deste último, relativo à reclassificação para solo urbano – nomeadamente, a transformação de solos “rústicos” em solos urbanizáveis sem alteração do plano de ordenamento municipal. Trata-se, por definição do Regime Jurídico, de uma operação “excecional”: em sentido legal, pois constitui uma exceção legal ao processo regular de classificação dos solos nos planos municipais; e no sentido literal, por ter de ser implementada em situações verdadeiramente excecionais de urgente necessidade de solos não disponíveis de outra forma.

Sem mudar a letra da lei na referência à excecionalidade, o DL 117/2024 simplifica o procedimento e cria um “regime especial de reclassificação para solo urbano com finalidade habitacional”. Como explica a retórica do preâmbulo ao DL, trata-se de tornar a reclassificação dos solos rústicos num pilar da estratégia de incremento da oferta habitacional.

Fig. 1: Fotografia do Alto da Eira em 2013 (pelo autor)

Trata-se, ao mesmo tempo, de um retrocesso de várias décadas na gestão do território, escancarando a porta à expansão descontrolada das áreas urbanizadas e à especulação – a simples alteração de um solo de rústico para urbano multiplica o valor do mesmo, até antes de se ter construído qualquer coisa. Foram, de facto, muitíssimas as reações de pessoas e entidades com competência sobre o tema – veja-se, por exemplo, a Carta Aberta da Rede H – Rede Nacional de Estudos de Habitação, que recolheu centenas de subscrições e contribuiu para que o DL fosse levado à Assembleia da República onde, contudo, não se esperam alterações estruturais. A carta aberta clarifica a falácia de um dos principais álibis usados pelos defensores do DL: «não existe falta generalizada de solos urbanos nos perímetros urbanos», isto é, se o problema fosse a necessidade de construir mais casas, não estaria a sua causa na falta de solos urbanizáveis.

Ainda que ninguém possa negar que em Portugal o preço da habitação se tornou incomportável para os rendimentos da maioria (praticamente a  totalidade) de quem trabalha e vive no país, será que precisamos mesmo de construir mais casas? Mais construção é a resposta que, desde sempre, oferece a direita – e, fundamentalmente, também o Partido Socialista, que tinha já avançado com estímulos à construção e uma simplificação da reclassificação dos solos rústicos, mas só para promoção pública de habitação acessível. Este DL complementa o anterior pacote do governo de direita, denominado, de forma explícita, Construir Portugal. Para os pensadores de direita, não há dúvidas. Veja-se, por exemplo, o que diz José Mendes:

se não fosse um assunto sério, daria vontade de rir. É por demais evidente que existe em Portugal um problema de escassez na oferta de habitação, sobretudo no que se refere ao segmento suportável pela classe média, chamem-lhe acessível, moderada ou outro nome qualquer.

Será mesmo para rir? O argumento que é normalmente utilizado – igualmente mencionado no preâmbulo do DL 117/2024 – é o da redução, nas últimas duas décadas, das novas construções. O que esse argumento não diz, contudo, é que menos construção não significou “menos casas”. Nas últimas duas décadas, o rácio de casas disponíveis para núcleos domésticos existentes não diminuiu. Se se construiu menos, sim: porque a construção das décadas anteriores colmatou as carências quantitativas que vinham da época do Estado Novo e porque a população parou de crescer. Dizer, neste contexto, que construir menos causou uma ausência de habitações seria como dizer que não comer depois de saciados causa fome.

E saciados estamos à vontade. Há em Portugal dois milhões de habitações não usadas para residência: mais de um milhão de residências secundárias, sazonais ou usadas como apartamentos turísticos (isto é, retiradas do mercado da habitação) e mais de 700 mil devolutas. E, contra o que muitos pensam, os devolutos não se colocam em contextos de escassa pressão urbanística: há 50 mil só na cidade de Lisboa.

Neste contexto, construir mais ajudaria a baixar os preços? A resposta é simples: não. Como demonstrado pelos estudos de habitação baseados em décadas de evidências científicas – aqui a síntese do argumento por Josh Ryan-Collins –, não é o encontro entre procura e oferta que empurra os preços da habitação, mas a disponibilidade de liquidez. Antes da crise, foi o crédito a baixo custo (estimulado pelo Estado) a aumentar os preços enquanto se construía muito mais do que se procurava. Agora, é a liquidez de investidores, financeiros e não só, muitos dos quais internacionais, que inflaciona os preços: repare-se que o incremento das taxas de juro da conjuntura pós-pandémica fez reduzir a procura mas não parou o crescimento dos preços – como demonstrado no estudo de dois economistas do Banco de Portugal que, contudo, acabam na falácia de defender a resolução do problema com… mais construção!

Dir-se-ia que o que serve é construir habitação a preços baixos – «chamem-lhe acessível, moderada ou outro nome qualquer», frisava Mendes acima. Chamemos como quisermos: mas e a substância? O DL 117/2024 condiciona a reclassificação a que «700/1000 da área total de construção acima do solo se destine a habitação pública, ou a habitação de valor moderado». Só que esta última é definida como aquela em que «o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125 % do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225 % do valor da mediana nacional». Os últimos dados do INE disponíveis colocam a mediana do preço de venda nacional a 1,736€/mq, colocando o limite superior nas cidades de maior pressão nos 3,906€/mq: uma moderação evidentemente incomportável para quem aufere rendimentos em Portugal, feita à custa da expansão incontrolada do solo urbanizado.

A conclusão é simples: fomentar a construção fora dos planos de ordenamento do território só serve para fomentar a especulação. Paremos de usar a crise de habitação como álibi. Há, hoje em dia, só uma forma de tornar a habitação acessível para quem vive em Portugal:  regular o mercado, a partir do controle de rendas – tema que não poderei, contudo, desenvolver aqui.

Simone Tulumello é investigador auxiliar em geografia no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Interessa-se pelas dimensões globais da urbanização, com foco em temas como habitação, violência urbana e imaginários urbanos. simone.tulumello@ics.ulisboa.pt

50 Anos de Abril: questões ambientais, sociais e territoriais

Por: Mónica Truninger

Este é o meu último post como coordenadora do GI SHIFT. Ao longo destes cinco anos, tive o privilégio de organizar as atividades do GI, contando, numa primeira fase, com a colaboração da Olivia Bina e do João Graça, e, numa segunda e última fase, do João Mourato e João Guerra. De forma a celebrar a atividade deste grupo enérgico, dinâmico e especialista em questões ambientais, sociais e territoriais, aproveito este momento  para realçar neste texto uma obra coletiva do SHIFT, que esteve em preparação ao longo de 2024 e que está prestes a chegar às livrarias. Trata-se da obra 50 Anos de Abril: Questões Ambientais, Sociais e Territoriais, da Imprensa de Ciências Sociais. Esta obra reúne um conjunto de capítulos escritos por vários investigadores do SHIFT, refletindo o trabalho desenvolvido pelo grupo enquadrado no contexto das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Este marco histórico marcou a transição para a democracia em Portugal e a libertação de um regime autoritário. A Revolução dos Cravos e, a seguir a Constituição de 1976, permitiu a emergência de um novo regime democrático baseado nos princípios de liberdade, igualdade e justiça, consagrando direitos fundamentais, incluindo o direito ao ambiente e à qualidade de vida. Desde então, o país tem vivido transformações profundas em diversas áreas, mas também tem enfrentado desafios significativos, em particular nas últimas décadas, nomeadamente em relação ao ambiente, sociedade e território. 

Passadas cinco décadas, considerámos pertinente fazer uma análise crítica e reflexiva das principais transformações resultantes da instauração e consolidação da democracia: quais as expectativas cumpridas, quais as mudanças realizadas, mas também quais as promessas que ficaram por cumprir e até os retrocessos que acabaram por ocorrer. O foco dessa análise recaiu sobre as temáticas do grupo de investigação SHIFT: Ambiente, Território e Sociedade, em particular sobre as dinâmicas subjacentes aos desafios socioecológicos e territoriais da sociedade portuguesa, enquadrada não só na escala europeia, mas também na escala global. Será que o espírito de Abril se cumpriu, consolidando a transição para uma sociedade mais justa, resiliente e sustentável? E, tomando a Constituição como mote, será que foram construídos territórios mais ‘justos’ e ambientes mais ‘livres’ de diversas formas de poluição? E que capital de participação cidadã foi sendo acumulado ao longo destes 50 anos? Qual tem sido o contributo das organizações formais e informais de cidadãos para a construção de um país mais coeso, participativo e ‘fraterno’, em matéria de ambiente e território?

Tendo como mote os valores e os princípios que o 25 de abril de 1974 trouxe, e que a Constituição de 1976 consagrou, os contributos dos membros do grupo de investigação SHIFT, incluindo investigadores integrados e doutorandos, foram enquadrados por dois eixos de análise. Por um lado, os textos apresentam uma breve contextualização e trajetória históricas da temática em apreço nos últimos 50 anos, salientando os principais marcos e pontos de viragem. Por outro lado, os autores questionam até que ponto esta trajetória foi cumprida ou descontinuada, afastando-se até do espírito de Abril e fragilizando, assim, a própria democracia. 

A cover of a book

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Figura 1 – Capa do livro 50 Anos de Abril – Questões ambientais, sociais e territoriais (ICS, no prelo). 

O livro está dividido em três partes: questões ambientais, questões sociais e questões territoriais, com capítulos interligados que refletem sobre as conquistas e os desafios dos últimos 50 anos. A primeira parte, dedicada às questões ambientais, inicia-se com o capítulo de João Guerra, Luísa Schmidt e David Travassos, intitulado “Áreas Protegidas – trajetórias da conservação da natureza em Portugal”. Os autores analisam os avanços e retrocessos na política de conservação, destacando a falta de recursos para gestão e fiscalização. No capítulo seguinte, “Energia solar descentralizada: 50 anos de políticas públicas”, Sofia Ribeiro analisa os desafios energéticos em Portugal, desde a eletrificação do território após a Revolução até à promoção das energias renováveis nas últimas décadas. Complementando essa análise, Vera Ferreira, em “A energia comunitária em construção – um caso de democracia em Portugal?”, explora o papel das comunidades de energia renovável como ferramentas de participação democrática e transição energética. Por fim, Joana Sá Couto, no capítulo “A tua política é o trabalho […] O teu único jogo deve ser a pesca: o trabalho na pesca desde o Estado Novo à emergência climática”, reflete sobre as crises do setor piscatório, conectando-as às escolhas políticas e ao impacto das mudanças climáticas.

A segunda parte do livro foca-se nas questões sociais. Ricardo Moreira, em “O Estado Social que a Constituição abriu e as sementes do Estado Ambiental que ainda esconde”, discute como a Revolução impulsionou o Estado Social em Portugal, destacando os avanços em direitos sociais e as limitações na integração de políticas ambientais. Simone Tulumello e Luisa Rossini, no capítulo “A paz, o pão, …, saúde educação: a habitação, a grande ausência do Estado social democrático”, analisam as políticas habitacionais desde 1974, enfatizando as tensões entre as promessas da Revolução e os problemas habitacionais que persistem atualmente. Ana Delicado e Jussara Rowland, em “50 anos de construção de uma democracia participativa em matérias ambientais”, exploram a evolução da participação cidadã em questões ambientais, desde mobilizações espontâneas até a institucionalização de audiências públicas e o papel das ONG de ambiente. Por sua vez, Roberto Falanga, José Ribeiro e João Moniz, no capítulo “Cidadania e participação nos últimos 50 anos em Portugal: a consolidação democrática entre urnas e ruas”, examinam práticas emergentes de diálogo entre cidadãos e instituições, como o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) e os orçamentos participativos.

Na terceira parte, dedicada às questões territoriais, João Mourato, Inês Gusman e André Pereira, em “50 anos de (in)definição regional: convergências e conflitos de governança territorial em Portugal”, analisam a complexidade da governança regional, destacando os paradoxos e conflitos na organização territorial após o 25 de Abril. Kaya Schwemmlein, no capítulo “Variadas crises do sistema agrícola alentejano”, reflete sobre a evolução dos sistemas agrícolas no Alentejo, abordando questões relacionadas com o uso da terra, posse e sustentabilidade. Encerrando o volume, Rosário Oliveira, em “Alimentar as cidades de modo sustentável e saudável é preciso: das hortas urbanas ao sistema alimentar metropolitano”, descreve a transformação das hortas urbanas espontâneas em sistemas alimentares metropolitanos, propondo estratégias para o planeamento alimentar que sejam simultaneamente sustentáveis e saudáveis.

Esta obra apresenta, assim, um cenário misto, composto por avanços e desafios. Se, por um lado, foram alcançados progressos significativos em setores como a educação, a saúde, a segurança social, o abastecimento de água e o saneamento, a legislação sobre ambiente e natureza, o desenvolvimento da rede viária, a democratização das instituições e o aumento da participação cívica; por outro lado, persistem muitas questões por resolver. Entre estas, destacam-se-se as desigualdades sociais e socioterritoriais, os avanços e recuos nos debates sobre a regionalização, o difícil acesso à habitação, a gestão ineficiente da conservação da natureza, as limitações na adoção das energias renováveis, a crise no setor das pescas e os efeitos nocivos da agricultura intensiva para o ambiente e para a saúde humana. Todos estes desafios representam obstáculos à implementação de transições justas, especialmente face aos impactos crescentes das alterações climáticas no nosso país. 

Numa época marcada pelas comemorações dos 50 anos da Revolução, o livro do GI SHIFT oferece, assim, uma reflexão crítica sobre os avanços e retrocessos das últimas cinco décadas, propondo caminhos para uma sociedade mais justa, sustentável e democrática, em consonância com os ideais do 25 de Abril. 

Figura 2,3,4: Desfile comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Avenida da Liberdade, Lisboa, Portugal a 25 de Abril de 2024)Fonte: figuras 3 e 4 fotos de Luisa Rossini; figura 2 RitaFMatos (https://commons.m.wikimedia.org/wiki/File:25_de_Abril_de_2024_08.jpg).

Mónica Truninger é socióloga e coordenadora (em final de mandato) do SHIFT: Grupo de Investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. monica.truninger@ics.ulisboa.pt

Envelhecimento em Portugal: desafios habitacionais em casas frias e sobredimensionadas

Por: Alda Botelho Azevedo

A população portuguesa nunca foi tão envelhecida. Segundo os Censos 2021 do Instituto Nacional de Estatística (INE), 23,4% da população tem 65 e mais anos. São 182 seniores por cada 100 jovens. Diferem entre si em muitas características, entre essas, nas condições habitacionais.  A diversidade de condições e desafios habitacionais marca a experiência de viver e envelhecer em Portugal. 

A maioria das pessoas com 65 e mais anos vive em casa própria (78%). Todavia, cerca de 22% reside em habitação arrendada, de acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) entre 2015 e 2019. Nos adultos entre os 18 e os 64 anos, essa proporção sobe para 26%. A prevalência do arrendamento também varia com o grau de urbanização, sendo mais comum em áreas densamente povoadas e intermédias, onde chega aos 30%.

Pode conjeturar-se que os mais velhos tiveram mais tempo e oportunidades para se tornarem proprietários, seja através de poupanças, heranças, ou do crédito bancário, amplamente incentivado até 2002 por sucessivos governos via juros bonificados. É, por isso, bastante plausível que aqueles que não possuem casa própria aos 65 anos dificilmente o virão a conseguir.

A situação dos arrendatários com 65 e mais anos é diferente da dos mais jovens, sobretudo daqueles que estão no início da vida ativa. Para os mais velhos, o congelamento das rendas, sustentado ao longo dos anos por prorrogações e, mais recentemente, transformado em definitivo, foi um fator decisivo. Já os jovens em início da vida adulta têm compromissos habitacionais frequentemente considerados menos permanentes, como arrendamento ou partilha de habitação, muitas vezes devido à incerteza laboral e económica.

Portugal transformou-se num país de proprietários – talvez por falta de outras opções –, mas ter casa não garante, por si só, condições habitacionais dignas. Um trabalho anterior sobre desigualdades sociais mostra que os arrendatários enfrentam uma situação ainda mais desfavorável do que os proprietários: têm custos de habitação mais altos, estão mais frequentemente sobrecarregados com despesas, em condições de sobrelotação e de privação severa das condições de habitação.

Um dos indicadores mais ilustrativos das condições habitacionais, e um dos habitualmente utilizados para medir a pobreza energética, é a proporção da população com incapacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida. Entre 2015 e 2019, essa dificuldade afetou 18% dos proprietários e 34% dos arrendatários, de acordo com os dados do ICOR. Por faixa etária, mais de uma em cada quatro pessoas com 65 e mais anos relatou não ter recursos para aquecer a casa adequadamente (26%), uma proporção superior à observada entre os 18 e 64 anos (20%). As diferenças são pequenas entre áreas densamente e pouco povoadas. Este quadro resulta da conjugação de vários fatores: baixos rendimentos, custos de energia elevados, falta de isolamento térmico, despesas de habitação elevadas e dificuldade em aceder a programas de apoio que funcionam por reembolso. Como o nome do indicador sugere, é uma questão essencialmente financeira. No entanto, há outros fatores que também contribuem para este problema. Sendo menos debatidos, merecem ser aqui considerados.

Os Censos 2021 revelam uma realidade preocupante. Por um lado, a maioria das casas usadas como residência habitual em Portugal não possui sistemas de aquecimento ou conta apenas com aparelhos móveis, elétricos ou a gás, pouco eficientes tanto no consumo de energia quanto na capacidade de aquecer o ambiente. Esta situação é mais frequente nas regiões com clima mais ameno, como as regiões autónomas, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve. Mesmo nas áreas mais frias, como o Norte, menos de metade dos lares têm aquecimento central, lareiras abertas, recuperadores de calor ou outros equipamentos fixos.

Figura 1. Alojamentos familiares clássicos de residência habitual (%), por tipo de aquecimento utilizado com maior frequência, NUTS II. Fonte: Censos 2021, INE.

Por outro lado, viver numa casa com mais divisões do que o necessário representa custos adicionais de aquecimento. Os Censos 2021 revelam que Portugal tem uma taxa de sublotação da habitação muito elevada nos alojamentos utilizados como residência habitual (64%). As regiões do Centro e do Alentejo apresentam valores ainda mais altos (73% e 69%, respetivamente). Mesmo nas áreas com maior pressão no mercado imobiliário, as taxas de sublotação continuam extremamente altas: Região Autónoma da Madeira (49%), Área Metropolitana de Lisboa e Algarve (ambas com 57%).

Se adotarmos uma definição menos restritiva de sublotação do que a utilizada a nível europeu — considerando que ter uma divisão a mais possa não configurar sublotação, especialmente à luz da importância do espaço interior evidenciada na pandemia de Covid-19 —, a taxa de sublotação em Portugal ainda seria de 35%. Ou seja, mais de três em cada dez casas têm pelo menos duas divisões a mais do que seria necessário, tendo em conta a composição do agregado familiar.

Figura 2. Alojamentos familiares clássicos de residência habitual, por índice de lotação, NUTS II. Fonte: Censos 2021, INE.

É sabido que a sublotação é mais elevada em casas onde residem pessoas idosas, refletindo um desajuste comum em países com baixa mobilidade residencial: enquanto a dimensão familiar muda ao longo do tempo, a tipologia da habitação permanece fixa. A ideia de “uma casa para toda a vida” está profundamente enraizada nos padrões residenciais em Portugal, mas isso traz diversos desafios, incluindo um esforço financeiro adicional para aquecer adequadamente a casa. A literatura científica aponta para uma relação entre o excesso de mortalidade no inverno e a exposição prolongada a baixas temperaturas internas, sendo a idade um dos principais fatores de risco. Perante isto, estes dados são, no mínimo, preocupantes. 

Portugal, como muitos outros países, enfrenta desafios decorrentes de tendências demográficas de longo prazo, em particular o envelhecimento da população. Esta realidade é o resultado de dinâmicas bem conhecidas: o aumento gradual da esperança de vida, décadas de baixa natalidade e períodos prolongados de saldos migratórios negativos. Este processo só deverá desacelerar na década de 2040, quando as gerações nascidas a partir dos anos 1980, menores em número, atingirem a senioridade. Nesse momento, segundo as projeções oficiais, o grande desafio deixará de ser o envelhecimento e passará a ser o declínio demográfico.

Não basta, porém, viver mais. É fundamental viver melhor, e isso passa por melhorar as condições habitacionais. As casas precisam de ser mais adaptadas às necessidades de uma população envelhecida, garantindo conforto térmico, acessibilidade e segurança. Investir na requalificação dos espaços habitacionais, com melhores isolamentos e sistemas de aquecimento eficientes, não só promove uma vida mais digna para todos, mas também é um passo essencial para responder aos desafios de uma população cada vez mais envelhecida.

A autora agradece o apuramento de dados do ICOR 2015-2019 facultado pelo INE (PED-421796786) no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Indicadores das Desigualdades Sociais.

Uma versão deste texto foi publicada na edição n.º 17 (Nov-Dec 2024) da IntelCities, Revista das Cidades Inteligentes.

Alda Botelho Azevedo é investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais (ICS), onde coordena o doutoramento em Population Sciences da Universidade de Lisboa, e professora auxiliar convidada no ISCSP. A sua investigação centra-se sobretudo nas áreas da demografia da habitação e do envelhecimento da população. alda.azevedo@ics.ulisboa.pt 

Nordeste brasileiro: diferentes narrativas sobre desenvolvimento e transição energética

Por: José Gomes Ferreira

O Nordeste brasileiro é constituído por nove estados, que ocupam 1.558.000 km². Segundo o Censo 2022 residem na região cerca de 55 milhões de habitantes. Dado o atraso no desenvolvimento económico, a possibilidade das energias renováveis integrarem os investimentos fez parte, em 1959, das prioridades do documento Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste, coordenado por Celso Furtado, que deu origem à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Arranque

Foi a partir do apagão no fornecimento de eletricidade, ocorrido em 2001 e resultante da seca que afetou o Brasil, que a produção de energias renováveis foi desenvolvida. Ainda nesse ano, o Governo Federal avançou com o Programa Emergencial de Energia Eólica (PROEÓLICA), substituído no ano seguinte pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA). Data também de 2001 o primeiro Atlas de Potencial Eólico Brasileiro, que mostrou que o Nordeste tem os ventos mais favoráveis à produção eólica. Em 2006, foi publicado o Atlas Brasileiro de Energia Solar, destacando igualmente o potencial produtivo do Nordeste. A implementação de empreendimentos eólicos tem sido muito rápida, enquanto que a produção de energia solar está ainda em fase de expansão.

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Sessões Prospetivas ODSlocal: Pensar o Futuro, Agir no Presente em Contextos Fronteiriços

Por: Luísa Schmidt, João Guerra, Leonor Prata e David Travassos

A territorialização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constitui um dos principais desafios da Agenda 2030 aprovada em 2015. Em Portugal, a Plataforma Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSlocal) assume, desde 2020, a promoção desse processo, através de um dinâmico portal online e de uma estratégia proativa de mobilização participativa no terreno. A disponibilização e disseminação de informação surge como um dos objetivos centrais deste projeto, que tem promovido workshops locais, conferências anuais (por exemplo, a edição de 2022), relatórios e documentos de reflexão (por exemplo, as “Iniciativas em prol dos ODS em Portugal”) ou, ainda, protocolos e parcerias com outras entidades. Neste último caso, refiram-se os exemplos já em vigor do Programa Bairros Saudáveis, a parceria com a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, ou os acordos de âmbito regional e/ou supramunicipal (por exemplo, a Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores).

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Serviço Social Brasileiro no espaço urbano: O trabalho na perspetiva do direito a moradia

Por: Francine Helfreich

O Serviço Social brasileiro apresenta uma relação extremamente próxima com o desenvolvimento das políticas urbanas, sobretudo aquelas que se propõem a enfrentar o déficit habitacional do país, estimado em torno de seis milhões de domicílios, conforme os dados da Fundação João Pinheiro referentes ao ano de 2022. Não há dúvidas que o problema da moradia no país atinge os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora. Dentre eles, destacam-se as mulheres e a população negra, que compõem 54% da população.

Assim, a questão urbana no Brasil engloba uma complexidade de problemas que se articulam entre si. A ausência de regularização da posse da terra, o crescimento das favelas, a insuficiente e ineficaz mobilidade urbana, a falta de assistência técnica de interesse social, o crescimento das milícias policiais mediando a vida nos territórios, as guerras dos grupos civis armados, a política de segurança pública equivocada e, por fim, a negação do direito à cidade nos termos defendidos por Henri Lefebvre, são alguns exemplos que podemos citar. É justamente no conjunto dessas das expressões da questão social – termo usual da categoria profissional – que os assistentes sociais brasileiros executam seu trabalho.

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Como foi o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios

Por: Caterina Di Giovanni

No dia 26 de março, teve lugar o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios – no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Este evento, já anunciado num post anterior, enquadra-se nas atividades do projeto LOGO – A governança local das políticas de habitação. Uma investigação das estratégias locais de habitação (2023-2026). O foco principal do projeto é a dimensão local das políticas de habitação, investigando especificamente o impacto das Estratégias Locais de Habitação (ELH) e das Cartas Municipais de Habitação (CMH). Neste 1.º Fórum, focámo-nos sobre as ELH, tendo como objetivos: aprender com a experiência dos técnicos municipais, para ajudar a melhorar as políticas de habitação a nível local e central; criar um espaço de discussão horizontal, de aprendizagem mútua e de boas práticas entre os municípios.

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Um Living Lab para a monitorização e avaliação participativa da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza

Por: Roberto Falanga e Daniel Silva

No âmbito do protocolo assinado entre o Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e o PlanAPP – Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva, a equipa coordenada por Roberto Falanga, um dos autores deste post, teve a responsabilidade de produzir conhecimento sobre o estado da avaliação das políticas públicas em Portugal numa primeira fase, entre 2022 e 2023, e avançar com um modelo de monitorização e avaliação participativa numa segunda fase, em 2023. Neste post, debruçamo-nos sobre algumas das principais aprendizagens retiradas da segunda fase, que foi desenvolvida em parceria com a equipa coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP). A partir dessa tripla parceria, o ICS, o PlanAPP e a equipa coordenadora da ENCP estruturaram o primeiro Living Lab do género de que há conhecimento em Portugal, cujo foco foi a preparação de um roteiro para as entidades que irão envolver a população destinatária na monitorização e avaliação de medidas enquadradas e enquadráveis na ENCP. Convém salientar que o carácter inovador desta experiência adquire ainda mais relevância perante o quadro pouco animador da avaliação de políticas públicas no país, que foi apresentado num capítulo de autoria de Roberto Falanga e Camila Costa nos Cadernos do Observatório da Qualidade da Democracia 2023.

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