Notas do Fórum da Habitação do Projeto LOGO – The LOcal GOvernance of housing policy – 3ª edição – Territórios de Baixa Densidade na Região Centro

Por: Bruna Lee Azado

No dia 16 de junho de 2025 aconteceu, em Coimbra, a 3ª edição do Fórum da Habitação do projeto LOGO – A Governação Local das Políticas de Habitação. Uma investigação das Estratégias Locais de Habitação (2023–2026).

Depois de duas edições na Área Metropolitana de Lisboa, este fórum deslocou-se para o Centro do país, com o objetivo de conhecer a realidade das políticas de habitação nos territórios rurais e de baixa densidade. Participaram 8 técnicos municipais e 1 vereador, das áreas da Acção Social e Obras Públicas, dos concelhos de Cantanhede, Coimbra, Covilhã, Fundão, Guarda, Mangualde e Mealhada.

Enquadramento

A criação da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), em 2017, e da Lei de Bases da Habitação (LBH), em 2019, procurou descentralizar os processos de governação, posicionando os municípios como agentes centrais das políticas de habitação, através do lançamento de novos instrumentos como as Estratégias Locais de Habitação (ELH) e as Cartas Municipais de Habitação (CMH). No entanto, esta mudança cria uma tensão central que é o fio condutor da nossa investigação: Até que ponto os governos municipais conseguem mobilizar suas práticas e conhecimentos locais quando os programas nacionais (1º Direito – Programa de Apoio à Habitação e BNAUT – Bolsa de Alojamento Urgente e Temporário) e mesmo os prazos de acesso aos fundos comunitários são definidos centralmente?

Este Fórum teve como objetivo não apenas mapear estes desafios para o caso dos territórios rurais e de baixa densidade da Região Centro, mas também construir um espaço de diálogo entre técnicos municipais e a Academia.

Os resultados parciais do Fórum destacam como os técnicos municipais operam dentro de sistemas de governação centralizados, gerindo diversas escalas de tomada de decisões, tempos e dinâmicas políticas;  no entanto, as suas práticas locais revelam um potencial transformador. Os técnicos reinterpretam os esquemas nacionais para se adequarem às realidades territoriais, desde onde propõem formas alternativas de governação. Em última análise, examinar a governança em contextos de “não-centralidade” também desafia as hierarquias convencionais de produção de conhecimento. Isso nos obriga a questionar não apenas como os recursos circulam dentro do território português, mas também como as práticas locais, em contextos contingentes de capacidades técnicas ou recursos humanos, podem instituir novas práticas e remodelar as estruturas políticas regionais ou nacionais.

Tais práticas estão em consonância com teorias mais amplas de democratização impulsionada pela governança (Warren, 2009) e coprodução de conhecimento político (Jasanoff, 2004; Fischer, 2009), que enfatizam que a legitimidade democrática depende cada vez mais da capacidade das instituições de integrar conhecimentos e perspetivas diversas. Nesse sentido, a dimensão transformadora do conhecimento e da Academia pode decorrer da sua capacidade de, dentro dessas brechas institucionais, questionar algumas relações de poder e a transformação de espaços de deliberação em espaços de co-criação, co-decisão e co-gestão.

Figura 1 – Mesas de trabalho

Aspetos Metodológicos

Uma abordagem participativa à produção de conhecimento pode combinar várias técnicas de investigação, como “quantitativas” e/ou “qualitativas”, mas geralmente dá prioridade a workshops de construção coletiva de conhecimento. A diferença fundamental em relação às duas abordagens reside na finalidade da recolha de informação e implica, desde logo, a devolução da informação à própria população, grupo ou coletivo, para que, apoiados por técnicas adequadas, sejam essas pessoas a planear as próprias estratégias de superação aos bloqueios identificados.

A manhã foi dedicada ao trabalho em mesas temáticas, onde os técnicos analisaram as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (“SWOT”) associadas a duas dimensões da política de habitação: a dos instrumentos locais (ELH e CMH); e a dos programas nacionais, como o 1.º Direito e o BNAUT.

Ainda antes do almoço, a partir da técnica do sociograma ou “mapa de atores”, discutimos os posicionamentos dos diferentes atores sociais (institucionais, base associativa e base social) que integram os diferentes níveis das políticas de habitação face à questão em debate – a favor, afins, diferentes ou em contra –, de acordo com o grau de poder e os tipos de relações atribuídas a cada um. Este exercício serviu como ponto de partida para a sessão da tarde, ajudando-nos a refletir “com quem” devemos planear a superação das fraquezas e ameaças identificadas nas mesas anteriores.

Figura 2 e 3 – Sociograma ou mapa de atores

À tarde, o grupo reuniu-se em plenária, na qual os técnicos fizeram a devolução dos resultados das mesas e, após discussões, chegamos a uma síntese das principais fraquezas, ameaças, forças e oportunidades – a partir daí, fizemos o exercício de uma “SWOT propositiva”. A partir das fraquezas, discutimos como anulá-las ou reduzi-las; a partir das ameaças, como evitar ou atenuá-las; das forças, como ampliá-las ou mantê-las; e oportunidades, claro, como aproveitá-las.

Produção de Conhecimento a Partir da Base, algumas propostas dos técnicos municipais

As discussões mostraram como as políticas de habitação se confrontam, nos territórios rurais e de baixa densidade, com problemas estruturais de base, tensões de escala, temporalidades políticas e formas de conhecimento local que moldam a capacidade de ação municipal.

Essas foram algumas das propostas que saíram da “SWOT propositiva”:

  • Negociação dos critérios europeus – Necessidade de adaptar indicadores e métricas de elegibilidade dos financiamentos europeus às especificidades nacionais e territoriais;
  • Articulação regional – Reforço do papel das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), dotando-as de maiores competências e poder de decisão;
  • Diferenciação de programas por densidade – Criação de programas com legislação e financiamento ajustados às realidades dos territórios de baixa e alta densidade.
  • Reativar estruturas locais de proximidade – Criação de equipas multidisciplinares permanentes, inspiradas nos antigos Gabinetes Técnicos Locais (GTL) das décadas de 1980/90.

Um dos momentos mais produtivos foi a discussão sobre o papel do BNAUT (Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário) – com grande expressão na Região Centro – enquanto instrumento de articulação territorial, capaz de responder a fenómenos transversais como incêndios, cheias e despovoamento, bem como à falta de mão de obra no trabalho agrícola, através da atração e acolhimento de populações migrantes. A ideia de uma coordenação intermunicipal, a partir da CCDR e das CIMs, surgiu como proposta concreta de cooperação regional.

Figura 4 – Plenária – ‘SWOT Propositiva’

Próximos passos

Como dizia um dos técnicos, “desenha-se tudo para um território, que tem assimetrias tão grandes… que se esquece dos pequenos territórios, e pensa-se só nos grandes territórios. (…) quando, praticamente, não nos conhecemos uns aos outros. Não sabemos onde estão as dificuldades”. Conforme fomos defendendo, embora essas condicionantes possam impor dificuldades aos municípios rurais e de baixa densidade, as suas tentativas de superação podem revelar formas criativas e inovadoras de governação. Portanto, incluir esses agentes e seus conhecimentos, assim como os conhecimentos das diversas populações locais, poderá informar processos transformadores na formulação de políticas de habitação.

O projeto LOGO entra agora na fase de estudos de caso – entre eles, um conjunto de municípios da Raia, na fronteira leste com Espanha – para continuar a aprofundar o conhecimento sobre as diferentes realidades do território português e as possíveis articulações intermunicipais, regionais ou fronteiriças.

Bruna Lee Azado (Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto) é bolseira de mestrado no projeto LOGO – The Local Governance of Housing Policy. Possui formação avançada em metodologias participativas para o desenvolvimento rural e gestão territorial (RedCIMAS/UCM, Espanha), bem como em perspectivas e metodologias participativas para o aprofundamento da democracia (CLACSO, Argentina), com especialização adicional em Sistemas de Informação Geográfica. bsilva@arq.up.pt

Notas do 2º Fórum da Habitação do projeto LOGO: Estratégias Locais de Habitação, da elaboração à implementação

Por: Caterina Di Giovanni

No dia 31 de março de 2025 teve lugar o 2º Fórum da Habitação – Estratégias Locais de Habitação: da elaboração à implementação – no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Esse evento enquadra-se nas atividades do projeto LOGO – A governança local das políticas de habitação. Uma investigação das estratégias locais de habitação (2023-2026), cujo foco principal é a dimensão local das políticas de habitação, investigando especificamente o impacto das Estratégias Locais de Habitação (ELHs) e das Cartas Municipais de Habitação (CMHs).

O 1º Fórum do projeto foi em março do ano passado e teve como tema a elaboração das ELHs na Área Metropolitana de Lisboa (AML) (vejam aqui o pré e post fórum); este ano focamo-nos sobre a implementação das ELHs na AML, com o objetivo de fazer um ponto da situação depois de um ano.

Repetimos o formato do ano passado, com uma programação tripartida em sequência: duas sessões fechadas com os técnicos camarários da Área Metropolitana de Lisboa e uma aberta ao público sob forma de mesa-redonda com peritos da habitação.

A primeira sessão do dia foi constituída por um workshop organizado segundo o modelo do chamado “world café”: os participantes foram divididos em grupos por mesa temática. Após cerca de 30 minutos de debate numa mesa, os grupos passaram a uma nova mesa, repetindo-se o processo até que cada grupo tivesse participado em todas as mesas.

As três mesas temáticas abordaram temas relacionados com as políticas locais da habitação:

– Mesa 1 (“Os atores das políticas locais”) na qual se procurava saber quais atores estão a participar, juntos com as câmaras, na implementação das ELHs e que tipo de relação se está a desenvolver entre eles (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana – IHRU, consultorias, associações locais, juntas de freguesias, etc.);

– Mesa 2 (“O processo de implementação e o seu impacto sobre as carências habitacionais locais”) na qual se procurava perceber que tipo de desafios estão ligados ao processo de implementação e que impacto este está a ter (ou vai ter no futuro) sobre as carências habitacionais dos municípios;

– Mesa 3 (“Os recursos para uma política de habitação pós-PRR”) na qual se procurava perceber como é o que mudou (ou vai mudar) a dinâmica da política de habitação local pós-PRR.

Figura 1 – Abertura dos trabalhos. Apresentação das mesas temáticas com técnicos camarários da AML. Foto: Marco Allegra

Seguimos com a metodologia de Rose, Thorn, Buds (Fig. 2) — Rosas: resultados positivos; Espinhos: pontos críticos e Brotos: potenciais para o futuro. Os participantes responderam às perguntas colocadas pelos facilitadores e as respostas foram colocadas no quadro com post-its, colocando-os de acordo com a metodologia referida.

Figura 2 – “Rosas, Espinhos, Brotos” na mesa temática 2. Foto: Caterina Di Giovanni

Foi pedido aos participantes que dessem as suas respostas a um questionário instantâneo, dividido em três partes, com perguntas iguais ao ano passado, podendo assim refletir sobre o que mudou após um ano.

Na primeira parte, os participantes deveriam dar a sua opinião relativamente às seguintes afirmações (onde 1=discordo; 5= concordo). Após um ano, os resultados evidenciam que a ELH introduziu mais desafios de mudança e de esperança, mas a dinâmica de participação de outros atores esteve em queda.

Figura 3 – Resultados do questionário instantâneo (1ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (esquerda) e do 2º Fórum (direita)

Na segunda parte, os participantes deveriam escrever que palavras utilizariam para descrever a sua experiência em termos de ELH (uma palavra x cinco campos). Os resultados, visualizados numa nuvem de palavras, apontam para palavras centradas em reconhecimento de atributos mais positivos a respeito do ano passado.

Figura 4 – Resultados do questionário instantâneo (2ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (esquerda) e do 2º Fórum (direita)

Na terceira parte, os participantes deveriam escrever uma resposta à seguinte reflexão: “Se eu fosse responsável pelas Políticas de Habitação, a minha prioridade seria… (até 200 caracteres). Os resultados foram organizados em categorias, como evidenciados na fig. 5, e mostram ideias mais detalhadas em termos de instrumentos, princípios e ação do Estado.

Figura 5 – Resultados do questionário instantâneo (3ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (2024) e do 2º Fórum (2025)

O programa seguiu com a sessão plenária, que integrou o resumo de pontos fortes, fraquezas e oportunidades (Rosas-Espinhos-Brotos) e um debate interno sobre o processo das ELHs nos municípios da AML.

Finalmente, o Fórum abriu as portas para o público na sessão da mesa-redonda, constituída por Ana Pinho (ex-Secretária de Estado de habitação), Carlos Humberto de Carvalho (Primeiro-Secretário da AML) e Sílvia Jorge (investigadora CiTUA/IST-ID).

Figura 6 – Oradores da mesa-redonda aberta ao público. Foto: Teresa Madeira da Silva.

O que aprendemos com este Fórum?

Apesar da diversidade dos territórios da AML e do grande investimento público na habitação,[1]  o resultado      é que as carências estão a aumentar exponencialmente, pelo que as respostas poderão ser insuficientes.

Algumas breves notas evidenciadas para o processo de implementação das ELHs:

Rosas

–  Reabilitação de parque público existente (solução mais apostada) com impacto positivo na vida das pessoas;

– Melhor monitorização e gestão do parque público;

– Compromisso das Câmaras para executar o que estabelecido.

Espinhos

– Prazos continuam a ser o espinho maior, em continuação com o ano passado;

– Impasse das candidaturas dos beneficiários diretos provocou uma desacreditação do processo;

– Mercado aquecido e carências habitacionais em constante ampliação.

Brotos

– Diversificação de soluções habitacionais e de tipos de arrendamento (além do apoiado);

– Perspectivas de colaboração intermunicipal;

– Revisão das ELHs juntamente com a elaboração da CMH – questões esquecidas para resolver.

Os métodos utilizados durante este 2º Fórum, resumidos na metodologia de Rosas-Espinhos-Brotos e no questionário instantâneo, sublinham como os atores envolvidos, já poucos em fase de elaboração das ELHs, estiveram em queda na implementação, mostrando como os municípios são o verdadeiro Ator do processo. As Câmaras assinalam uma aposta na diversidade de soluções aplicadas e, no entanto, muitas carências ficaram fora nesta fase da implementação. Através das ELHs, o capital de conhecimento das Câmaras foi reforçado, enquanto os recursos humanos continuam sobrecarregados principalmente para cumprir os prazos apertados. Não obstante os muitos obstáculos observados, as respostas do questionário são mais esperançosas face ao ano passado, delineando uma aprendizagem contínua das ELHs.          

Perante os bons resultados do 2º Fórum da Habitação, a equipa LOGO está a pensar no próximo que terá lugar ainda este ano em Coimbra.

Stay tuned!

Caterina Di Giovanni é arquiteta e doutorada em Estudos Urbanos (ISCTE-IUL / FCSH NOVA). É investigadora júnior no ICS-ULisboa no âmbito do projeto LOGO.

Como foi o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios

Por: Caterina Di Giovanni

No dia 26 de março, teve lugar o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios – no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Este evento, já anunciado num post anterior, enquadra-se nas atividades do projeto LOGO – A governança local das políticas de habitação. Uma investigação das estratégias locais de habitação (2023-2026). O foco principal do projeto é a dimensão local das políticas de habitação, investigando especificamente o impacto das Estratégias Locais de Habitação (ELH) e das Cartas Municipais de Habitação (CMH). Neste 1.º Fórum, focámo-nos sobre as ELH, tendo como objetivos: aprender com a experiência dos técnicos municipais, para ajudar a melhorar as políticas de habitação a nível local e central; criar um espaço de discussão horizontal, de aprendizagem mútua e de boas práticas entre os municípios.

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Adaptação climática em Portugal: Contributos para um Roteiro Nacional

Por: André Pereira e João Mourato

Nos passados três meses, sucederam-se exemplos a nível mundial dos impactos que quer as ondas de calor, quer as cheias e inundações repentinas (flash floods) podem ter, e de como em contexto urbano e rural não estamos equipados para lidar com estes fenómenos. Perante estes eventos há quem, na opinião pública, argumente que se trata apenas de um conjunto de epifenómenos. Contudo, negacionismo suave à parte, o que a climatologia nos informa é que podemos estar perante o início de uma mudança global nos padrões climatéricos, redesenhando assim um “novo normal”. E acumula-se evidência de que não estamos preparados para gerir os impactos negativos de tal mudança. É aqui que o debate da adaptação às alterações climáticas reside.

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Conferência ODSlocal’22 – Caminhos, Dinâmicas, Futuros

Por: Paulo Miguel Madeira, João Guerra, Madalena Duque dos Santos, Luísa Schmidt e João Ferrão

O projeto ODSlocal – Plataforma Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é uma iniciativa que tem mobilizado os municípios e outras entidades locais para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos na Agenda 2030 das Nações Unidas. Entre os seus vários propósitos está a capacitação das comunidades locais para a prossecução do desenvolvimento sustentável, estimulando a construção participada e colaborativa de estratégias de sustentabilidade municipal e a sua monitorização, bem como a valorização e divulgação de boas práticas, projetos inovadores e resultados alcançados. Para isso, o projeto conta com uma equipa diversificada e interdisciplinar que inclui, para além de investigadores do OBSERVA/ICS-ULisboa, participantes de outras instituições: MARE-NOVA, CNADS e, ainda, a 2adapt, a empresa responsável pela conceção do portal ODSlocal (o sítio eletrónico da Plataforma, a qual presta serviços também por outras vias).

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