Tempo, Imaginação e Transformação: Reflexões sobre a Naturescapes Spring School 2025

Por: Andresa Lêdo Marques

Vivemos num período marcado por crises interligadas — ambiental, climática e social — agravadas pelo facto de a mudança climática já não ser uma previsão futura, mas uma realidade que se sente no quotidiano, traduzida em eventos extremos e perda de biodiversidade. Em paralelo, instituições públicas e democráticas enfrentam ondas de deslegitimação e redução de financiamento, tornando ainda mais difícil responder de forma coordenada e justa a esses desafios. Também a academia vive a sua própria crise, com a pressão por produtividade, a cultura da competitividade e a precarização dos vínculos, que criam um ambiente cada vez menos propício à escuta, ao cuidado e à colaboração, especialmente para investigadores em início de carreira.

Foi neste cenário complexo e desafiante que co-organizei, juntamente com a Olivia Bina (ICS) e a Fiona Kinniburgh (ICS), entre os dias 8 e 10 de abril de 2025, a Naturescapes Spring School, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa). O evento, dirigido a investigadores/as em início de carreira, reuniu 27 participantes de diversas nacionalidades e áreas de atuação, além de 16 investigadores/as seniores que participaram como comentadores, mentores e oradores. 

A escola foi organizada no âmbito do projeto Naturescapes (Horizonte Europa), e teve como tema central: Nature-Based Solutions for Just and Transformative Futures. Este tema insere-se num debate mais amplo sobre as Soluções Baseadas na Natureza (Nature-Based Solutions – NBS), que têm ganhado destaque nos últimos anos como formas de enfrentar simultaneamente desafios ecológicos, urbanos e sociais. No entanto, as NBS também se tornaram um campo de disputa política, epistemológica e cultural. Quem decide como e onde as NBS são implementadas? De quem são os futuros que se pretendem transformar? Que conflitos e possibilidades emergem quando a “natureza” entra no centro das estratégias de desenvolvimento urbano?

A Spring School foi concebida para explorar essas e outras questões, reconhecendo as NBS como ferramentas carregadas de valores, imaginários e potenciais de transformação. Procurámos criar um ambiente de partilha e escuta, onde os participantes pudessem refletir sobre os seus próprios projetos e, ao mesmo tempo, ampliar as suas referências críticas e relacionais.

Este texto tem como objetivo partilhar um pouco dessa experiência. Mais do que um relato institucional, trata-se de refletir sobre o que significa, hoje, organizar um espaço de formação em  contramão com as lógicas de reprodução da pressa, da hierarquia e do isolamento que parecem dominar os espaços académicos 

Tempo para estar, pensar e construir

A estrutura da escola foi desenhada com uma premissa simples: o tempo importa. Nesse sentido, o evento foi pensado como um espaço de pausa, de profundidade e de presença — e o tempo foi, desde o início, um dos seus eixos estruturantes.

Inspiradas pelo modelo do Workshop do Urban Transformation Hub (UTH), decidimos criar um ritmo que permitisse não apenas mostrar projetos de investigação, mas conversar sobre eles. Escutá-los e discuti-los com atenção. Cada sessão incluía no máximo duas apresentações, e todos os participantes, organizados em grupos, tiveram a oportunidade de ler os artigos com antecedência. Estes, apresentando diferentes graus de maturação e desenvolvimento, foram comentados por investigadores seniores, que, juntamente com os demais membros do grupo, ofereceram comentários e perguntas num ambiente de colaboração e troca de ideias.

Esse cuidado foi sentido por todos e muitos partilharam da opinião de como raramente têm oportunidades tão generosas para apresentar as suas investigações com tempo suficiente para pensar, discutir e refletir sobre o seu trabalho e o dos seus pares. Mas o tempo revelou-se valioso também nos intervalos. Nos almoços partilhados no terraço do ICS, nas conversas nos coffee breaks e nos encontros informais após as sessões. Num contexto universitário onde tudo é feito para caber em 10 ou 15 minutos, oferecer tempo tornou-se um gesto quase radical. E talvez seja justamente isso que mais ficou: a desaceleração como condição para a profundidade e para o vínculo.

Figura 1: Sessão paralela, Naturescapes Spring School 2025. Fotografia de Philipp Montenegro.

Imaginação, transformação e agências

Outro elemento central foram as apresentações dos palestrantes convidados — momentos criados para ampliar as nossas referências e perspectivas. A Spring School abriu com a palestra de Ramon Sarró (ICS), que nos convidou a uma reflexão teórica sobre os desafios da separação entre natureza e cultura, e destacou o papel da imaginação como uma ferramenta importante para repensarmos as conexões entre as duas. Encerrámos o primeiro dia com uma palestra de Maarten Hajer (Universidade de Utrecht), realizada no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa. Hajer defendeu a necessidade de irmos além das abordagens meramente pragmáticas em relação às NBS, em direção a uma reimaginação mais radical das relações sócio-ecológicas, e reformular os atuais discursos políticos em torno das NBS.

Figura 2: Palestra de Maarten Hajer (Universidade de Utrecht), realizada no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa.

Tivemos ainda intervenções no segundo dia, como a palestra de Carmen Lacambra (Grupo Laera), que trouxe uma perspectiva baseada na sua vasta experiência académica e profissional na América Latina, partilhando casos concretosde integração da biodiversidade na gestão de riscos em territórios tropicais. A sua comunicação destacou a importância dos contextos sociais e culturais para a implementação das NBS, além da integração de dados científicos.

Na última apresentação de convidados externos, tivemos a palestra de. Isabel Ferreira (Universidade de Coimbra), que nos levou a pensar nas práticas participativas como práticas de transformação em si mesmas. A partir da sua ampla trajetória profissional e académica, e da atuação no projeto TRANS-lighthouses, partilhou reflexões sobre as culturas participativas, transformação e justiça, e as suas possibilidades e desafios no contexto das NBS.

Essas vozes, com as suas diferentes origens, linguagens e experiências, ajudaram a compor um mosaico crítico sobre o que transformar com e através da natureza pode significar em diversos contextos.

Considerações finais: Semear novos futuros

A experiência de co-organizar a Naturescapes Spring School foi uma tentativa deliberada de criar um espaço de trocas, crescimento e pausas. Um convite a outro ritmo e a dar corpo a um tipo de experiência que, infelizmente, raramente tem lugar num contexto académico cada vez mais competitivo. Foi um convite a uma experiência de escuta, de convivência, de cuidado.

Os três eixos temáticos da escola — governança das NBS para a justiça, significados e valores da natureza urbana, e futuros imaginados e disputados — atravessaram todas as apresentações e discussões, mas sem se tornarem caixas estanques. Pelo contrário, foram pontos de partida para que cada participante pudesse situar a sua própria investigação em relação a um campo em transformação e constante evolução.

O que fica, na perspectiva da organização, é a esperança de que a escolha do tempo como eixo estruturante tenha feito deste evento nãoa penas uma oportunidade de ampliação de conteúdo e networking, mas também a semente de uma comunidade que cultive uma cultura académica. Uma comunidade na qual o conhecimento é partilhado com honestidade, onde as diferenças são reconhecidas como potência, e onde o futuro é tratado não como um dado, mas como algo a ser construído e cuidado.

As NBS, longe de serem apenas uma técnica ou tendência, são também um campo de disputa ética, política e estética. Podemos encará-las como um convite para não tratarmos a natureza como solução rápida, mas como relação, cuidado e uma perspectiva de futuro em disputa e construção. Talvez o que fizemos nesses três dias não tenha sido responder às múltiplas crises que enfrentamos, mas sim encorajar a imaginação sobre futuros mais justos e sustentáveis — o que implica também imaginar e praticar outras formas de estar juntos — na academia, na cidade, no planeta. Num mundo em que tudo nos empurra para a velocidade e para a produtividade, criar um evento como este e com esta estrutura pode ser, paradoxalmente, um ato radical. E, quem sabe, uma semente de futuro.

Figura 3: Naturescapes Spring School 2025. Fotografia de Philipp Montenegro.

Andresa Lêdo Marques é atualmente investigadora de Pós-Doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, integrando o projeto de investigação Naturescapes: Nature-based solutions for climate resilient, nature positive and socially just communities in diverse landscapes.

50 Anos de Abril: questões ambientais, sociais e territoriais

Por: Mónica Truninger

Este é o meu último post como coordenadora do GI SHIFT. Ao longo destes cinco anos, tive o privilégio de organizar as atividades do GI, contando, numa primeira fase, com a colaboração da Olivia Bina e do João Graça, e, numa segunda e última fase, do João Mourato e João Guerra. De forma a celebrar a atividade deste grupo enérgico, dinâmico e especialista em questões ambientais, sociais e territoriais, aproveito este momento  para realçar neste texto uma obra coletiva do SHIFT, que esteve em preparação ao longo de 2024 e que está prestes a chegar às livrarias. Trata-se da obra 50 Anos de Abril: Questões Ambientais, Sociais e Territoriais, da Imprensa de Ciências Sociais. Esta obra reúne um conjunto de capítulos escritos por vários investigadores do SHIFT, refletindo o trabalho desenvolvido pelo grupo enquadrado no contexto das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Este marco histórico marcou a transição para a democracia em Portugal e a libertação de um regime autoritário. A Revolução dos Cravos e, a seguir a Constituição de 1976, permitiu a emergência de um novo regime democrático baseado nos princípios de liberdade, igualdade e justiça, consagrando direitos fundamentais, incluindo o direito ao ambiente e à qualidade de vida. Desde então, o país tem vivido transformações profundas em diversas áreas, mas também tem enfrentado desafios significativos, em particular nas últimas décadas, nomeadamente em relação ao ambiente, sociedade e território. 

Passadas cinco décadas, considerámos pertinente fazer uma análise crítica e reflexiva das principais transformações resultantes da instauração e consolidação da democracia: quais as expectativas cumpridas, quais as mudanças realizadas, mas também quais as promessas que ficaram por cumprir e até os retrocessos que acabaram por ocorrer. O foco dessa análise recaiu sobre as temáticas do grupo de investigação SHIFT: Ambiente, Território e Sociedade, em particular sobre as dinâmicas subjacentes aos desafios socioecológicos e territoriais da sociedade portuguesa, enquadrada não só na escala europeia, mas também na escala global. Será que o espírito de Abril se cumpriu, consolidando a transição para uma sociedade mais justa, resiliente e sustentável? E, tomando a Constituição como mote, será que foram construídos territórios mais ‘justos’ e ambientes mais ‘livres’ de diversas formas de poluição? E que capital de participação cidadã foi sendo acumulado ao longo destes 50 anos? Qual tem sido o contributo das organizações formais e informais de cidadãos para a construção de um país mais coeso, participativo e ‘fraterno’, em matéria de ambiente e território?

Tendo como mote os valores e os princípios que o 25 de abril de 1974 trouxe, e que a Constituição de 1976 consagrou, os contributos dos membros do grupo de investigação SHIFT, incluindo investigadores integrados e doutorandos, foram enquadrados por dois eixos de análise. Por um lado, os textos apresentam uma breve contextualização e trajetória históricas da temática em apreço nos últimos 50 anos, salientando os principais marcos e pontos de viragem. Por outro lado, os autores questionam até que ponto esta trajetória foi cumprida ou descontinuada, afastando-se até do espírito de Abril e fragilizando, assim, a própria democracia. 

A cover of a book

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Figura 1 – Capa do livro 50 Anos de Abril – Questões ambientais, sociais e territoriais (ICS, no prelo). 

O livro está dividido em três partes: questões ambientais, questões sociais e questões territoriais, com capítulos interligados que refletem sobre as conquistas e os desafios dos últimos 50 anos. A primeira parte, dedicada às questões ambientais, inicia-se com o capítulo de João Guerra, Luísa Schmidt e David Travassos, intitulado “Áreas Protegidas – trajetórias da conservação da natureza em Portugal”. Os autores analisam os avanços e retrocessos na política de conservação, destacando a falta de recursos para gestão e fiscalização. No capítulo seguinte, “Energia solar descentralizada: 50 anos de políticas públicas”, Sofia Ribeiro analisa os desafios energéticos em Portugal, desde a eletrificação do território após a Revolução até à promoção das energias renováveis nas últimas décadas. Complementando essa análise, Vera Ferreira, em “A energia comunitária em construção – um caso de democracia em Portugal?”, explora o papel das comunidades de energia renovável como ferramentas de participação democrática e transição energética. Por fim, Joana Sá Couto, no capítulo “A tua política é o trabalho […] O teu único jogo deve ser a pesca: o trabalho na pesca desde o Estado Novo à emergência climática”, reflete sobre as crises do setor piscatório, conectando-as às escolhas políticas e ao impacto das mudanças climáticas.

A segunda parte do livro foca-se nas questões sociais. Ricardo Moreira, em “O Estado Social que a Constituição abriu e as sementes do Estado Ambiental que ainda esconde”, discute como a Revolução impulsionou o Estado Social em Portugal, destacando os avanços em direitos sociais e as limitações na integração de políticas ambientais. Simone Tulumello e Luisa Rossini, no capítulo “A paz, o pão, …, saúde educação: a habitação, a grande ausência do Estado social democrático”, analisam as políticas habitacionais desde 1974, enfatizando as tensões entre as promessas da Revolução e os problemas habitacionais que persistem atualmente. Ana Delicado e Jussara Rowland, em “50 anos de construção de uma democracia participativa em matérias ambientais”, exploram a evolução da participação cidadã em questões ambientais, desde mobilizações espontâneas até a institucionalização de audiências públicas e o papel das ONG de ambiente. Por sua vez, Roberto Falanga, José Ribeiro e João Moniz, no capítulo “Cidadania e participação nos últimos 50 anos em Portugal: a consolidação democrática entre urnas e ruas”, examinam práticas emergentes de diálogo entre cidadãos e instituições, como o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) e os orçamentos participativos.

Na terceira parte, dedicada às questões territoriais, João Mourato, Inês Gusman e André Pereira, em “50 anos de (in)definição regional: convergências e conflitos de governança territorial em Portugal”, analisam a complexidade da governança regional, destacando os paradoxos e conflitos na organização territorial após o 25 de Abril. Kaya Schwemmlein, no capítulo “Variadas crises do sistema agrícola alentejano”, reflete sobre a evolução dos sistemas agrícolas no Alentejo, abordando questões relacionadas com o uso da terra, posse e sustentabilidade. Encerrando o volume, Rosário Oliveira, em “Alimentar as cidades de modo sustentável e saudável é preciso: das hortas urbanas ao sistema alimentar metropolitano”, descreve a transformação das hortas urbanas espontâneas em sistemas alimentares metropolitanos, propondo estratégias para o planeamento alimentar que sejam simultaneamente sustentáveis e saudáveis.

Esta obra apresenta, assim, um cenário misto, composto por avanços e desafios. Se, por um lado, foram alcançados progressos significativos em setores como a educação, a saúde, a segurança social, o abastecimento de água e o saneamento, a legislação sobre ambiente e natureza, o desenvolvimento da rede viária, a democratização das instituições e o aumento da participação cívica; por outro lado, persistem muitas questões por resolver. Entre estas, destacam-se-se as desigualdades sociais e socioterritoriais, os avanços e recuos nos debates sobre a regionalização, o difícil acesso à habitação, a gestão ineficiente da conservação da natureza, as limitações na adoção das energias renováveis, a crise no setor das pescas e os efeitos nocivos da agricultura intensiva para o ambiente e para a saúde humana. Todos estes desafios representam obstáculos à implementação de transições justas, especialmente face aos impactos crescentes das alterações climáticas no nosso país. 

Numa época marcada pelas comemorações dos 50 anos da Revolução, o livro do GI SHIFT oferece, assim, uma reflexão crítica sobre os avanços e retrocessos das últimas cinco décadas, propondo caminhos para uma sociedade mais justa, sustentável e democrática, em consonância com os ideais do 25 de Abril. 

Figura 2,3,4: Desfile comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Avenida da Liberdade, Lisboa, Portugal a 25 de Abril de 2024)Fonte: figuras 3 e 4 fotos de Luisa Rossini; figura 2 RitaFMatos (https://commons.m.wikimedia.org/wiki/File:25_de_Abril_de_2024_08.jpg).

Mónica Truninger é socióloga e coordenadora (em final de mandato) do SHIFT: Grupo de Investigação Ambiente, Território e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. monica.truninger@ics.ulisboa.pt

Serviço Social Brasileiro no espaço urbano: O trabalho na perspetiva do direito a moradia

Por: Francine Helfreich

O Serviço Social brasileiro apresenta uma relação extremamente próxima com o desenvolvimento das políticas urbanas, sobretudo aquelas que se propõem a enfrentar o déficit habitacional do país, estimado em torno de seis milhões de domicílios, conforme os dados da Fundação João Pinheiro referentes ao ano de 2022. Não há dúvidas que o problema da moradia no país atinge os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora. Dentre eles, destacam-se as mulheres e a população negra, que compõem 54% da população.

Assim, a questão urbana no Brasil engloba uma complexidade de problemas que se articulam entre si. A ausência de regularização da posse da terra, o crescimento das favelas, a insuficiente e ineficaz mobilidade urbana, a falta de assistência técnica de interesse social, o crescimento das milícias policiais mediando a vida nos territórios, as guerras dos grupos civis armados, a política de segurança pública equivocada e, por fim, a negação do direito à cidade nos termos defendidos por Henri Lefebvre, são alguns exemplos que podemos citar. É justamente no conjunto dessas das expressões da questão social – termo usual da categoria profissional – que os assistentes sociais brasileiros executam seu trabalho.

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A interdisciplinaridade na pesquisa sobre mudança climática: reflexões a partir da experiência do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia no Brasil

Por: Julia S. Guivant

O apelo ao estudo interdisciplinar sobre mudança climática passou a ser bastante consensual, com maior número de periódicos publicando artigos com este caráter, e presente em editais de agências de financiamento. Este destaque está intimamente relacionado com a evidência incontestável sobre o papel da influência humana no clima. A interdisciplinaridade é considerada chave tanto para entender como as sociedades interpretam e respondem às mudanças climáticas quanto para formular e orientar na implementação de políticas públicas para mitigação e adaptação. É importante diferenciar a interdisciplinaridade, o estudo de um problema complexo integrando num esforço coletivo diversas perspectivas disciplinares, sem privilegiar um método ou uma teoria disciplinar, da multidisciplinaridade. Esta estuda um tópico a partir da perspectiva de várias disciplinas ao mesmo tempo, sem procurar integrar estas. E se diferencia da transdisciplinaridade, que tende a ser definida como um tipo de interdisciplinaridade, que procura integrar não apenas disciplinas, mas conhecimentos diversos, fora da academia.

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Dois anos de Shared Green Deal: balanço das principais atividades

Por: Mónica Truninger

O projeto Europeu Shared Green Deal foi apresentado num post deste blogue há quase dois anos, a 16 de fevereiro de 2022. Naquela altura, o projeto estava ainda no início de um longo percurso de cinco anos. Por isso, vale a pena fazer agora um balanço das principais atividades realizadas passados dois anos, sobretudo aquelas que envolveram mais ativamente os membros do grupo de investigação SHIFT que fazem parte da equipa deste projeto.

Para recordar, o objetivo do Shared Green Deal é estimular ações conjuntas entre parceiros académicos e não académicos em torno de iniciativas promotoras do Pacto Ecológico Europeu (PEE), em toda a Europa. Para tal, estão a ser utilizadas ferramentas das Ciências Sociais e Humanas (CSH) para apoiar a implementação de oito áreas do Pacto Ecológico Europeu, a nível local e regional. Estas áreas são: Energia Limpa, Economia Circular, Renovações Eficazes, Mobilidade Sustentável, Alimentação Sustentável e Preservação da Biodiversidade. O trabalho realizado em cada uma destas frentes vai igualmente contribuir para dois importantes eixos transversais: a ação climática e as ambições de poluição zero do Pacto Ecológico Europeu.

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Da esquizofrenia das políticas ambientais em Portugal. Conhecimento de base científica no apoio à tomada de decisão – Precisa-se

Por: Rosário Oliveira

Em contexto de instabilidade generalizada à escala global, as políticas ambientais ganharam um estatuto quase esquizofrénico, tornando-se difícil, senão impossível, prever a trajetória que irão prosseguir para evitar a hecatombe climática e de perda de biodiversidade, com consequências trágicas para a sobrevivência dos ecossistemas e da sociedade do século XXI.

Não se trata de um discurso catastrofista, senão do reconhecimento factual acerca do descomprometimento e desresponsabilização dos países relativamente aos Acordos internacionais para inverter a tendência de aquecimento global e de perda massiva da biodiversidade.

No momento em que a Organização das Nações Unidas (ONU) promove a 28ª edição da Conferência das Partes – COP 28, sobre mudanças climáticas, fica claro o jogo de forças das grandes potências mundiais entre apostar na economia do carbono ou na sua descarbonização.

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Sangram as águas, celebra o povo. Fé e festa no transbordar da barragem de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte

Por: José Gomes Ferreira e Bertulino José de Souza

Na abordagem que temos feito sobre o valor eco-social da água, trazemos para análise A água e os sonhos, de Gaston Bachelard, e a proposta de Francisco Javier Martinez-Gil sobre os conceitos de fluviofelicidade e fluvioterapia. Relembramos, em Portugal, a centralidade da partilha da água na interação social gerada entre os habitantes de comunidades rurais e como primeiro instrumento de governança local. Outro exemplo é o das socialidades resultantes da ida à fonte, configurando-se como ponto de encontro da juventude em décadas anteriores. 

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Um lugar à sombra nas práticas de adaptação às alterações climáticas

Por: Ana Horta

Quando, no verão passado, descobri que um dos toldos do meu terraço tinha começado a rasgar-se num canto depois de uma ventania, percebi que já não podia adiar mais a sua substituição. Foi então que, ao telefonar a uma empresa a pedir um orçamento, tive uma agradável surpresa ao ouvir dizerem-me, do outro lado da linha, que este ano estavam a receber muito mais pedidos de orçamento por dia do que alguma vez tinha acontecido. Pareceu-me que este poderia ser um indício de mudança nas práticas de arrefecimento das casas em Portugal.

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A nova agenda socioambiental brasileira

Por: Luiz Carlos de Brito Lourenço

É difícil compreender quando não se presta atenção”. É assim que o documentarista cinematográfico e fundador da revista de cultura piauí, João Moreira Salles, entre indiferenças, equívocos e sonhos brasileiros sobre a região da Amazónia, orienta o seu olhar para a floresta em seu livro Arrabalde: Em busca da Amazônia (1ª. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 2022). Após a aclamação do Presidente Lula da Silva, em 30 de outubro de 2022, quando os gestores incumbentes revelaram a incúria da área ambiental do país no último mandato, confirmou-se um claro sentimento de desleixo segundo o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, redigido por autoridades, parlamentares e especialistas. Não foi surpresa ver o descumprimento do dever público no Brasil; porém, choca a sua intencionalidade.

A julgar pela receptividade internacional, a melhor expressão do terceiro mandato de Lula reside possivelmente no avanço da gestão socioambiental que governará o Brasil até 2026. Com o dilema do crescimento económico e rigidez orçamental, ao que se soma uma reforma tributária sob uma conjuntura única de 32 legendas partidárias, num país desigual e polarizado, o novo mandatário terá de contar com suporte do poder judiciário para enfrentar retrocessos normativos.

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Uma árvore portuguesa, com certeza?

Por: Filipa Soares

Um eucalipto com mais de 140 anos, localizado no concelho de Sátão, distrito de Viseu, foi eleito a Árvore Portuguesa do Ano, num concurso anual organizado, desde 2018, pela União da Floresta Mediterrânica (UNAC). O imponente “Eucalipto de Contige”, uma das maiores árvores classificadas em Portugal, vai representar o país no concurso European Tree of the Year.

Esta competição europeia, fundada em 2011 e organizada anualmente pela Environmental Partnership Association, com o apoio da Comissão Europeia, é uma final constituída pelas árvores vencedoras dos vários concursos nacionais (15 neste momento, sem contar com a Rússia, banida em 2022 devido à guerra na Ucrânia). Vence a árvore que receber mais votos eletrónicos do público, qual Eurovisão arbórea. O objetivo do concurso é destacar a importância das árvores enquanto património cultural e natural a ser protegido e cuidado. Mais do que a estética, o tamanho ou a idade da árvore, o enfoque recai na “sua história e nas relações com as pessoas”.

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