Notas do Fórum da Habitação do Projeto LOGO – The LOcal GOvernance of housing policy – 3ª edição – Territórios de Baixa Densidade na Região Centro

Por: Bruna Lee Azado

No dia 16 de junho de 2025 aconteceu, em Coimbra, a 3ª edição do Fórum da Habitação do projeto LOGO – A Governação Local das Políticas de Habitação. Uma investigação das Estratégias Locais de Habitação (2023–2026).

Depois de duas edições na Área Metropolitana de Lisboa, este fórum deslocou-se para o Centro do país, com o objetivo de conhecer a realidade das políticas de habitação nos territórios rurais e de baixa densidade. Participaram 8 técnicos municipais e 1 vereador, das áreas da Acção Social e Obras Públicas, dos concelhos de Cantanhede, Coimbra, Covilhã, Fundão, Guarda, Mangualde e Mealhada.

Enquadramento

A criação da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), em 2017, e da Lei de Bases da Habitação (LBH), em 2019, procurou descentralizar os processos de governação, posicionando os municípios como agentes centrais das políticas de habitação, através do lançamento de novos instrumentos como as Estratégias Locais de Habitação (ELH) e as Cartas Municipais de Habitação (CMH). No entanto, esta mudança cria uma tensão central que é o fio condutor da nossa investigação: Até que ponto os governos municipais conseguem mobilizar suas práticas e conhecimentos locais quando os programas nacionais (1º Direito – Programa de Apoio à Habitação e BNAUT – Bolsa de Alojamento Urgente e Temporário) e mesmo os prazos de acesso aos fundos comunitários são definidos centralmente?

Este Fórum teve como objetivo não apenas mapear estes desafios para o caso dos territórios rurais e de baixa densidade da Região Centro, mas também construir um espaço de diálogo entre técnicos municipais e a Academia.

Os resultados parciais do Fórum destacam como os técnicos municipais operam dentro de sistemas de governação centralizados, gerindo diversas escalas de tomada de decisões, tempos e dinâmicas políticas;  no entanto, as suas práticas locais revelam um potencial transformador. Os técnicos reinterpretam os esquemas nacionais para se adequarem às realidades territoriais, desde onde propõem formas alternativas de governação. Em última análise, examinar a governança em contextos de “não-centralidade” também desafia as hierarquias convencionais de produção de conhecimento. Isso nos obriga a questionar não apenas como os recursos circulam dentro do território português, mas também como as práticas locais, em contextos contingentes de capacidades técnicas ou recursos humanos, podem instituir novas práticas e remodelar as estruturas políticas regionais ou nacionais.

Tais práticas estão em consonância com teorias mais amplas de democratização impulsionada pela governança (Warren, 2009) e coprodução de conhecimento político (Jasanoff, 2004; Fischer, 2009), que enfatizam que a legitimidade democrática depende cada vez mais da capacidade das instituições de integrar conhecimentos e perspetivas diversas. Nesse sentido, a dimensão transformadora do conhecimento e da Academia pode decorrer da sua capacidade de, dentro dessas brechas institucionais, questionar algumas relações de poder e a transformação de espaços de deliberação em espaços de co-criação, co-decisão e co-gestão.

Figura 1 – Mesas de trabalho

Aspetos Metodológicos

Uma abordagem participativa à produção de conhecimento pode combinar várias técnicas de investigação, como “quantitativas” e/ou “qualitativas”, mas geralmente dá prioridade a workshops de construção coletiva de conhecimento. A diferença fundamental em relação às duas abordagens reside na finalidade da recolha de informação e implica, desde logo, a devolução da informação à própria população, grupo ou coletivo, para que, apoiados por técnicas adequadas, sejam essas pessoas a planear as próprias estratégias de superação aos bloqueios identificados.

A manhã foi dedicada ao trabalho em mesas temáticas, onde os técnicos analisaram as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (“SWOT”) associadas a duas dimensões da política de habitação: a dos instrumentos locais (ELH e CMH); e a dos programas nacionais, como o 1.º Direito e o BNAUT.

Ainda antes do almoço, a partir da técnica do sociograma ou “mapa de atores”, discutimos os posicionamentos dos diferentes atores sociais (institucionais, base associativa e base social) que integram os diferentes níveis das políticas de habitação face à questão em debate – a favor, afins, diferentes ou em contra –, de acordo com o grau de poder e os tipos de relações atribuídas a cada um. Este exercício serviu como ponto de partida para a sessão da tarde, ajudando-nos a refletir “com quem” devemos planear a superação das fraquezas e ameaças identificadas nas mesas anteriores.

Figura 2 e 3 – Sociograma ou mapa de atores

À tarde, o grupo reuniu-se em plenária, na qual os técnicos fizeram a devolução dos resultados das mesas e, após discussões, chegamos a uma síntese das principais fraquezas, ameaças, forças e oportunidades – a partir daí, fizemos o exercício de uma “SWOT propositiva”. A partir das fraquezas, discutimos como anulá-las ou reduzi-las; a partir das ameaças, como evitar ou atenuá-las; das forças, como ampliá-las ou mantê-las; e oportunidades, claro, como aproveitá-las.

Produção de Conhecimento a Partir da Base, algumas propostas dos técnicos municipais

As discussões mostraram como as políticas de habitação se confrontam, nos territórios rurais e de baixa densidade, com problemas estruturais de base, tensões de escala, temporalidades políticas e formas de conhecimento local que moldam a capacidade de ação municipal.

Essas foram algumas das propostas que saíram da “SWOT propositiva”:

  • Negociação dos critérios europeus – Necessidade de adaptar indicadores e métricas de elegibilidade dos financiamentos europeus às especificidades nacionais e territoriais;
  • Articulação regional – Reforço do papel das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), dotando-as de maiores competências e poder de decisão;
  • Diferenciação de programas por densidade – Criação de programas com legislação e financiamento ajustados às realidades dos territórios de baixa e alta densidade.
  • Reativar estruturas locais de proximidade – Criação de equipas multidisciplinares permanentes, inspiradas nos antigos Gabinetes Técnicos Locais (GTL) das décadas de 1980/90.

Um dos momentos mais produtivos foi a discussão sobre o papel do BNAUT (Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário) – com grande expressão na Região Centro – enquanto instrumento de articulação territorial, capaz de responder a fenómenos transversais como incêndios, cheias e despovoamento, bem como à falta de mão de obra no trabalho agrícola, através da atração e acolhimento de populações migrantes. A ideia de uma coordenação intermunicipal, a partir da CCDR e das CIMs, surgiu como proposta concreta de cooperação regional.

Figura 4 – Plenária – ‘SWOT Propositiva’

Próximos passos

Como dizia um dos técnicos, “desenha-se tudo para um território, que tem assimetrias tão grandes… que se esquece dos pequenos territórios, e pensa-se só nos grandes territórios. (…) quando, praticamente, não nos conhecemos uns aos outros. Não sabemos onde estão as dificuldades”. Conforme fomos defendendo, embora essas condicionantes possam impor dificuldades aos municípios rurais e de baixa densidade, as suas tentativas de superação podem revelar formas criativas e inovadoras de governação. Portanto, incluir esses agentes e seus conhecimentos, assim como os conhecimentos das diversas populações locais, poderá informar processos transformadores na formulação de políticas de habitação.

O projeto LOGO entra agora na fase de estudos de caso – entre eles, um conjunto de municípios da Raia, na fronteira leste com Espanha – para continuar a aprofundar o conhecimento sobre as diferentes realidades do território português e as possíveis articulações intermunicipais, regionais ou fronteiriças.

Bruna Lee Azado (Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto) é bolseira de mestrado no projeto LOGO – The Local Governance of Housing Policy. Possui formação avançada em metodologias participativas para o desenvolvimento rural e gestão territorial (RedCIMAS/UCM, Espanha), bem como em perspectivas e metodologias participativas para o aprofundamento da democracia (CLACSO, Argentina), com especialização adicional em Sistemas de Informação Geográfica. bsilva@arq.up.pt

Envolvimento de cidadãos no armazenamento geológico de carbono offshore: uma exposição/evento na Figueira da Foz

Por: Ana Delicado, Jussara Rowland e Joana Sá Couto

É crescentemente reconhecida a necessidade de envolver as comunidades na implementação de tecnologias de mitigação das alterações climáticas. Das energias renováveis à mobilidade elétrica, do hidrogénio ao armazenamento geológico de carbono, é crucial auscultar os cidadãos, para entender as suas preocupações e expectativas, identificar as condições de aceitação e adoção, desenvolver salvaguardas e garantias que permitam uma descarbonização justa.

No âmbito do projeto PilotSTRATEGY CO2 Geological Pilots in Strategic Territories, financiado pela União Europeia (programa Horizonte Europa), que se foca nas potencialidades da captura e armazenamento de CO2 em França, Portugal, Espanha, Grécia e Polónia, temos desenvolvido várias atividades de envolvimento dos cidadãos e stakeholders, desde reuniões regulares da Comissão Regional de Stakeholders a um workshop com cidadãos em Fevereiro de 2024. Estas atividades têm ocorrido na zona da Figueira da Foz, onde etapas prévias do projeto identificaram as melhores condições para o armazenamento geológico de carbono no subsolo marinho.

Figura 1 Sinalética a promover o evento numa área central da Figueira da Foz, Setembro de 2025. Fonte: as autoras.

Neste sentido, no dia 13 de setembro de 2025, organizámos uma exposição/evento no Meeting Point da Figueira da Foz (debaixo da Esplanada Silva Guimarães, junto à praia) (Figura 1), onde procurámos disponibilizar informação sobre o projeto e recolher a opinião dos cidadãos. O evento foi apoiado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz através da cedência do espaço, participação e ajuda na divulgação.

A exposição consistia numa secção inicial de enquadramento, em formato de posters, desenvolvida pela equipa ICS, uma secção de natureza técnica, concebida pela equipa da Universidade de Évora, com base em posters, suportes audiovisuais, modelos e espécimes geológicos. Na secção final, era pedido a cada visitante que partilhasse de forma escrita quais as suas preocupações e os benefícios deste projeto na sua opinião pessoal e por fim, uma votação sobre se estaria de acordo com o projeto ao largo da Figueira da Foz. Os investigadores estavam presentes ao longo da tarde para esclarecer as dúvidas dos visitantes e debater com eles diferentes aspetos do projeto.

Figura 2 Fotografias da exposição. Fonte: membros da equipa

Tivemos cerca de três dezenas de visitantes, homens e mulheres, alguns em família, outros sozinhos, alguns previamente conhecedores do projeto, outros atraídos pela divulgação feita. A maioria dos visitantes passou quase uma hora no espaço, observando, lendo, escutando atentamente as explicações, fazendo perguntas, comentando os materiais da exposição.

Ainda que a maioria dos visitantes se tenha mostrado favorável ao projeto de armazenamento de carbono, expressaram também as suas preocupações: questões de segurança (terramotos, fugas, contaminação ambiental, transporte), a pegada de carbono do próprio projeto, os custos (e quem os financiará) e os atrasos burocráticos, a necessidade de consultar a comunidade e o risco de atrasar ou renunciar à redução das emissões causadoras das alterações climáticas. Mas também reconheceram benefícios, como a mitigação das alterações climáticas e a proteção do ambiente, a responsabilização das indústrias, os ganhos económicos e a criação de emprego.

O evento foi bem-recebido, elogiado pela sua transparência e disponibilidade dos investigadores responderem às diferentes preocupações e dúvidas dos visitantes. Foi especialmente valorizado o facto de o evento ser feito numa fase embrionária do projeto e não quando as decisões já estão tomadas. No entanto, pelos comentários deixados nas redes sociais, nas publicações de divulgação do evento, é possível perceber que também há oposição à proposta do projeto, com críticas centradas no risco de favorecer soluções tecnológicas para as alterações climáticas em lugar da redução de emissões e de soluções baseadas na natureza. Estas discussões fazem parte do processo participativo e só demonstram o interesse das pessoas em envolver-se em projetos que afetam, de forma mais ou menos direta, a sua vida.

Algo que retiramos desta experiência é, sem dúvida, o valor das colaborações interdisciplinares: sem os módulos desenvolvidos pela equipa da Universidade de Évora, a exposição teria sido mais limitada e dificilmente geraria o interesse e o debate que esta proporcionou. Por fim, fazemos um balanço positivo dos meios utilizados para recolher dados científicos, não só os habituais post-its e votações, mas também a presença de uma antropóloga que fez observação participante durante o evento, registando as questões e os comportamentos de visitantes e investigadores (a autora Joana Sá Couto).

O evento cumpriu a sua função de criar um espaço aberto, disponível a todos os que quisessem participar. No entanto, é necessário notar que a abertura formal não se traduz necessariamente em participação efetiva. Por desconhecimento do evento ou por autoexclusão, a participação não foi tão alargada como o esperado e, apesar dos esforços de divulgação, o número e diversidade dos visitantes ficou aquém do almejado. Como tal, esta experiência não deve ser tomada como uma consulta à população, nem nos permite tirar conclusões firmes sobre a aceitação social da tecnologia. Ainda assim, o exercício revelou o valor de criar espaços de diálogo, mas mostrou que, para serem efetivos, os processos participativos têm que ir mais além, isto é, ser continuados, em formatos múltiplos e direcionados a diversas populações-alvo. Os resultados deste evento irão ser incorporados num relatório sobre envolvimento dos cidadãos, que irá contribuir para o desenho de recomendações sobre este tema em projetos de captura e armazenamento de carbono.

Ana Delicado é socióloga e investigadora principal do ICS-Ulisboa.

Jussara Rowland é socióloga, investigadora auxiliar no INESC-ID e investigadora associada no ICS-Ulisboa.

Joana Sá Couto é antropóloga, doutorada pelo ICS em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Está neste momento a trabalhar no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Tempo, Imaginação e Transformação: Reflexões sobre a Naturescapes Spring School 2025

Por: Andresa Lêdo Marques

Vivemos num período marcado por crises interligadas — ambiental, climática e social — agravadas pelo facto de a mudança climática já não ser uma previsão futura, mas uma realidade que se sente no quotidiano, traduzida em eventos extremos e perda de biodiversidade. Em paralelo, instituições públicas e democráticas enfrentam ondas de deslegitimação e redução de financiamento, tornando ainda mais difícil responder de forma coordenada e justa a esses desafios. Também a academia vive a sua própria crise, com a pressão por produtividade, a cultura da competitividade e a precarização dos vínculos, que criam um ambiente cada vez menos propício à escuta, ao cuidado e à colaboração, especialmente para investigadores em início de carreira.

Foi neste cenário complexo e desafiante que co-organizei, juntamente com a Olivia Bina (ICS) e a Fiona Kinniburgh (ICS), entre os dias 8 e 10 de abril de 2025, a Naturescapes Spring School, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa). O evento, dirigido a investigadores/as em início de carreira, reuniu 27 participantes de diversas nacionalidades e áreas de atuação, além de 16 investigadores/as seniores que participaram como comentadores, mentores e oradores. 

A escola foi organizada no âmbito do projeto Naturescapes (Horizonte Europa), e teve como tema central: Nature-Based Solutions for Just and Transformative Futures. Este tema insere-se num debate mais amplo sobre as Soluções Baseadas na Natureza (Nature-Based Solutions – NBS), que têm ganhado destaque nos últimos anos como formas de enfrentar simultaneamente desafios ecológicos, urbanos e sociais. No entanto, as NBS também se tornaram um campo de disputa política, epistemológica e cultural. Quem decide como e onde as NBS são implementadas? De quem são os futuros que se pretendem transformar? Que conflitos e possibilidades emergem quando a “natureza” entra no centro das estratégias de desenvolvimento urbano?

A Spring School foi concebida para explorar essas e outras questões, reconhecendo as NBS como ferramentas carregadas de valores, imaginários e potenciais de transformação. Procurámos criar um ambiente de partilha e escuta, onde os participantes pudessem refletir sobre os seus próprios projetos e, ao mesmo tempo, ampliar as suas referências críticas e relacionais.

Este texto tem como objetivo partilhar um pouco dessa experiência. Mais do que um relato institucional, trata-se de refletir sobre o que significa, hoje, organizar um espaço de formação em  contramão com as lógicas de reprodução da pressa, da hierarquia e do isolamento que parecem dominar os espaços académicos 

Tempo para estar, pensar e construir

A estrutura da escola foi desenhada com uma premissa simples: o tempo importa. Nesse sentido, o evento foi pensado como um espaço de pausa, de profundidade e de presença — e o tempo foi, desde o início, um dos seus eixos estruturantes.

Inspiradas pelo modelo do Workshop do Urban Transformation Hub (UTH), decidimos criar um ritmo que permitisse não apenas mostrar projetos de investigação, mas conversar sobre eles. Escutá-los e discuti-los com atenção. Cada sessão incluía no máximo duas apresentações, e todos os participantes, organizados em grupos, tiveram a oportunidade de ler os artigos com antecedência. Estes, apresentando diferentes graus de maturação e desenvolvimento, foram comentados por investigadores seniores, que, juntamente com os demais membros do grupo, ofereceram comentários e perguntas num ambiente de colaboração e troca de ideias.

Esse cuidado foi sentido por todos e muitos partilharam da opinião de como raramente têm oportunidades tão generosas para apresentar as suas investigações com tempo suficiente para pensar, discutir e refletir sobre o seu trabalho e o dos seus pares. Mas o tempo revelou-se valioso também nos intervalos. Nos almoços partilhados no terraço do ICS, nas conversas nos coffee breaks e nos encontros informais após as sessões. Num contexto universitário onde tudo é feito para caber em 10 ou 15 minutos, oferecer tempo tornou-se um gesto quase radical. E talvez seja justamente isso que mais ficou: a desaceleração como condição para a profundidade e para o vínculo.

Figura 1: Sessão paralela, Naturescapes Spring School 2025. Fotografia de Philipp Montenegro.

Imaginação, transformação e agências

Outro elemento central foram as apresentações dos palestrantes convidados — momentos criados para ampliar as nossas referências e perspectivas. A Spring School abriu com a palestra de Ramon Sarró (ICS), que nos convidou a uma reflexão teórica sobre os desafios da separação entre natureza e cultura, e destacou o papel da imaginação como uma ferramenta importante para repensarmos as conexões entre as duas. Encerrámos o primeiro dia com uma palestra de Maarten Hajer (Universidade de Utrecht), realizada no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa. Hajer defendeu a necessidade de irmos além das abordagens meramente pragmáticas em relação às NBS, em direção a uma reimaginação mais radical das relações sócio-ecológicas, e reformular os atuais discursos políticos em torno das NBS.

Figura 2: Palestra de Maarten Hajer (Universidade de Utrecht), realizada no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa.

Tivemos ainda intervenções no segundo dia, como a palestra de Carmen Lacambra (Grupo Laera), que trouxe uma perspectiva baseada na sua vasta experiência académica e profissional na América Latina, partilhando casos concretosde integração da biodiversidade na gestão de riscos em territórios tropicais. A sua comunicação destacou a importância dos contextos sociais e culturais para a implementação das NBS, além da integração de dados científicos.

Na última apresentação de convidados externos, tivemos a palestra de. Isabel Ferreira (Universidade de Coimbra), que nos levou a pensar nas práticas participativas como práticas de transformação em si mesmas. A partir da sua ampla trajetória profissional e académica, e da atuação no projeto TRANS-lighthouses, partilhou reflexões sobre as culturas participativas, transformação e justiça, e as suas possibilidades e desafios no contexto das NBS.

Essas vozes, com as suas diferentes origens, linguagens e experiências, ajudaram a compor um mosaico crítico sobre o que transformar com e através da natureza pode significar em diversos contextos.

Considerações finais: Semear novos futuros

A experiência de co-organizar a Naturescapes Spring School foi uma tentativa deliberada de criar um espaço de trocas, crescimento e pausas. Um convite a outro ritmo e a dar corpo a um tipo de experiência que, infelizmente, raramente tem lugar num contexto académico cada vez mais competitivo. Foi um convite a uma experiência de escuta, de convivência, de cuidado.

Os três eixos temáticos da escola — governança das NBS para a justiça, significados e valores da natureza urbana, e futuros imaginados e disputados — atravessaram todas as apresentações e discussões, mas sem se tornarem caixas estanques. Pelo contrário, foram pontos de partida para que cada participante pudesse situar a sua própria investigação em relação a um campo em transformação e constante evolução.

O que fica, na perspectiva da organização, é a esperança de que a escolha do tempo como eixo estruturante tenha feito deste evento nãoa penas uma oportunidade de ampliação de conteúdo e networking, mas também a semente de uma comunidade que cultive uma cultura académica. Uma comunidade na qual o conhecimento é partilhado com honestidade, onde as diferenças são reconhecidas como potência, e onde o futuro é tratado não como um dado, mas como algo a ser construído e cuidado.

As NBS, longe de serem apenas uma técnica ou tendência, são também um campo de disputa ética, política e estética. Podemos encará-las como um convite para não tratarmos a natureza como solução rápida, mas como relação, cuidado e uma perspectiva de futuro em disputa e construção. Talvez o que fizemos nesses três dias não tenha sido responder às múltiplas crises que enfrentamos, mas sim encorajar a imaginação sobre futuros mais justos e sustentáveis — o que implica também imaginar e praticar outras formas de estar juntos — na academia, na cidade, no planeta. Num mundo em que tudo nos empurra para a velocidade e para a produtividade, criar um evento como este e com esta estrutura pode ser, paradoxalmente, um ato radical. E, quem sabe, uma semente de futuro.

Figura 3: Naturescapes Spring School 2025. Fotografia de Philipp Montenegro.

Andresa Lêdo Marques é atualmente investigadora de Pós-Doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, integrando o projeto de investigação Naturescapes: Nature-based solutions for climate resilient, nature positive and socially just communities in diverse landscapes.

Notas do 2º Fórum da Habitação do projeto LOGO: Estratégias Locais de Habitação, da elaboração à implementação

Por: Caterina Di Giovanni

No dia 31 de março de 2025 teve lugar o 2º Fórum da Habitação – Estratégias Locais de Habitação: da elaboração à implementação – no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Esse evento enquadra-se nas atividades do projeto LOGO – A governança local das políticas de habitação. Uma investigação das estratégias locais de habitação (2023-2026), cujo foco principal é a dimensão local das políticas de habitação, investigando especificamente o impacto das Estratégias Locais de Habitação (ELHs) e das Cartas Municipais de Habitação (CMHs).

O 1º Fórum do projeto foi em março do ano passado e teve como tema a elaboração das ELHs na Área Metropolitana de Lisboa (AML) (vejam aqui o pré e post fórum); este ano focamo-nos sobre a implementação das ELHs na AML, com o objetivo de fazer um ponto da situação depois de um ano.

Repetimos o formato do ano passado, com uma programação tripartida em sequência: duas sessões fechadas com os técnicos camarários da Área Metropolitana de Lisboa e uma aberta ao público sob forma de mesa-redonda com peritos da habitação.

A primeira sessão do dia foi constituída por um workshop organizado segundo o modelo do chamado “world café”: os participantes foram divididos em grupos por mesa temática. Após cerca de 30 minutos de debate numa mesa, os grupos passaram a uma nova mesa, repetindo-se o processo até que cada grupo tivesse participado em todas as mesas.

As três mesas temáticas abordaram temas relacionados com as políticas locais da habitação:

– Mesa 1 (“Os atores das políticas locais”) na qual se procurava saber quais atores estão a participar, juntos com as câmaras, na implementação das ELHs e que tipo de relação se está a desenvolver entre eles (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana – IHRU, consultorias, associações locais, juntas de freguesias, etc.);

– Mesa 2 (“O processo de implementação e o seu impacto sobre as carências habitacionais locais”) na qual se procurava perceber que tipo de desafios estão ligados ao processo de implementação e que impacto este está a ter (ou vai ter no futuro) sobre as carências habitacionais dos municípios;

– Mesa 3 (“Os recursos para uma política de habitação pós-PRR”) na qual se procurava perceber como é o que mudou (ou vai mudar) a dinâmica da política de habitação local pós-PRR.

Figura 1 – Abertura dos trabalhos. Apresentação das mesas temáticas com técnicos camarários da AML. Foto: Marco Allegra

Seguimos com a metodologia de Rose, Thorn, Buds (Fig. 2) — Rosas: resultados positivos; Espinhos: pontos críticos e Brotos: potenciais para o futuro. Os participantes responderam às perguntas colocadas pelos facilitadores e as respostas foram colocadas no quadro com post-its, colocando-os de acordo com a metodologia referida.

Figura 2 – “Rosas, Espinhos, Brotos” na mesa temática 2. Foto: Caterina Di Giovanni

Foi pedido aos participantes que dessem as suas respostas a um questionário instantâneo, dividido em três partes, com perguntas iguais ao ano passado, podendo assim refletir sobre o que mudou após um ano.

Na primeira parte, os participantes deveriam dar a sua opinião relativamente às seguintes afirmações (onde 1=discordo; 5= concordo). Após um ano, os resultados evidenciam que a ELH introduziu mais desafios de mudança e de esperança, mas a dinâmica de participação de outros atores esteve em queda.

Figura 3 – Resultados do questionário instantâneo (1ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (esquerda) e do 2º Fórum (direita)

Na segunda parte, os participantes deveriam escrever que palavras utilizariam para descrever a sua experiência em termos de ELH (uma palavra x cinco campos). Os resultados, visualizados numa nuvem de palavras, apontam para palavras centradas em reconhecimento de atributos mais positivos a respeito do ano passado.

Figura 4 – Resultados do questionário instantâneo (2ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (esquerda) e do 2º Fórum (direita)

Na terceira parte, os participantes deveriam escrever uma resposta à seguinte reflexão: “Se eu fosse responsável pelas Políticas de Habitação, a minha prioridade seria… (até 200 caracteres). Os resultados foram organizados em categorias, como evidenciados na fig. 5, e mostram ideias mais detalhadas em termos de instrumentos, princípios e ação do Estado.

Figura 5 – Resultados do questionário instantâneo (3ª parte) aos técnicos da AML — 1º Fórum (2024) e do 2º Fórum (2025)

O programa seguiu com a sessão plenária, que integrou o resumo de pontos fortes, fraquezas e oportunidades (Rosas-Espinhos-Brotos) e um debate interno sobre o processo das ELHs nos municípios da AML.

Finalmente, o Fórum abriu as portas para o público na sessão da mesa-redonda, constituída por Ana Pinho (ex-Secretária de Estado de habitação), Carlos Humberto de Carvalho (Primeiro-Secretário da AML) e Sílvia Jorge (investigadora CiTUA/IST-ID).

Figura 6 – Oradores da mesa-redonda aberta ao público. Foto: Teresa Madeira da Silva.

O que aprendemos com este Fórum?

Apesar da diversidade dos territórios da AML e do grande investimento público na habitação,[1]  o resultado      é que as carências estão a aumentar exponencialmente, pelo que as respostas poderão ser insuficientes.

Algumas breves notas evidenciadas para o processo de implementação das ELHs:

Rosas

–  Reabilitação de parque público existente (solução mais apostada) com impacto positivo na vida das pessoas;

– Melhor monitorização e gestão do parque público;

– Compromisso das Câmaras para executar o que estabelecido.

Espinhos

– Prazos continuam a ser o espinho maior, em continuação com o ano passado;

– Impasse das candidaturas dos beneficiários diretos provocou uma desacreditação do processo;

– Mercado aquecido e carências habitacionais em constante ampliação.

Brotos

– Diversificação de soluções habitacionais e de tipos de arrendamento (além do apoiado);

– Perspectivas de colaboração intermunicipal;

– Revisão das ELHs juntamente com a elaboração da CMH – questões esquecidas para resolver.

Os métodos utilizados durante este 2º Fórum, resumidos na metodologia de Rosas-Espinhos-Brotos e no questionário instantâneo, sublinham como os atores envolvidos, já poucos em fase de elaboração das ELHs, estiveram em queda na implementação, mostrando como os municípios são o verdadeiro Ator do processo. As Câmaras assinalam uma aposta na diversidade de soluções aplicadas e, no entanto, muitas carências ficaram fora nesta fase da implementação. Através das ELHs, o capital de conhecimento das Câmaras foi reforçado, enquanto os recursos humanos continuam sobrecarregados principalmente para cumprir os prazos apertados. Não obstante os muitos obstáculos observados, as respostas do questionário são mais esperançosas face ao ano passado, delineando uma aprendizagem contínua das ELHs.          

Perante os bons resultados do 2º Fórum da Habitação, a equipa LOGO está a pensar no próximo que terá lugar ainda este ano em Coimbra.

Stay tuned!

Caterina Di Giovanni é arquiteta e doutorada em Estudos Urbanos (ISCTE-IUL / FCSH NOVA). É investigadora júnior no ICS-ULisboa no âmbito do projeto LOGO.

Reflections from Lyon: Methodological, Ethical, and Political Challenges in Social Movement Research

By: Luisa Rossini

On the 1st and 2nd of July 2024, ahead of the 30th International Conference of Europeanists at the École normale supérieure (ENS) de Lyon, France, the Council’s Research Network on Social Movements hosted a pre-conference event that gathered 19 participants from 11 countries. As co-chair of this network, alongside the other organizers, I was thrilled to see how the event fostered meaningful discussions on the methodological, ethical, and political challenges social movement scholars face today. These challenges are especially pressing given that many scholars in this field are also activists or militants, navigating the complexities that such dual roles entail. Social movement research has grown into a vital space for examining social and political conflict, evolving from theoretical debates to practical approaches that shape our understanding of mobilization.

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Sessões Prospetivas ODSlocal: Pensar o Futuro, Agir no Presente em Contextos Fronteiriços

Por: Luísa Schmidt, João Guerra, Leonor Prata e David Travassos

A territorialização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constitui um dos principais desafios da Agenda 2030 aprovada em 2015. Em Portugal, a Plataforma Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSlocal) assume, desde 2020, a promoção desse processo, através de um dinâmico portal online e de uma estratégia proativa de mobilização participativa no terreno. A disponibilização e disseminação de informação surge como um dos objetivos centrais deste projeto, que tem promovido workshops locais, conferências anuais (por exemplo, a edição de 2022), relatórios e documentos de reflexão (por exemplo, as “Iniciativas em prol dos ODS em Portugal”) ou, ainda, protocolos e parcerias com outras entidades. Neste último caso, refiram-se os exemplos já em vigor do Programa Bairros Saudáveis, a parceria com a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, ou os acordos de âmbito regional e/ou supramunicipal (por exemplo, a Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores).

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Como foi o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios

Por: Caterina Di Giovanni

No dia 26 de março, teve lugar o 1.º Fórum da Habitação – As Estratégias Locais de Habitação: A perspetiva dos municípios – no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Este evento, já anunciado num post anterior, enquadra-se nas atividades do projeto LOGO – A governança local das políticas de habitação. Uma investigação das estratégias locais de habitação (2023-2026). O foco principal do projeto é a dimensão local das políticas de habitação, investigando especificamente o impacto das Estratégias Locais de Habitação (ELH) e das Cartas Municipais de Habitação (CMH). Neste 1.º Fórum, focámo-nos sobre as ELH, tendo como objetivos: aprender com a experiência dos técnicos municipais, para ajudar a melhorar as políticas de habitação a nível local e central; criar um espaço de discussão horizontal, de aprendizagem mútua e de boas práticas entre os municípios.

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Venham ao Fórum da Habitação! (Post promocional-epistemológico)

Por: Marco Allegra

A equipa do projeto LOGO está a organizar o primeiro Fórum da Habitação do projeto no dia 26 de março.

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O valor da vida urbana: reflexões sobre habitabilidade, normatividade e exclusão

Por: Elizabeth Dessie; Tradução de André Pereira

**A versão original deste post pode ser consultada aqui.

O que faz com que a vida urbana valha a pena ser vivida? Com cidades em todo o mundo que consubstanciam os motores económicos de desenvolvimento e transformação, o valor do urbano tem sido geralmente conceptualizado em termos monetários. Mas como é que a habitabilidade interage com as necessidades e experiências subjetivas dos habitantes da cidade, e até que ponto a exclusão é uma parte integrante da patologia urbana sob efeito do capitalismo global? O que seriam as cidades se abandonássemos o capital como qualificador monetário de valor? E que descobertas faremos se integrarmos história e relacionalidade no entendimento do que são as cidades e do que é urbano? Este post pondera estas perguntas em relação às apresentações, discussões e interações que ocorreram no workshop “What makes urban life worth living? (Re)evaluating the value of urban life”, que decorreu em Lisboa, em maio de 2023, acolhido pelo Dinamia’CET (ISCTE-IUL) e pelo Urban Transitions Hub (ICS-ULisboa).

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Come to Lisbon and see The Urban – the Lisbon Urban Studies Early Career Workshop

By: Marco Allegra

On November 8-10, 2023, ICS-ULisboa will host the 3rd edition of the Lisbon Early-Career Workshop in Urban Studies, which follows the editions of 2021 and 2022 – Luisa Rossini wrote a post on the 2022 edition. The Workshop is organised by the Urban Transitions Hub (UTH, an ICS-based horizontal and informal group of some fifteen-twenty scholars affiliated to various academic institutions).

As the UTH chair(although I shouldn’t be saying this myself) I can say that the first two editions of the workshop (one online and one in presence) have been very successful success, and the third edition promises to be even better.

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