O reconhecimento dos brasileiros a respeito das alterações climáticas

Por: Luiz Carlos de Brito Lourenço

Há razões para crer que o Brasileiro contemporâneo é solidário aos urgentes apelos ambientais. Assim apontou o primeiro inquérito da série intitulada Percepção Climática, encomendado pelo ITS Rio e o Yale Program on Climate Change Communication ao IBOPE Inteligência, divulgado em 04/02/2021. Com o objetivo de avaliar o conhecimento dos brasileiros sobre as alterações climáticas, esta etapa teve por temática as queimadas da Amazônia. Para os organizadores, o Brasileiro não é negacionista.

Revelou-se que a maioria absoluta da população brasileira acredita em aquecimento global (92%); que este é uma ameaça às próximas gerações (88%) e é causado por ação humana (77%); e 61% estão “muito preocupados” com o ambiente. Da amostra total, 74% crê que queimadas não servem ao crescimento da economia, embora 29% dos inquiridos resida nas zonas afetadas.

A assertividade é acentuada entre pessoas com maior escolaridade (da amostra, 25% tem nível superior), com propensão ao voto progressista (19% esquerda), mulheres (54% da amostra) e jovens (17% têm entre 18 e 24 anos). A metodologia, tendo em conta a situação de pandemia, valeu-se de entrevistas por telefone a uma amostra ponderada de 2 600 indivíduos, dos quais 25% declararam “conhecer muito” os temas “aquecimento global” ou “mudanças climáticas”. Aparentemente, não vingaram as retóricas conservadoras da perversidade, do perigo e da futilidade usadas para impedir ideias reformistas (Hirschman, 1991), presentes no recente discurso oficial do Brasil.

As principais fontes de informação são: convívio social (89%); internet (65% a 69%); a televisão de sinal aberto (59%); e a imprensa (39%). Note-se que 23% da amostra têm apenas smartphones, cujas operadoras têm frequentemente planos de internet mais económicos que limitam o acesso às redes mais populares, como Whatsapp e Facebook. Esta situação é próxima da parcela final de 16% sem internet. Destes refere-se que 59% estão ‘muito preocupados’ com as alterações climáticas. Dos que acedem, 89% acha que o aquecimento global prejudica gerações futuras. Dentre as pessoas sem acesso à internet, 20% disseram nada conhecer do tema. Especificamente sobre desflorestação e queimadas (atos intencionais) na Amazônia, 76% consideram ter sido causadas por madeireiros, 49% por agricultores, 48% por criadores de gado e 41% por garimpeiros, 34% por políticos, 8% por indígenas, 6% pelas ONGs e 20% indicam ‘outros’.

A coleta de dados ocorreu entre Setembro e Outubro de 2020, um ano após a pior crise de imagem mundial vivida pelo país. Não bastasse o desastre ambiental do rompimento de barragem Brumadinho (“Quem foi?”, 17/04/2019), o assombro da opinião pública cresceu com o cruel “Dia do Fogo” e os incêndios criminosos que fizeram São Paulo anoitecer mais cedo sob chuva de hidrocarbonetos. Acusações aos ambientalistas –  culpados sem provas – foram explícitas na abertura da Assembleia Geral  da ONU, que repercutiram na premiação “Fóssil Colossal”, atribuído ao governo brasileiro. Durante a COP25, em Madrid, restringiu-se a ambição de acelerar o cumprimento dos compromissos ambientais, quando a diplomacia do Brasil, outrora não-alinhada, apoiou os grandes emissores de CO2.

Críticas poderão sugerir que não houve surpresa neste inquérito. Céticos diriam que, sob um condicionamento cultural e de forma reflexiva, as pessoas respondem o que é considerado socialmente correto, ou, ainda, que um questionário pode induzir o respondente a aderir à ideia central. Ao ritmo da polarização de ideias, haverá quem veja contradição entre estas afirmações e as escolhas eleitorais no Brasil desde 2018. Mais ainda, os resultados poderiam variar conforme a localização rural ou urbana ou a a religião praticada, variáveis deste inquérito que eventualmente refletiriam resultado diverso com uma outra amostra da população.

Porém, as evidências dos resultados foram mais veementes do que aqueles do  “Voto da População pelo Clima”, do Programa de Desenvolvimento da ONU (PNUD), noticiados em 27/01/2021. A pandemia não minimizou as escolhas de 1,22 milhões de pessoas sobre a importância das alterações climáticas. Concluída a votação em Dezembro de 2020, o público aderiu à inédita inclusão de questionários nos jogos mais populares dos dispositivos móveis, como Subway Surfers, Temple Run ou Angry Birds, nos bolsos de milhões de utilizadores. Tal metodologia nada ortodoxa permitiu dispor da opinião de 550 000 jovens entre 14 a 18 anos num mix ponderado de 50 países, entre eles os lusófonos Brasil e Moçambique. Entre os BRICS, apenas a China ficou de fora. Na Europa Ocidental, o PNUD optou por incluir as quatro maiores economias da região mais a Suécia.

Começou-se com duas perguntas: (a) acha que as alterações climáticas são uma emergência global? e, em caso positivo, (b) o que o mundo deve fazer a respeito? Seguiram-se opções de políticas climáticas em seis grandes áreas: energia; economia; transportes; agricultura e alimentos; proteção das contra extremos climáticos; proteção da natureza.

No conjunto, 64% das pessoas concordaram que as alterações climáticas são uma emergência global. Nos países insulares em risco, a parcela foi superior, 74%, e também nos países ricos, 72%. Em compensação, em países de renda média, como o Brasil, foi 62%. Quanto às medidas prioritárias sugeridas, 54% do público escolheu a conservação das florestas e do solo (54%),  o emprego de energias renováveis, solar e eólica (53%), técnicas agrícolas que respeitem o clima (52%) e o investimento em negócios e empregos ‘verdes’ (50%). O inquérito identificou no Brasil a marca de 60% de pessoas favoráveis ao combate ao desmatamento; 51% por maiores investimentos verdes; e, 51% à energia limpa nos transportes.

Logo, os resultados do inquérito ITSRio/Yale acompanham a tendência mundial apontada pelo PNUD, não obstante as distintas margens percentuais de cada amostra. Para convergir e realçar tal compreensão, ao longo de 2021, e antes da COP26, em Glasgow, chegarão ao público imagens do novo satélite Amazonia 1, projetado originalmente no país para mapear a evolução ambiental no território, que poderão ampliar a consciência coletiva. Para tanto, suas revelações deverão ser complementadas pelo controle da execução de políticas públicas, no fiel cumprimento das regras já institucionalizadas, que vêm sendo intencionalmente relaxadas com a redução de recursos materiais e humanos. Por conseguinte, sabe-se hoje que apenas dez municípios amazónicos juntos já superam a Bélgica no volume de emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE). Se nada for feito, o ar respirado na região continuará a prejudicar seus habitantes,  persistindo a ameaça do anoitecer prematuro com chuva de cinzas nas tardes do resto do país.


Luiz Carlos de Brito Lourenço é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Brasil. É Investigador Associado do ICS da Universidade de Lisboa desde 2019. Sob a perspectiva da Sociologia Económica, sua área de interesse é a construção da sustentabilidade nos setores de agricultura/alimentos, energias renováveis e mercado financeiro.

E-mail: lcbritolourenco@gmail.com

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