NATUREZA E CIDADE: EXPERIMENTANDO NOVAS ABORDAGENS ATRAVÉS DO PROJETO EUROPEU CONEXUS, EM LISBOA + 6 CIDADES

Por: Rosário Oliveira, Olivia Bina, Roberto Falanga and Andy Inch

  1. À PROCURA DE TRANSFORMAÇÕES

As múltiplas crises socioeconómicas e ecosistémicas alertam para a necessidade de olhar para uma transformação de paradigma que necessitamos imprimir na sociedade e na economia, de forma a ganharmos consciência de que somos parte integrante da natureza.  Os conceitos e as ideias inspiradoras sobre a integração dos seres humanos na natureza que vingaram nas últimas décadas não foram suficientemente efetivos, continuando a ser necessário um apelo forte à ação de todos. A Comissão Europeia lançou, no final de 2019,  o Pacto Ecológico e o roteiro para a neutralidade carbónica até 2050, exprimindo a ambição de criar uma nova estratégia, levando as cidades e os seus territórios rurais a encontrarem soluções baseadas na ideia de circularidade económica na gestão dos recursos. Esta estratégia, quando associada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pelas Nações Unidas, e aos princípios da Nova Agenda Urbana, reforça a urgência das cidades e dos assentamentos humanos se tornarem mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis (ver ODS 11).

Cidades em todo o mundo partilham desafios ambientais globais causados por múltiplos e complexos fatores, tais como a fragmentação da paisagem, o rápido crescimento demográfico e a expansão urbana, enquanto processos mal planeados continuam a erradicar áreas verdes e os ecossistemas associados, fundamentais para a saúde humana (física e mental) e para a biodiversidade. Uma abordagem mais ecológica requer um design criativo, quase disruptivo, e um trabalho colaborativo que conte com o envolvimento e compromisso de todos os sectores envolvidos na vida das cidades.

  1. CONEXUS: NATUREZA E CIDADES EM SETE PAISES (UE e América Latina)

O projeto CONEXUSCO-producing Nature-based Solution and restored Ecosystems – transdisciplinary neXus for Urban Sustainability, é financiado pela Comissão Europeia (Horizon 2020 RIA, com cerca 5 milhões € em quatro anos), e tem como objetivo apoiar a regeneração urbana de cidades e comunidades através de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) (Nature-Based Solutions). As SBN são intervenções ecológicas que desempenham serviços essenciais à saúde humana e ao ambiente nas cidades, promovendo a sua economia e qualificando as suas paisagens. Na prática, isso pode significar, por exemplo, plantar um jardim que aumente a permeabilidade numa praça da cidade, em vez de instalar uma infraestrutura de drenagem em betão para gerir o escoamento de águas pluviais. Para além de ser uma solução mais económica, o jardim poderia fornecer ainda serviços ecossistémicos que melhoram a condição do habitat para polinizadores e aumentam o conforto climático, tornando o espaço público mais aprazível e multifuncional.
O projeto recorre a 7 cidades como Life-Labs para aplicar e testar estas soluções, onde se incluem 3 cidades na europa (Lisboa, Barcelona e Turim) e 4 cidades na América Latina (São Paulo, Bogotá, Buenos Aires e Santiago do Chile).

Reunião de preparação da candidatura do projeto, Bogotá, Colômbia; (Rosário Oliveira, Novembro 2018)

O ICS, através do seu Hub de Transições Urbanas (Urban Transitions Hub – UTH), participa no projeto através das seguintes temáticas inseridas nos dois Work Packages (WP) descritos abaixo.

  1. CRÍTICA AO SOLUCIONISMO E WORKSHOPS SOBRE ‘FUTUROS COM A NATUREZA’

O contributo do ICS, liderado pela investigadora do ICS-ULisboa Olivia Bina, no WP2, tem como objetivo uma reflexão crítica do conceito de SBN, questionando o próprio conceito de ‘solução’, e conta com a colaboração de Roberto Falanga, Rosário Oliveira (ICS) e Andy Inch (Sheffield University). A ideia de ‘resolver’ os problemas complexos colocados pelo desenvolvimento urbano através da natureza tem o potencial de promover mudanças transformadoras, mas também apresenta constrangimentos, incluindo: o risco de reproduzir visões instrumentalizadas da natureza como algo externo ao social, como um recurso a ser explorado. O objetivo é ir além do solucionismo para formas mais abrangentes e diversificadas de pensar sobre a natureza, a natureza nas cidades e o futuro urbano sustentável: do SBN ao Pensamento de Base Natural (PBN)- Nature Based Thinking. Como verbo, pensar requer um sujeito: quem pensa? Esta questão é particularmente relevante dada a necessidade de transformar modos dominantes de ser (ontologias) e saber (epistemologias) rumo à natureza, e a necessidade de aprender novas formas de pensar e agir. Por exemplo, quando reconhecemos como longas histórias de exploração foram justificadas em nome de formas dominantes de pensamento, resultando na dissimulação de formas alternativas, indígenas e tradicionais de conhecer e conviver com a natureza. Essa crítica fornecerá os quadros de referência para projetar um conjunto de Workshops sobre ‘Nature Futures’ nas sete cidades e Life-Labs. O objetivo é abrir um espaço de debate para diferentes visões do mundo e diferentes mentalidades e capacidades de agir para enquadrar os problemas nos seus próprios contextos, explorar futuros desejados e modos de atuação ajustada a cada realidade com base numa nova relação entre cidade, sociedade e natureza.

  1. LIFE-LABS E SBN

Outro contributo crítico do ICS para o CONEXUS, liderado por Rosário Oliveira no WP3, tem o objetivo de desenvolver parcerias locais entre os Life-Labs das sete cidades e fomentar intervenções de SBN, por meio de processos participativos e de co-criação, que ocorrerão a três escalas, micro, meso e macro, apoiando o desenvolvimento de planos e políticas que a elas se ajustem. Além disso, aplicará a co-definição de indicadores para demonstrar os efeitos das SBN e da sua viabilidade a longo prazo em diferentes contextos e configurações socioecológicas. Neste contexto, iremos avaliar e monitorizar o sucesso das SBN em todos os Life-Labs. As evidências sobre a conservação e restauração de ecossistemas em funcionamento e a proteção da biodiversidade serão descritas e documentadas por meio de dados produzidos em workshops participativos. Serão utilizadas técnicas de recolha de dados quantitativos e qualitativos a partir de metodologias de ciência cidadã e de observações explícitas e implícitas relacionadas com aspetos ambientais e sociais, nomeadamente no âmbito da justiça ambiental e climática. Os dados recolhidos serão de acesso aberto, pretendendo-se disponibilizar ferramentas para apoiar as cidades e as suas comunidades na co-criação de SBN e demonstrar o seu sucesso. Outras informações de natureza geográfica e dados colaborativos voluntários serão usados ​​para aumentar a definição e modelação de indicadores sociais, económicos e ambientais.

Debate sobre o LL de Lisboa com os parceiros internacionais do projeto, Lisboa, (Rosário Oliveira, Junho 2019)
  1. PARCERIAS LOCAIS, REGIONAIS E ‘COMMUNITIES OF LEARNING’

O ICS estabelece uma estreita parceria com a Câmara Municipal de Lisboa na construção do seu Life-Lab, apoiando a autarquia na definição de metodologias participativas e colaborativas adequadas ao contexto socioecológico deste laboratório vivo. As iniciativas de âmbito local serão implementadas no sector este da cidade, no designado corredor verde oriental, promovendo a conectividade ecológica. Estas ações piloto serão acompanhadas por comunidades de aprendizagem e partilha de conhecimento (Communities of Learning), elevando o debate sobre as temáticas do projeto à escala da cidade de Lisboa e da sua estrutura verde urbana. Haverá ainda lugar à integração destes princípios e orientações na implementação da Estrutura Ecológica Metropolitana, onde a Área Metropolitana de Lisboa, a Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, conjuntamente com outras entidades de âmbito regional, serão envolvidas. Além disso queremos enriquecer o debate sobre a necessidade de criar novas formas de governança urbana para que ocorra uma transformação do pensamento e da tomada de decisão que nos permita concretizar o sonho de, na próxima década, vivermos em cidades saudáveis para as pessoas, para o ambiente e para a economia.

Uma das áreas de Lisboa onde o CONEXUS irá intervir (Rosário Oliveira, 2020)

Rosário Oliveira (rosario.oliveira@ics.ulisboa.pt) – Arquiteta  Paisagista e Investigadora no ICS, procura responder a desafios societais como a emergência climática, a segurança alimentar e a gestão do capital natural, através de processos transformativos que integrem a ciência, as políticas públicas e a ação, com impacto positivo no bem-estar humano, na economia, na qualidade ambiental e da paisagem.

Olivia Bina – (bina@ics.ulisboa.pt) Investigadora Principal no ICS e Fellow da World Academy of Art and Science, com titulos em Ciências Políticas (Statale di Milano), em Ambiente e Desenvolvimento, e em Geografia (University of Cambridge). Interessa-se sobre mudanças no discurso do futuro sustentável, aspectos críticos do crescimento “verde” e dos limites para o crescimento, conectividade entre seres humanos e natureza, e noções de escassez. A idéia geral é ajudar nos esforços em direção ao progresso, além das noções tradicionais de crescimento econômico

Roberto Falanga (roberto.falanga@ics.ulisboa.pt) – Investigador de pós-doutoramento no ICS, é mestre em psicologia e doutor em Democracia no século XXI. A sua investigação foca-se na análise crítica de processos e práticas de participação cidadã em diversos âmbito de atuação das políticas públicas. É membro de projetos nacionais e internacionais e co-Investigador Principal no ICS do projeto “ROCK – Regeneration and Optimisation of Cultural heritage in creative and Knowledge cities”. Desde 2014, colabora com a Câmara Municipal de Lisboa no planeamento e avaliação de processos participativos.

Andy Inch (a.inch@sheffield.ac.uk) – ‘Senior Lecturer’ no Departamento de Estudos Urbanos e Planeamento, Universidade de Sheffield, Reino Unido e Investigador Associado no ICS. Interessa-se pela forma como o futuro das cidades, bairros e comunidades poderão ser governáveis de um modo mais democrático e justo.

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