Substâncias químicas em produtos – propostas de ação política e na área da saúde

Por Susana Fonseca

Entre junho de 2016 e maio de 2019 desenvolvi a minha investigação de pós-doutoramento sobre o tema das substâncias químicas em produtos do quotidiano(brinquedos, roupas, cosméticos, produtos de limpeza, equipamento elétrico e eletrónico, alimentos, etc.). Durante este período, o objetivo foi sempre o de analisar se a controvérsia científica sobre o impacto de substâncias químicas em produtos do quotidiano (alimentação, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, e brinquedos) é reconhecida e integrada pelos profissionais de saúde (comunidade médica e de enfermagem) que acompanham e apresentam recomendações às mães; e de que forma, seja pelo aconselhamento médico, seja por outras fontes, influencia os pais nas suas práticas quotidianas e opções de consumo relacionadas com o cuidar dos filhos.

Já anteriormente publiquei um post sobre o tema, numa altura em que apenas uma parte do trabalho de recolha de informação estava completo. Ainda assim, não irei revisitar os resultados, entretanto complementados com o trabalho junto dos profissionais de saúde. Quem tiver curiosidade (mesmo que tenha pouco tempo) poderá consultar um resumo dos resultados no Research Brief – Químicos no Quotidiano: perceções e práticas, editado pelo ICS-ULisboa em Dezembro de 2019.

Aproveito antes este momento para partilhar, com todos os leitores, as principais recomendações em termos das políticas públicas na área das substâncias químicas, complementadas por uma proposta de reforço da formação dos profissionais de saúde sobre este tema emergente.

A relevância do tema da presença de substâncias químicas perigosas em produtos do quotidiano, dado os seus potenciais impactos na saúde humana e, em particular, em grupos mais vulneráveis como as crianças, está bem documentada, não apenas na literatura científica sobre o tema, mas também nas tomadas de posição assumidas por várias sociedades científicas na área da saúde. É inegável a relevância de permitir um maior acesso à informação sobre este tema, por parte dos cidadãos em geral e dos futuros pais e mães em particular. Contudo, as dificuldades inerentes à opção por e acesso às soluções que garantem um menor impacto na saúde exigem um forte complemento do lado da regulamentação, no sentido de dar segurança e facilitar as escolhas quotidianas das famílias.

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Fonte: Petra Šolajová (Pixabay)

A centralidade atribuída pelas famílias aos profissionais de saúde enquanto conselheiros confiáveis pode e deve ser aproveitada para procurar fomentar uma atitude mais preventiva em relação ao problema. Mas é também um alerta para a responsabilidade que estes grupos profissionais têm, não apenas junto dos seus pacientes, mas também em relação à sociedade em geral, no sentido de fazerem pressão sobre os decisores, para que promovam e implementem medidas que permitam às famílias e a todos os cidadãos terem acesso a produtos, serviços e a um ambiente mais seguro para a sua saúde.

Neste contexto, as principais recomendações são:

Recomendações políticas

  • Garantir a plena aplicação do Regulamento REACH e de outros regulamentos e legislações, no sentido de assegurar que os produtos usados e consumidos pelas famílias apresentam um risco reduzido de impacto na saúde humana (agindo preferencialmente a montante da produção).
  • Desenvolver ações de fiscalização mais frequentes, no sentido de garantir que os produtos que circulam no mercado não possuem substâncias perigosas que possam ter impacto na saúde humana.
  • Promover a utilização do Rótulo Ecológico Europeu num leque de produtos muito mais alargado (por exemplo, através da integração de critérios equivalentes nas compras públicas) e desenvolver uma campanha de informação sobre o tema, alargada a outros rótulos ecológicos credíveis, que permita facilitar a identificação por parte dos cidadãos e das famílias.
  • Incentivar práticas agrícolas em modo de produção biológico e segundo os princípios da agroecologia, no sentido de tornar estes produtos mais sustentáveis, saudáveis e acessíveis (disponibilidade e preço) às famílias.
  • Promover o direito à informação, previsto no Regulamento REACH – artigo 33 – com o intuito de permitir aos cidadãos estarem mais informados, mas também pressionarem as empresas no sentido de substituírem as substâncias de muita elevada preocupação presentes nos produtos.
  • Desenvolver campanhas de informação junto da população em geral e, em particular, junto dos grupos vulneráveis (por exemplo: crianças e jovens, mulheres em idade fértil, gestantes), sobre os cuidados a ter no sentido de reduzir a sua exposição a produtos que contenham substâncias químicas perigosas.

Formação dos profissionais de saúde

  • É fundamental reforçar o conhecimento dos profissionais de saúde nesta área de interface entre as condições ambientais e a saúde humana, em particular em relação aos grupos vulneráveis como as crianças, os adolescentes e adultos em idade fértil. Esta formação deve ser dirigida em particular aos profissionais das especialidades que mais diretamente lidam com os grupos vulneráveis – medicina e enfermagem familiar, ginecologia e obstetrícia, pediatria e saúde infantil.
  • Perante os impactos potenciais do contacto quotidiano com substâncias químicas perigosas, os profissionais de saúde e os seus representantes institucionais devem reforçar a aplicação do princípio da precaução que permitirá agir numa ótica de prevenção da doença futura, uma postura ainda não suficientemente trabalhada da área da saúde em Portugal.
  • Devem ser desenvolvidos esforços para que o tema do impacto das substâncias químicas perigosas na saúde humana seja debatido de forma transversal em diferentes especialidades médicas e de enfermagem, nomeadamente nos encontros científicos realizados.
  • O capital científico detido pela classe dos profissionais de saúde pode e deve (à semelhança do já preconizado por diferentes sociedades profissionais e científicas na área da medicina a nível internacional) ser aplicado para além dos seus gabinetes. Uma maior intervenção destes grupos na defesa de legislação e regulamentação assente no princípio da precaução, com o intuito de promover um ambiente não tóxico, deve ser assumido como um dever e um contributo para a prevenção da doença.

O tema das substâncias químicas não assume grande centralidade no debate público e científico (pelo menos na área da saúde) em Portugal e certamente não assume de todo a dimensão que deveria, face aos riscos que acarreta para as gerações presentes e futuras. Que estas recomendações e o trabalho que lhes subjaz possam servir de estímulo a uma maior reflexão coletiva sobre o tema.


Doutorada em Sociologia pelo ISCTE – IUL, foi investigadora na área da Sociologia do Ambiente no ISCTE-IUL e mais recentemente no ICS-ULisboa durante mais de duas décadas. É fundadora e membro da direção da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, desde janeiro de 2016, onde coordena a área “Sociedades Sustentáveis e Novas Formas de Economia” e onde atualmente colabora. Faz parte do grupo de fundadores da Coopérnico – Cooperativa de Desenvolvimento Sustentável.

 

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