Por Joana Sá Couto, Luísa Schmidt e Ana Delicado
O Projeto RIVEAL – Valores e Serviços dos Ecossistemas Fluviais e das Florestas Ripárias em Paisagens Fluviais Alteradas e Futuros Climáticos Incertos – tem como objetivo compreender, mapear e quantificar os serviços de ecossistemas dos rios e das florestas ripárias, em zonas a montante e a jusante de barragens, especificamente nos casos do Rio Lima (Barragem de Touvedo) e do Rio Alva (Barragem de Fronhas). Para tal, uma equipa multidisciplinar de diversas instituições – Universidade de Coimbra, Universidade de Aveiro, Instituto Superior de Agronomia e o Instituto de Ciências Sociais, ambos da Universidade de Lisboa – tem como objectivo efectuar uma análise holística dos serviços de ecossistema de paisagens ribeirinhas alteradas por barragens.

Especificamente a equipa do Instituto de Ciências Sociais irá abordar os serviços de ecossistema culturais implícitos nas práticas desenvolvidas nas zonas ribeirinhas, com foco na questão do bem-estar. Para tal, o primeiro passo foi delimitar a área de estudo, partindo das barragens, selecionando cerca de 56 freguesias de 9 Municípios a partir da barragem de Fronhas e cerca de 136 freguesias de 6 Municípios a partir da barragem de Touvedo.


O desafio colocado pelos serviços de ecossistema culturais é altamente complexo. Em toda a literatura dos serviços de ecossistema em geral, as dimensões culturais são das mais difíceis de avaliar e quantificar, por serem assumidamente intangíveis. É necessário que estas análises não sejam redutoras e estritas, meramente economicistas ou técnicas. Daí a importância dos estudos de ciências sociais sobre a paisagem e sobre as percepções, atitudes e valores dos residentes. Acresce que, no caso específico do projecto Riveal, estamos perante paisagens muito heterogéneas e modificadas que complexificam o terreno em análise.
Seja como for, a abordagem e a linguagem dos serviços de ecossistema é recente e muito dinâmica, estando constantemente a ser alterada e melhorada com contributos vários de diferentes disciplinas. Trata-se assumidamente de uma abordagem antropocêntrica que tem vindo a ser alvo de críticas, tendo sido discutida anteriormente neste Blogue por Lavínia Pereira e Olivia Bina. Desde o seu início com o Millenium Ecosystem Assessment, surgiram outros enquadramentos, como o da plataforma IPBES, na procura de um modelo conceptual holístico e abrangente que consiga de forma clara e sucinta retratar componentes sociais e ecológicas, bem como as relações entre elas, numa avaliação de serviços de ecossistema em qualquer escala. A plataforma IPBES pretende incluir ainda a dimensão do valor intrínseco da natureza, e não apenas dos seus produtos e usos, assim como outras formas de conhecimento (Díaz, et. al., 2015).

Este modelo conceptual rompe com as anteriores abordagens de avaliação e organização de serviços de ecossistema. Mais além do conceito antropocêntrico e focado nos usos humanos dos ecossistemas, o modelo altera a linguagem para benefícios da natureza para as pessoas, o que, no mundo ocidental, é conceptualizado enquanto serviços e bens de ecossistema, mas, de acordo com o IPBES, em modos de conhecimento tradicionais e indígenas, é pensado como nature’s gifts. Cada retângulo cinzento representa um elemento que se interliga com os restantes em diversas formas no tempo e no espaço. Natureza considera-se como o mundo natural e todos os seus elementos em interligação uns com os outros em diversos processos, incluindo também a diversidade bio cultural. Esta componente tem um valor intrínseco e pode ser vista de diversas formas partindo de cada contexto sociocultural.
A introdução de diversas perspetivas para o mesmo conceito tem como objetivo tornar o modelo mais extensivo a diferentes contextos culturais, estando sempre presente e realçado o valor intrínseco da natureza em si mesma (Díaz, et. al., 2015). Apresenta também algo omitido nos outros modelos reconhecendo que nem todos os serviços de ecossistema são benéficos para o ser humano, como é o caso da predação de sementes gerada por alguns animais, que podem traduzir-se em danos para o produtor, mas que são essenciais para a sobrevivência de outros animais e para a sustentabilidade de alguns locais (Díaz, et. al., 2015; Saunders, Luck, 2016; Janzen, 1971).
Os benefícios da natureza para as pessoas surgem da interação direta entre as comunidades locais e o ambiente na paisagem em que se inserem, dependendo do contexto e da atividade em que estes indivíduos escolhem envolver-se. Por isso, cada contexto é único e deve ser avaliado de forma multidisciplinar. A abordagem dos serviços de ecossistema tem, além do mais, a capacidade de aproximar as ciências naturais, a economia e as ciências sociais para avaliar questões de sustentabilidade e informar os decisores políticos, permitindo melhorias na gestão e nas políticas públicas no quadro de uma sustentabilidade da paisagem (Wu, 2013).

Nesta fase do projeto procedeu-se a um inquérito por questionário através do telefone – face às restrições impostas pela pandemia Covid-19 – a uma amostra de 400 indivíduos nas duas áreas de estudo (n=200). Foram selecionados residentes de freguesias mais distantes e mais próximas do rio, com vista à compreensão das suas práticas locais nas zonas ribeirinhas, da forma como valorizam a paisagem, bem como identificar algumas diferenças que se foram estabelecendo entre os dois locais ao longo dos últimos anos. Foi feito igualmente um mapeamento de stakeholders que poderão vir a participar nos workshops previstos neste projeto.

Antecipamos aqui, através do projeto RIVEAL, uma excelente oportunidade para articular as ciências sociais com outras ciências, através de estudos de caso e de um conjunto de abordagens que nos permitirão uma análise aprofundada, que tenha em conta as diversidades das áreas de estudo. Pretende-se que o projeto possa contribuir para uma discussão mais aprofundada acerca dos serviços de ecossistema, através de um trabalho de terreno que nos permita cruzar fronteiras disciplinares e desbravar este conceito utilizando metodologias inovadoras.
Joana Sá Couto é antropóloga, Mestre em Estudos de Ambiente e Sustentabilidade e atualmente doutoranda no Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Foi Bolseira de Investigação no Projecto PEARLS –Planning and Engagement Arenas for Renewable Energy Landscapes e é hoje Bolseira do Projeto RIVEAL – Valores e serviços dos ecossistemas fluviais e das florestas ripárias em paisagens fluviais alteradas e futuros climáticos incertos.
Luísa Schmidt é socióloga, coordenadora do Observa – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Integra o Comité Científico do Programa Doutoral em ‘Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável’.
Ana Delicado é socióloga, investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e vice-coordenadora do Observa. Recebeu o Prémio Científico Universidade de Lisboa/Caixa Geral de Depósitos 2018 na categoria ciências sociais.