Por João Morais Mourato
Faz agora ano e meio que contribuí para a série de reflexões do nosso blogue sobre a utilidade das ciências sociais, tema que, desde então, não voltou a ser abordado. Contudo, resultado do projeto BEACON que coordeno no ICS, e da leitura dos contributos recentes do João Sousa e da Olívia Bina, decidi revisitar a discussão sobre a utilidade da Universidade e em particular das ciências sociais, ancorando-me, desta vez, na questão fundamental da comunicação do conhecimento. Surpreendentemente, reparei que comunicação não surge entre as palavras-chave (tags) mais frequentemente registadas no blogue. Ora se no post anterior explorei os desafios epistemológicos, identitários e operativos associados à evolução das ciências sociais, desta vez centrar-me-ei no que designarei como o seu desafio comunicacional.
O meu ponto de partida é a ideia defendida por Daniel Sarewitz, Science isn’t self-correcting, it’s self-destructing. To save the enterprise, scientists must come out of the lab and into the real world. De facto, alimentados por um crescente (se bem que de gestão questionável) investimento público em ciência nos últimos 50 anos, os cientistas estão cada vez mais produtivos, despejando milhares de artigos em jornais académicos crescentemente de índole temática, inter-, multi- e transdisciplinar. Contudo, quantidade não se traduz forçosamente em qualidade e muito menos em impacto, questão crucial se queremos discutir a utilidade da ciência.
Esta questão tem vindo a ganhar maior destaque à medida que uma leitura quase homogeneamente positiva do contributo social da atividade científica tem vindo a ser gradualmente substituída por uma leitura mais crítica sobre o real impacto da ciência no abordar dos principais desafios societais emergentes.
Como sumariza Sarewitz, se entendermos progresso científico exclusivamente como o livre e exclusivo exercício intelectual da ciência pela ciência, se não existir nada para medir o seu impacto fora do contexto científico imediato, podemos estar a alienar irreversivelmente a responsabilidade social e política da atividade científica. Como contrariar então esta potencial alienação?
As respostas mais comuns a esta questão emergem no âmbito da diplomacia científica e da comunicação de ciência, e em poucos contextos são estas respostas mais urgentes do que no interface ciência e alterações climáticas. Independentemente da gestão das várias divergências internas no próprio debate científico, ou reflexo destas, não existe uma estratégia consensual dentro da comunidade científica para o engajamento de cidadãos, comunidade técnica e decisores políticos.
Existe sim uma dicotomia entre, por um lado, a vontade de uma maior radicalização dessa comunicação, assente na urgência e dimensão da mudança societal implícita, e, por outro, a noção de que o impacto psicológico da mudança necessária, nos cidadãos e decisores políticos, pode revelar-se paralisador se esta não for corretamente doseada. Veja-se como exemplo a dura reação de George Monbiot ao apelo de David Attenborough para uma maior suavização da comunicação mediática sobre alterações climáticas.
Pragmaticamente, quem estará certo?
Como sublinha Paul Van Lange, psicólogo social, os dilemas sociais associados às alterações climáticas são complexos pois os interesses coletivos são abstratos e os seus impactos são primariamente visíveis no futuro e não no presente. A incerteza tende a desencadear um pensamento heurístico, como o mito do interesse próprio; ou seja, as pessoas são naturalmente orientadas para o interesse próprio ou local, e não para interesses globais abstratos; e os líderes políticos tendem a adotar uma mentalidade competitiva, caracterizada pela desconfiança e rivalidade. A mobilização para enfrentar desafios é frequentemente o verdadeiro desafio.

De facto, testemunha-se atualmente um abismo preocupantemente grande entre consenso científico e opinião popular. É fácil supor que a resistência a uma mensagem baseada em evidência empírica seja resultado da ignorância ou da falta de compreensão, o chamado “modelo do déficit” da comunicação científica. Mas cada vez mais se debatem os limites dos padrões predominantes de comunicação científica, pois se as pessoas estão motivadas a rejeitar a ciência, a repetição de evidência empírica terá pouco impacto ou, pior, um impacto inverso ao desejado. Como diz Per Espen Stoknes, the trouble with mainstream conventional climate communication is that it rubs up against the psychology of our brain. Ou, por outras palavras, the truth? You can’t handle the truth! Então como fazemos? Bem, a resposta pode muito bem surgir de onde menos esperamos.
O paradigma Schwarzenegger
Sim, é a Arnold Schwarzenegger que me refiro! Culturista, Mr. Universe, Mr. Olympia e ator de Hollywood a quem normalmente associamos papéis como Conan, o Bárbaro e essa forma de inteligência artificial icónica na ficção científica: The Terminator. O seu cunho mais reconhecível na cultura pop é provavelmente o aviso I’ll be back!
Mas only in America há uma propensão para estrelas mediáticas ascenderem aos cargos políticos mais variados. E enquanto candidato republicano, Schwarzenegger foi eleito em 2003 Governador do estado da Califórnia. Durante os oito anos em que ocupou o cargo, Schwarzenegger assumiu-se como um dos mais ferozes ambientalistas republicanos. Tal é tanto mais significativo quanto é no partido republicano que reside a quase totalidade dos representantes políticos negacionistas das alterações climáticas.
Concordemos ou não com os seus valores políticos republicanos/conservadores, as credenciais ambientalistas de Schwarzenegger não devem ser menosprezadas. Da criação do Global Warming Solutions Act de 2006 às R20 Regions of Climate Action, das múltiplas batalhas judiciais que travou com o governo federal à atual crítica cerrada à administração Trump ou mesmo à preparação de uma ação judicial contra a indústria petrolífera sobre o seu papel na evolução das alterações climáticas, Arnold foi, e é, consistente na sua ação política ambiental.
Mas aquilo que quero destacar é a sua abordagem comunicacional à ação climática. Arnold é altamente crítico da forma como ciência e cientistas abordam o tema. Nesta recente entrevista com David Axelrod, explica por que razão os environmentalists have done a terrible job selling this (Climate Change)! Reconheço que há mérito no seu argumento.
De facto, o realismo crítico da abordagem do Terminator, explora de forma exímia a discussão pragmática das causas e impactos contemporâneos, e não futuros, das alterações climáticas. Veja-se por exemplo o caso das emissões de monóxido e dióxido de carbono e subsequente poluição atmosférica. Ao invés de enfatizar o impacto das mesmas associado ao contributo para o efeito de estufa e aquecimento global a 30 ou 50 anos de distância Schwarzenegger colocou a tónica do seu discurso na relação de causalidade já identificada entre poluição atmosférica e um conjunto de patologias respiratórias, oncológicas, de saúde mental, etc. que afectam uma percentagem crescente da população mundial. Esta abordagem pode muito bem ser a ponte entre as leituras, acima referidas, de George Monbiot e David Attenborough. Ou seja, Schwarzenegger pode ter encurtado a ponte entre a urgência de uma mudança radical e a mitigação inteligente das barreiras psicológicas decorrentes do impacto societal que essa mudança pressupõe ao aproximar radicalmente causa e efeito aos olhos do cidadão e decisor político. Para a comunidade científica, Schwarzenegger traduz-se na urgência de rever as estratégicas comunicacionais predominantes, equacionando se as mesmas incutem, em tempo útil, a mobilização societal para a transição sócio-ecológica que tanto se advoga.
João Morais Mourato é investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.