Por João Carlos Sousa
Na sua obra seminal a Democracia na América, Alexis Tocqueville chama atenção para a centralidade dos media na formação da opinião pública. Deste ponto de vista, aos media cabe tornar visíveis os temas considerados de interesse público, desde a escala local/regional à global. A opinião pública surge, desta forma, na área de sobreposição dos meios de comunicação e da política, contribuindo para o processo informativo que está subjacente à ação política, à participação e mobilização cívica, e à formulação de processos deliberativos no seio da esfera pública.
Tradicionalmente, cabe à imprensa escrita, à rádio e à televisão o papel de mediação, que recorrendo à publicidade, dão visibilidade às questões de interesse público. Nas últimas décadas tem-se assistido à intensificação e proliferação de canais digitais que permitem a comunicação, interação e, sobretudo, difusão de informação à escala planetária, numa aparente tendência de secundarização do papel do jornalismo e, em particular, dos jornalistas. Um pouco por toda a Europa, os sectores de media tradicionais, mais propriamente a rádio e a televisão, superam a internet (cf. Figura 1) no que diz respeito à confiança depositada pelos cidadãos quando acedem a conteúdos informativos.
Figura 1 – Sector de media que inspira mais confiança na Europa

O panorama europeu é relativamente homogéneo quanto à desconfiança em relação aos diferentes sectores, incluindo os media sociais. A área dos Balcãs é aquela onde a desconfiança relativamente à imprensa escrita e à televisão é maior. No entanto, falamos em consumo de conteúdos informativos e noticiosos nas plataformas digitais em Portugal, devemos ter em linha de conta o domínio do Facebook enquanto meio privilegiado de os portugueses acederem e partilharem informação, como é referido no estudo Práticas e Consumos Digitais Noticiosos dos Portugueses em 2016. O interesse e enfoque dos meios de comunicação sempre foram determinantes para a publicidade e visibilidade dos problemas que afetam as sociedades. No contexto atual, os media tradicionais confrontam-se com a concorrência dos media sociais digitais.

Deste modo, a opinião pública e o que dela emana é muito condicionado pelas representações que os media fazem sobre os mais diversos assuntos agendados. Numa sociedade como a portuguesa, em que os media em geral e a televisão em particular são os principais agentes de socialização política e de contacto com o mundo de acordo com o relatório Reuters Digital News Report 2016, as representações mediáticas feitas pelos diferentes órgãos de comunicação social dos diferentes sectores detêm um poder de difusão incomparável. Contribuem, por isso, de forma decisiva para o debate público.
Tomemos como referência a cobertura feita pelos media portugueses ao longo do ano de 2016. No âmbito mais vasto de apoio às atividades letivas e científicas desenvolvidas no Laboratório de Ciências da Comunicação do ISCTE-IUL, o Barómetro de Notícias consiste na recolha e análise dos principais destaques noticiosos. Semanalmente é construída uma amostra de 413 peças publicadas com destaque nos diversos noticiários dos diferentes sectores dos meios de comunicação portugueses. Com base na análise de conteúdo ao lead das peças, procede-se à definição dos temas sobre os quais elas versam, podendo ser mais ou menos duradouros e, desta forma, pautar o ciclo informativo semanal.
Socorrendo-nos desta base de dados, calculámos a quantidade de trabalhos jornalísticos relacionadas com questões comummente associadas à temática do ambiente no ano de 2016. Assim, de um total de 20405 trabalhos recolhidos, 118 versam sobre categorias temáticas que são atribuídas ao domínio ambiental (cf. Tabela 1), representando um valor bastante diminuto (<0,01%). As temáticas foram selecionadas a partir do Sustentabilidade – Primeiro Grande Inquérito, no âmbito do qual se questionou os portugueses sobre os principais problemas ambientais na atualidade. Uma nota de natureza metodológica e conceptual para sublinhar o facto desta categorização, não ser da responsabilidade e da nossa autoria. Ela é feita a montante no processo de construção do Barómetro. A constituição de uma amostra implicará sempre uma análise à semântica lide das notícias, para desta forma garantir melhor e mais rigor na construção do corpus de análise.
Acessibilidade | 3 | 2,5% |
Património ambiental / natural | 3 | 2,5% |
Saneamento básico | 3 | 2,5% |
Organização do território | 15 | 12,7% |
Alterações climáticas | 16 | 13,6% |
Centrais nucleares | 16 | 13,6% |
Requalificação urbana | 20 | 16,9% |
Proteção do ambiente e poluição | 42 | 35,6% |
Total | 118 | 100,0% |
Tabela 1 – Temas ambientais nos media portugueses em 2016. Fonte: Barómetro de Notícias LCC ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
No plano qualitativo observa-se um agendamento diverso e heterogéneo feito pelos media portugueses, refletindo as diferentes vertentes e a complexidade do fenómeno ambiental na contemporaneidade. Assim, é visível na Tabela 1 a heterogeneidade das questões que incluem, desde como “acessibilidades” ou “requalificação urbana”, passando pela “proteção do ambiente e poluição” ou pelo “património ambiental/natural” até às “alterações climáticas”. Por outro lado, a distribuição sectorial das peças faz-se de forma assimétrica. Entre a rádio e a Web contam-se mais de 2/3 do total (72,8%). Por oposição as notícias oriundas da televisão cifram-se em apenas 3,4%. Estes trabalhos apresentam alguma concentração, particularmente entre as rádios noticiosas como a Renascença (12,7%) e a TSF (17,8%). As restantes distribuem-se entre os diversos meios de comunicação de forma relativamente homogénea.
As questões de âmbito ambiental não parecem, com efeito, deter um poder corrosivo no agendamento e intensidade dos ciclos semanais informativos. Apenas 33,9% destas peças tiveram direito a estatuto de manchete. Por seu lado, estes dados indiciam a invisibilidade do ambiente e das questões a ele associadas na agenda mediática dos meios de comunicação tradicionais. Se durante o ano de 2016 foram identificados 118 trabalhos jornalísticos nos diversos sectores de media, em 2017 foram identificadas 437 peças sobre “fogos florestais” no período de 16 a 30 junho (período subsequente à tragédia de Pedrogão Grande), o que não deixa de ser um aparente contradição. Com efeito, existem indícios de que a construção noticiosa sobre questões ambientais segue uma rotina na qual é dada atenção a questões pontuais que são “incapazes” de romper com a rotina do agendamento. Contudo, existem episódios, com forte caráter humano e com forte pendor dramático, como as duas vagas de incêndios florestais de junho e outubro de 2017, que têm o poder de romper com esse agendamento. Nesse caso, assiste-se à disseminação das notícias por sectores, incluindo os novos media digitais, mas também a uma maior visibilidade na abertura de noticiários e manchetes nos sectores mais tradicionais. Estas tendências indicam que o tratamento jornalístico das questões ambientais seguem um padrão relativamente próximo ao padrão mais geral do jornalismo, no qual o discurso objetivo e racional dá lugar à emoção e coloca a ênfase no lado humano e do seu sofrimento – personalização.
Uma tentativa de resposta, ainda que parcial, ao facto de Portugal ser, no contexto europeu, um dos países que apresenta valores mais elevados no que concerne à visão das alterações climáticas como consequência de fatores humanos, de acordo com o ESS8, consiste em perspetivar a menor confiança dos portugueses relativamente à informação proveniente e que circula nas redes sociais digitais como o Facebook e/ou Twitter, onde, aliás, o impacto das chamadas Fake News e a contrainformação intensifica-se pela própria natureza da arquitetura destas plataformas online. Desta forma, assumimos que a excessiva exposição a informação é, a determinada altura, o terreno fértil para a desinformação.
Destas considerações resulta uma potencial agenda de investigação que está longe de se constituir e ainda mais distante de se concretizar, para desse modo se compreender melhor os fenómenos ambientais e o modo como são construídas as representações mediáticas sobre os mesmos e, desta forma, disponibilizar mais e melhor conhecimento à comunidade e a quem influenciar políticas públicas de prevenção, adaptação e/ou mitigação às alterações climáticas e aos riscos a elas associados.
João Carlos Sousa é Licenciado em Sociologia (2009) e Mestre em Sociologia: exclusões e políticas sociais (2013) pela Universidade da Beira Interior. Foi bolseiro de Investigação (2010-2013) nos projetos Agenda dos Cidadãos: jornalismo e participação cívica nos media portugueses (PTDC/CCI-JOR/098732/2008) e Público e privado em comunicações móveis (QREN) ambos desenvolvidos no LabCom da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior. Desde Junho 2016 que é investigador do OberCom. Em 2016-2017 foi bolseiro de Gestão Ciência e Tecnologia no OberCom – Palácio Foz. Nesse mesmo ano (Novembro) ingressou no projeto Medida Ligar-Eficiência Energética para todos (ADENE), desenvolvido no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Atualmente frequenta o Programa de Doutoramento em Ciências da Comunicação do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, a partir de 1 Janeiro 2019 com Bolsa Individual de Doutoramento.
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