Por: Thiago Silva, Ana Horta e Vera Ferreira
Em novembro deste ano ocorrerá, no Brasil, a 30ª Conferência das Partes (COP-30), tendo a transição energética como um dos temas centrais. Na condição de país emergente e situado entre as maiores economias da América Latina, o Brasil assumirá papel de destaque nas discussões sobre mudanças climáticas e na transição para uma economia de baixo carbono. Tal protagonismo revela-se relevante não apenas por abrir espaço para que os países apresentem suas iniciativas e compromissos, mas também por permitir que o mundo observe, no centro da Amazônia Brasileira, as metas assumidas pelo governo nacional.
Nos últimos anos, o posicionamento do Brasil em relação às mudanças climáticas oscilou de forma significativa. Entre 2019 e 2022, o país enfrentou críticas internacionais devido ao enfraquecimento de políticas ambientais, ao aumento do desmatamento na Amazônia e a uma postura menos comprometida nas negociações multilaterais. Em contraste, a gestão iniciada em 2023 buscou retomar o protagonismo brasileiro, reafirmando compromissos no âmbito do Acordo de Paris, anunciando metas de desmatamento zero até 2030 e sinalizando investimentos em energias limpas e inovação tecnológica para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. Essa mudança de postura política fortalece o papel do Brasil no debate climático global e cria expectativas sobre a liderança do país no evento deste ano.
O debate sobre a transição energética será essencial para mitigar os impactos das alterações climáticas, exigindo a intensificação do processo de substituição das fontes fósseis por alternativas renováveis. O Brasil, anfitrião da COP-30, é atualmente um grande produtor de energia renovável, com destaque para as fontes hidrelétrica e solar, que em 2024 corresponderam a 89% da matriz elétrica. O país terá a oportunidade de evidenciar seus avanços e perspectivas no setor elétrico, mas também de explicitar como pretende superar desafios relacionados à modernização da infraestrutura elétrica e à redução das emissões de gases de efeito estufa.
Questões como a justiça da transição para as populações mais vulneráveis e as implicações econômicas e sociais de uma mudança acelerada na matriz energética certamente integrarão a agenda. O Brasil necessitará equilibrar suas demandas de desenvolvimento econômico e inclusão social com a urgência de mitigação climática. A Conferência configurará, portanto, espaço privilegiado para a apresentação de modelos inovadores e inclusivos que apontem para uma matriz energética mais sustentável, acessível, universal e democrática.
As energias renováveis de base comunitária despontam como temática relevante sobretudo quando se considera o acesso à eletricidade por grupos em situação de vulnerabilidade. Trata-se de iniciativas que recorrem a fontes como a solar, a eólica e a biomassa, buscando beneficiar diretamente as comunidades, frequentemente com sua participação ativa na produção, distribuição e gestão da energia, em resposta à ausência de concessionárias ou à limitação das grandes redes. Experiências de geração solar comunitária já vêm sendo implementadas em áreas rurais e comunidades isoladas; contudo, o Estado brasileiro precisa reforçar seu compromisso no enfrentamento da pobreza energética, que ainda afeta milhares de cidadãos da região amazônica, do semiárido nordestino e de territórios minerários.
Iniciativas como o Programa Luz para Todos (2002-2028) têm desempenhado papel relevante na universalização da eletricidade, incluindo a incorporação de soluções baseadas em fontes renováveis em localidades remotas. Nas últimas décadas, colhem-se os frutos dessa política, que garantiu acesso à energia para mais de 98% da população brasileira. Todavia, persistem situações de baixa qualidade no fornecimento. Comunidades indígenas, em particular, têm emergido no debate, dada a necessidade de soluções energéticas adequadas para superar cenários de pobreza energética. O Programa Luz para Todos assumiu o compromisso de atender esses territórios, ao mesmo tempo em que caminha para o encerramento de seu ciclo, após mais de duas décadas de vigência.
Em 2022, novos avanços ocorreram com a promulgação da Lei nº 14.300, que estabeleceu o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída (MMGD). A legislação concedeu respaldo normativo para que pequenos consumidores e empreendimentos atuem de forma descentralizada na geração e distribuição de energia. Esse processo favoreceu a criação de cooperativas e microrredes, ampliando a participação comunitária na governança local e gerando benefícios socioeconômicos relevantes, além de estimular um sentimento de maior autonomia no controle sobre as próprias fontes energéticas. Nesse contexto, cabem aos consumidores análises quanto à relação custo-benefício, às tecnologias utilizadas, à escala das centrais geradoras, à localização (rural ou urbana) e às condições de financiamento.
A este respeito, o diálogo entre investigadores do Brasil e de Portugal contribui para aprofundar a compreensão dos diversos desafios que se colocam à participação ativa dos cidadãos nas novas iniciativas de energia descentralizada. Aspectos como o acesso das populações a informação, a literacia energética ou a complexidade dos processos administrativos, por exemplo, podem colocar importantes entraves à implementação destas soluções, tal como se tem verificado em Portugal.

Figura 1 Micro e minigeração distribuída; Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica do Brasil, 2025.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica, o debate sobre eletricidade no âmbito da COP-30 e seus desdobramentos exigirá acompanhamento contínuo, a fim de verificar em que medida os compromissos assumidos se materializarão em ações concretas. Há soluções já delineadas e, sobretudo, a necessidade de maior sensibilidade na abordagem da transição energética em comunidades periféricas brasileiras. A MMGD, os arranjos locais e o processo de transição energética configuram-se como pontos centrais para a construção de alternativas que superem desigualdades históricas no acesso à eletricidade. O Brasil tem a oportunidade de apresentar, com transparência, propostas capazes de transformar a vida da população em todas as regiões do país.
Thiago Silva é Investigador Visitante no ICS-ULisboa, com um Pós-doutoramento em Administração na PUC Minas e Doutorado em Desenvolvimento e Ambiente. Os autores agradecem o financiamento público do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPq), Processos nº 403913/2024-1 e 200050/2025-7. thiago.silva@academico.ufpb.br
Ana Horta é Investigadora Auxiliar no ICS-ULisboa e membro do grupo de investigação SHIFT. Doutorada em Sociologia, faz parte da equipa de coordenação da Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia.
Vera Ferreira é Doutorada em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável no ICS-ULisboa.
