O Desafio da Justiça Ambiental no Brasil: Breve resenha do 1º ano do Governo Lula

Por: Luiz Carlos de Brito Lourenço

O governo eleito instalado no Brasil em 2023 optou por ampla agenda de ações corretivas, em meio a um ano de intensos acontecimentos climáticos, para restaurar as perdas ambientais acumuladas desde o trágico cenário de sucessivos rompimentos das barragens de resíduos metálicos, o primeiro deles em Mariana (2015), juntamente com os incêndios criminosos no Pará (Dia do Fogo, 2019), para citar aqueles com maior impacto nos media. As autoridades têm por desafio impor a justiça ambiental pelas regras draconianas de penalidades tributárias na aplicação da ordem. É complexa a conciliação entre os fundamentos do conservacionismo frente à voraz intervenção econômica ilegal por diversos biomas.

O objetivo aqui é delinear o ponto da situação ao final do primeiro ano da nova gestão do Presidente Lula, sem pesar sucessos e erros de gestão pública em tão curto prazo. São apresentadas notas fotográficas de eventos e seus atores políticos, os quais, embora distantes dos compromissos internacionais, foram confrontados pela violência de episódios ambientais e climáticos, porém agora sob a marca vencedora dos ideais democráticos que frustraram a tentativa do golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

Recorde-se que, ainda em 2021, a seguir às eleições, o novo governo ofereceu a cidade de Belém (Pará), na foz do rio Amazonas, para sediar a futura COP 30, em 2025 (estima-se que o Brasil foi o 6º maior emissor de GEE em 2020). Tal gesto soou como afirmação da soberania sobre a região amazônica, alvo da doutrina de segurança nacional, que teme uma ocupação estrangeira na região, um factoide apoiado num episódio perdido na memória. Orgulhou-se o novo governo ao resgatar a credibilidade nas negociações do clima.

Rompeu a aversão ao tema demonstrado pelos derrotados nas urnas. O novo discurso oficial incorporou à gramática política expressões como ‘Diversidade’ e ‘Sustentabilidade’ que passaram a ser voz corrente em variadas mensagens institucionais públicas absorvidas pelo sector privado.

Os novos princípios recriaram o “Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima” (MMAMC), de cuja pasta foi encarregada a ambientalista Marina Silva, para quem o cuidado com a natureza apresenta um custo inferior ao da reparação. Resultante da Eco’92, a Declaração do Rio (princípio 15) frisava que ações preventivas de proteção do ambiente variam de acordo com as capacidades dos países.

Antevia-se o risco que corriam as reservas ecossistêmicas diante de uma insuficiência de recursos e de competências para superar a evolução de conflitos próprios da preservação. Foi o que se evidenciou na tragédia humanitária na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, junto à Guiana em janeiro de 2023, causada pela frágil assistência do Estado (suporte aos autóctones, saúde e fiscalização do território vazio do tamanho de Portugal) num assalto de garimpeiros ilegais aos povos nômades originais.

Na metade setentrional do país, é possível pensar em atravessar cinco a seis biomas únicos, de leste a oeste, para abranger a amplitude de áreas de atenção do MMAMC. No caminho há inquietações: derrames de óleo cru nas praias nordestinas, a ampliação do transvase do rio São Francisco, a expansão da pecuária extensiva, a extração ilegal de madeiras e o desequilíbrio hidrológico junto a hidrelétricas e represas com resíduos minerais.

Figura 1. Ponta do Seixas. Parte mais Oriental das Américas. Autoria: Marinelson Almeida Silva.

Uma linha horizontal imaginária em direção ao Poente começa no extremo continental oriental do Hemisfério Americano, na falésia da Ponta do Seixas, costa do estado da Paraíba, erodida ao ritmo de 27cm/ano.

Transposta a estiagem do Semiárido no Nordeste do país, cruzamos o Cerrado, o bioma que ostenta o título de maior exportador mundial de soja. Com a dimensão atual da Gronelândia ou do Congo, tem uma imprecisa zona de transição para a Amazônia, o que permite aos proprietários manter apenas 40% da vegetação original, contra o mínimo de 70% exigido na Amazônia Legal.

Prossegue este itinerário por 4.300km até alcançar o contraste absoluto da preservação da floresta na nascente do rio Moa na serra da Contamana, incrustada no Parque Nacional da Serra do Divisor, localizado no extremo ocidental do país, o município de Mâncio Lima, minimamente povoado (19.294 pessoas, IBGE 2022), no estado do Acre, fronteira com o Peru.

Figura 2. Rotas setentrionais do Brasil leste-oeste a partir de Ponta do Seixas (Paraíba) com destino a Mâncio Lima (Acre): BR-230 (Transamazônica), BR-010 (Belém-Brasília), BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-219 (Manaus-Porto Velho). Fonte: Google Maps, elaborado pelo autor.

Alcançamos a exuberante e grandiosa floresta equatorial úmida do planeta, protagonizada por cerca 16 mil espécies e 390 mil milhões de árvores (Steege, 2013) muitas acima de 50 metros, compactadas e distribuídas entre terrenos variados, periodicamente submersos em igapós (do tupi, ‘rios de raízes’). Ainda em fase incipiente de urbanização, Belém e Manaus são capitais pouco arborizadas para abrigar em média 2 milhões de pessoas cada.

3º Termo de Lula da Silva: A reconstrução da ordem ambiental

Detalhada esta descrição da relação de espaço e tempo, cumpre aos governantes do presente século proteger a grandeza de tal património natural e fazer valer o artigo 225 da Constituição Federal, em seguida ao policy dismantling implantado pelos antecessores.

Do projeto inicial para reconstrução da agenda socioambiental, quando da posse de Marina Silva, já em junho de 2023, o Congresso Nacional refez por lei o ansiado superministério ambientalista. Doravante, subordinou prioridades como águas e saneamento ao Ministério do Desenvolvimento Regional e transferiu o sensível Cadastro Ambiental Rural à pasta da Gestão de Serviços Públicos.

Quis-se evitar o ativismo ambientalista nas decisões de pastas entregues ao “Centrão”, uma figura política flexível, tal como a Hidra de Lerna e seus flagelos, imbricada na vida brasileira contemporânea.

Predomina a variável política. Vigora na república o ‘presidencialismo de coalizão’, alternativa de governo pela qual o Presidente aclamado nas urnas necessita aprovar seus projetos com votos no Congresso vindos de parlamentares de oposição, referidos por “Centrão”, que não se distanciam do poder central desde a abertura democrática em 1985. É o próprio atual presidente da Câmara de Deputados, representante do estado de Alagoas, quem lidera o bloco, uma espécie de sindicato da maioria parlamentar de vocação patrimonialista e sob ideologia difusa, que exerce uma força significativa no Poder Executivo.

Um exemplo foi revelado pela imprensa: desde outubro de 2023, já foram empenhados para Alagoas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional dois terços dos recursos destinados à contenção de enchentes (cerca de €14 milhões). Entretanto, na primeira semana de maio corrente, ocorreram inundações no Rio Grande do Sul, cuja destruição exigirá do orçamento federal novos recursos para obras de reconstrução na área metropolitana de Porto Alegre.

Muitos parlamentares têm interesses especiais nos recursos aportados pelo Fundo Amazônia, o qual acumula um montante de USD 405 milhões, dobrado pelo recente aporte norueguês durante a COP 28. Porém, estes devem cobrir projetos para recuperação florestal.

Contraria o projeto o caso da polémica estrada BR-319, traçada em 1976 entre Manaus (capital do Amazonas) e Porto Velho (Rondônia), cuja reabilitação é ainda alvo de estudos de viabilidade por restrições orçamentárias, ambientais e direitos indígenas. Assim, adversários do governo federal posicionaram-se em favor da obra. Com isto superaram o lento rito de prévio licenciamento ambiental ao aprovar, ao final do exercício, lei que provê recursos do Fundo Amazônia para asfaltar aquela estrada específica, não condizente com seus propósitos.

A aliança entre o governo e o “Centrão” produz patchworks criativos ao reunir forças antagônicas em que ambos os lados ganham. Um resultado inédito foi o arranjo de governança alcançado para transferir para a responsabilidade do estado do Mato Grosso a autonomia da concessão da rodovia federal BR-163, que serve de escoadouro de grãos entre a capital Cuiabá (MT) e Santarém (Pará), e dali para embarque fluvial. No Brasil, as estradas são o espaço dos camionistas, um movimento organizado com ressonância eleitoral nacional.

O agronegócio espera conhecer o futuro da linha ferroviária Ferrogrão, que tenciona cortar o imenso Parque Nacional de Jamanxim. Intervirá aqui o terceiro ator fundamental na realidade da gestão pública do país, o Supremo Tribunal Federal, ora incumbido da solução de litígios entre ambientalistas e investidores. Também houve divergências dentro do próprio governo federal. Em maio de 2023 o MMAMC vetou o pedido de licença para prospecção de petróleo na foz do rio Amazonas pela Petrobras, a principal estatal e maior empresa do país.

Encaminhamentos até a COP30

El Niño contribuiu com temperaturas anormais, escassez e excesso de chuvas, e perdas efetivas do agronegócio em 2023. No Cerrado, os incêndios destruíram 3.532 km² do bioma, ou seja, o tamanho da Área Metropolitana de Lisboa. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registaram um aumento de 35% de incêndios sobre o ano anterior, verificado no inverno seco (maio a agosto), acelerados por fortes ventos, que levantam variados níveis de depósitos de carbono.

Por sua vez, a Lei Orçamentária para 2024 definiu para o Meio Ambiente um teto quatro vezes menor, em termos correntes, do que em 2014. Com apenas dois institutos nacionais especializados (IBAMA e ICMBIO) inclusive biodiversidade, a pasta deve consolidar 335 unidades de pesquisa (parques, reservas, etc.), cobrir mais de 200.000 km², executar 1.300 operações de fiscalização em áreas federais prioritárias, inclusive prevenir incêndios. Sobre esse assunto, um grupo de cientistas propõe adotar “Arcos de Restauração”, áreas contíguas declaradas de desflorestação extinta até 2030, com recomposição da cobertura florestal perdida e mitigação de incêndios.

A Ministra já optou por uma agenda sistémica para o tema desflorestação. Com representatividade ampliada, reinstalou, em outubro passado, a Comissão Nacional REDD+ para coordenar grupos científicos de negociações da UNFCCC e prover referências dos níveis de emissão das florestas transparentes (FREL), . Além disso, o confronto de interesses será animado com os debates sobre o do mercado de créditos de carbono, cujo projeto de lei do governo excluiu na raiz a sua aplicação pelo setor do agronegócio, incontido em seu ímpeto de competitividade que, porém, já transige aos efeitos das transformações climáticas. Por último, La Niña é novamente aguardada para o segundo semestre do ano (INMET, 2024). É colossal o desafio.

Os factos reportados refletem um acelerado processo de resgate da seriedade da gestão pública dos ativos ambientais, mesmo sob apoio político incerto. Condicionado pela recuperação da economia, controle da inflação e o déficit do PIB próximo a zero (estima-se o crescimento de até 2%), à medida que se aproxime a COP-30 – não obstante as dificuldades logísticas de hospedagem em Belém -, espera-se dispor de melhores índices para atender aos compromissos originais brasileiros em foro multilateral. Consumados os desmandos entre 2019 e 2022, nota-se a sedimentação quotidiana da consciência ambiental na sociedade em geral, que abraça gradualmente os valores do desenvolvimento sustentável, governança socioambiental e economia circular, até aqui efémeros.


Luiz Carlos de Brito Lourenço é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (Brasil), e Investigador Associado do ICS/Universidade de Lisboa.

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