Participação na cadeia de valor do café: Uma investigação antropológica para apontar as assimetrias de poder

Por: Marie Sigrist

Já parou para pensar de onde vem esse café que você tomou hoje de manhã? Pois, então, pode ter sido cultivado no Brasil. De fato, mais de um terço do café exportado no mundo é produzido no Brasil. E, se o seu café é brasileiro, é bem provável que venha do Estado de Minas Gerais, que forneceu 22 milhões de sacas em 2022, ou seja, mais de 40% da produção do café brasileiro. Mais especificamente, o sul de Minas Gerais é apropriado para cafeicultura devido às suas cadeias de montanhas, temperaturas médias de 20 graus por ano e à sua latitude. Aliás, a região assumiu a liderança na produção nacional há cerca de 50 anos.


Figura 1. Lavouras de café no sul de Minas Gerais (Brasil). Autora: Marie Sigrist.

Porém, cadeias de valor agroalimentar globais, tal como a do café, estão sujeitas a problemáticas cruciais. De um lado, são responsáveis por impactos ecológicos altamente negativos, impulsionando a ultrapassagem dos limites planetários e causando perda de biodiversidade, através de desmatamento, erosão do solo e poluição da água. Tais impactos também afetam os próprios atores da cadeia do café. Apesar da falta de recursos para os cafeicultores durante o período da pandemia de Covid-19, o aumento da intensidade de fenômenos climáticos no sul de Minas Gerais e as alterações do clima globalcomo secas (anos 2020 e 2021), tempestades de granizo (último trimestre de 2022) e geadas anuais no sul de Minas Gerais afetaram ainda mais a produção local e recursos dos cafeicultores. De outro lado, relações assimétricas de poder ocorrem dentro das cadeias de valor agroalimentares globais. Elas se traduzem em pressões entre os atores envolvidos para usar a terra e acessar o mercado global e pela exclusão dos principais atores dos processos de tomada de decisão. No sul de Minas Gerais, a cadeia de valor do café contém uma grande diversidade de produtores, mas aparece bastante polarizada. De fato, mais de 50% dos produtores têm estatuto de agricultura familiar (tendo de 1 ha até 10 ha de terra). Outra parte são grandes empresas produtoras e exportadoras de café que podem ter até mais de 1.000 ha. Grandes cooperativas também desempenham um papel importante na região, já que um pouco menos de 70% do café da região circula pelos seus armazéns e departamentos próprios de exportação. A referência a seguir, nesse sistema mercantil, é o valor da saca de café corrente (“bica”) na bolsa de Nova Iorque. Mas, para contrabalançar as flutuações devidas às instabilidades citadas anteriormente, aparece a terceira onda do café, que gira em torno da produção de café de alta qualidade, chamada “café especial”. Isso incentiva os produtores a obter certificações e a concorrer em concursos para poderem vender com valor até 10 vezes mais alto do que o “café bica”. Atrás dos bastidores da corrida pelo dinheiro, quer seja pela saca corrente ou de café especial, atores marginalizados encontram assimetrias de poder. Um pouco mais de 80 mil pessoas trabalham nas lavouras de café do sul de Minas Gerais todos os anos, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Uma parte deles encontra alta precariedade, pobreza – alguns se encontram em situação de escravidão moderna – e baixa participação nos processos decisórios, ainda mais quando são mulheres, apesar de elas terem um envolvimento importante na produção do café na agricultura familiar.


Figura 2. Trabalhadores rurais capinando numa lavoura de café (Brasil). Autora: Marie Sigrist.

Envolvida num projeto mais amplo e buscando entender o vínculo entre qualidade deliberativa e as pegadas ecológicas dentro da cadeia de valor do café, a minha pesquisa busca entender particularmente quais são as assimetrias de poder na cadeia do café no Brasil e como e onde ocorrem a participação e a deliberação. O trabalho de campo foi realizado em áreas cafeicultoras no sul de Minas Gerais (no Campo das Vertentes e na Mantiqueira de Minas). Um primeiro estudo exploratório com método de mapeamento da cadeia, seguido por campo de investigação etnológica com método “bola-de-neve”, permitiu realizar entrevistas semi-diretivas com vários atores da cadeia (trabalhadores rurais, cafeicultores, líderes de cooperativas e associações, gerentes de armazéns, provadores, torradores, baristas). Observação participante e conversas informais também permitiram compreender as dinâmicas cotidianas e excepcionais dentro da cadeia e entre os atores. Confirmamos a existência de assimetrias de poder nessas áreas, tanto sócio-econômicas quanto raciais ou de gênero. A análise dos dados, em curso, vai permitir precisar de que formas elas operam.


Marie Sigrist é doutora em antropologia social (Université de Tours). Investigadora do grupo AgroEcological Transitions (ETH Zürich), ela está atualmente em visita acadêmica no ICS (Universidade de Lisboa). Trabalha sobre a organização da cadeia de valor do café com foco sócio-antropológico. Também possui experiência em projetos sobre o deslocamento em áreas rurais na França e sobre o vínculo entre migrações e alimentação entre França e Brasil. marie.sigrist@usys.ethz.ch

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