Por: Rafael Albuquerque Xavier
De acordo com o 6° Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, 2023), entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas vivem em vulnerabilidade face às mudanças climáticas. O aumento de eventos meteorológicos e climáticos extremos tem exposto milhões de pessoas à insegurança alimentar aguda e reduzido a segurança hídrica. Dentre esses fenômenos climáticos, as secas têm se tornado cada vez mais severas e frequentes, comprometendo a segurança hídrica em diversas regiões do mundo, principalmente das zonas áridas e semiáridas.
Dentro desse contexto, está sendo desenvolvido uma pesquisa sobre os impactos das mudanças climáticas na segurança hídrica no município de Campina Grande na Paraíba, região semiárida do Brasil. Esse estudo faz parte do meu pós-doutorado junto ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), sob supervisão de Luísa Schmidt e Carla Gomes, e está inserido dentro do projeto global “Desafios escalares da governança da água em territórios hidrossociais no Brasil em contexto de mudanças climáticas: um estudo comparado com México, Portugal e Inglaterra”, coordenado pelo Prof. José Irivaldo Alves Oliveira Silva. Como parte integrante das ações desse projeto, encontra-se também no ICS-ULisboa realizando seu estágio de doutorado sandwich a doutoranda Maria de Lourdes Saturnino Gomes, da Universidade Federal de Campina Grande, com o projeto “Governança da água nas dimensões político-institucionais em territórios hidrossociais no Cariri Paraiba”.
Como objetivo principal o estudo busca analisar os impactos das mudanças climáticas sobre a segurança hídrica do principal reservatório que abastece Campina Grande e região. Dessa forma, estão sendo elaborados cenários futuros dos impactos das mudanças climáticas sobre a bacia hidrográfica de contribuição do açude Epitácio Pessoa e, assim, discutir a sua segurança hídrica para as próximas décadas. A pesquisa utiliza bases de dados globais e modelos preditivos para as mudanças climáticas neste século, além de dados históricos dos volumes do reservatório, do crescimento econômico e populacional.
O município de Campina Grande está localizado na região semiárida do Brasil, especificamente no Estado da Paraíba, e possui cerca de 420 mil habitantes. Ao longo de sua história, o município sempre teve o abastecimento de água como um entrave ao seu crescimento e, nesse sentido, a construção de diversos açudes (albufeiras) foi necessária para acompanhar o seu desenvolvimento.
Durante os séculos XIX e XX, Campina Grande foi abastecida por diversos reservatórios que sempre colapsaram à medida que o município se desenvolvia. A figura 1 mostra a cidade de Campina Grande e três desses reservatórios que foram construídos e abandonados por não atenderem a demanda hídrica crescente. Atualmente esses reservatórios foram incorporados na cidade como áreas de lazer e cumprem função paisagística.

Figura 1. Parte da cidade de Campina Grande com destaque para os açudes Velho, Novo (foi aterrado) e Bodocongó. Foto: Gabriel de Paiva Cavalcante, acervo Geografia da Paraíba, 2024.
A situação hídrica só teve maior estabilidade com a inauguração do Açude Epitácio Pessoa em 1957 e da adutora construída para levar água para Campina Grande em 1958. Assim, o Açude Epitácio Pessoa, ou Açude Boqueirão, com capacidade inicial de 536 hm3, abastece Campina Grande e mais 22 municípios da Paraíba.
Desde então, acreditou-se que o problema da insegurança hídrica estava resolvido. Recentemente, o reservatório enfrentou a pior seca da sua história, entre os anos de 2012 e 2017, levando Campina Grande e região a um longo racionamento de água que durou de dezembro de 2014 até agosto de 2017.
Em abril de 2017, o açude Epitácio Pessoa atingiu o pior nível volumétrico da sua história, com apenas 2,9% da sua capacidade total (Figura 2). Essa situação dramática foi gradativamente sendo superada com o início da chegada das águas da transposição do Rio São Francisco. Aceleraram as obras do eixo-leste para que as águas chegassem mais rápido ao Rio Paraíba, e deste até o açude.

Figura 2. Imagens de Satélite do Açude Epitácio Pessoa. Fonte: Google Earth.
Essa seca mostrou o quanto a insegurança hídrica continua a estar presente em Campina Grande. Em tempos de mudanças climáticas, acende o alerta sobre as previsões de aumento de temperatura, diminuição dos totais de precipitação, aumento da concentração das chuvas e principalmente e o agravamento do balanço hídrico negativo para as próximas décadas. Por outro lado, destaca-se a crescente demanda hídrica na região. Campina Grande teve um aumento populacional de 115%, nos últimos 50 anos, e de 107% no seu PIB, nos últimos 10 anos, revelando novos padrões de produção e consumo.
Diante desse cenário, qual o nível de segurança hídrica do açude Epitácio Pessoa para o decorrer deste século? Soma-se a este contexto sensível, os projetos de expansão da infraestrutura hídrica previstos pelo Governo do Estado, que visam aumentar a captação e distribuição de água a partir do açude Epitácio Pessoa.
Todos esses reservatórios, incluindo o rio São Francisco, dependem de água das chuvas para a recarga dos mananciais. As previsões são de cenários desfavoráveis para a segurança hídrica no semiárido brasileiro. Ao que tudo indica, o açude Epitácio Pessoa sofrerá cada vez mais com as secas e dependerá muito mais das águas da transposição para sua manutenção hídrica.
Assim, esse estudo contribuirá com a análise da segurança hídrica de Campina Grande e região a partir da discussão sobre a vida-útil deste reservatório face às previsões das mudanças climáticas para este século. Por fim, serão propostas alternativas de mitigação das crises hídricas e adaptação aos novos cenários climáticos.
Rafael Albuquerque Xavier é investigador visitante no ICS ULisboa. Graduado em Geografia, mestre em Geografia e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor Associado do Departamento de Geografia da Universidade Estadual da Paraíba, é Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da UEPB e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPB. Coordena o grupo de pesquisas sobre Geomorfologia e Hidroecologia de Ambientes Tropicais (GEGHAT).

