Por: João Guerra, Leonor Prata e Luísa Schmidt
Os membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) estão unidos por laços linguísticos, históricos, culturais e políticos, reforçados nos nossos dias por desafios transversais, como é o caso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Num contexto em que à crise climática se junta uma crise sanitária, a Educação Ambiental (EA) ganha importância acrescida. Com efeito, a EA reclama-se intergeracional e transdisciplinar, integrando não apenas a qualidade ambiental, mas também a qualidade de vida e a saúde humana. Daí que, desde a Conferência de Estocolmo (1972), as abordagens de EA tenham vindo i) a alargar-se a várias formas de conhecimento; ii) a fomentar a participação e o sentido critico; e iii) a desenvolver competências e práticas reflexivas e mobilizadoras. Neste panorama de crises múltiplas, a EA tornou-se, por isso, cada vez mais necessária por desenvolver abordagens participativas que favorecem capacidades de redução de risco e resiliência perante desastres, particularmente junto da mais vulnerável população infantojuvenil.

Fonte: Associação Programa Tatô, São Tomé e Príncipe (2020)
Apresentam-se de seguida alguns testemunhos de 160 especialistas em EA recolhidos no âmbito do Segundo Inquérito de Educação Ambiental da CPLP (EA2CPLP). A reflexão sobre eles foca-se particularmente no estado atual dos processos da EA, sua relação com a Agenda 2030 e o impacto da Pandemia Covid-19.
Introdução ao EA2CPLP
Em 2017, o Observa (ICS-ULisboa) e a Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA) desenvolveram um estudo pioneiro que diagnosticou e mapeou as políticas, a legislação e os recursos disponíveis nas áreas da EA e da proteção ambiental na CPLP, procurando apoiar o processo de desenvolvimento da Agenda 2030 e dos ODS. Dois anos e meio depois, procedeu-se à atualização e aprofundamento de resultados, com a segunda edição do inquérito, desta vez com foco no estado atual dos ODS e suas repercussões na EA, bem como os múltiplos impactos da pandemia e abordagens para lhe fazer frente. Renovando a colaboração entre o Observa e a ASPEA, a segunda edição contou com a colaboração de Tim O’Riordan (Universidade de East Anglia), e também com o apoio de Doutorandos (PDACPDS, ICS-ULisboa) na validação do inquérito às diferentes realidades nacionais e na sua posterior divulgação.

Fonte: EA2CPLP (2020)
Mobilizando uma estratégia de amostragem não probabilística num processo de bola de neve junto de especialistas de EA na CPLP, a recolha realizou-se entre abril e outubro de 2020. O número de respostas variou muito em função do país de origem, como se pode constatar na Figura 2.
Contributos da Educação Ambiental no contexto pandémico
São crises interligadas as que nos têm afetado: crise económica e os seus efeitos no agudizar das desigualdades sociais, crise climática e o agudizar de vulnerabilidades geoeconómicas e crise sanitária (COVID-19) e o seu triplo golpe para a saúde, a educação e os rendimentos. Globalmente, portanto, estas crises colocam dificuldades e novos desafios à Agenda 2030, assim como aos seus dezassete objetivos que procuram promover a sustentabilidade. Nesta conjuntura complexa e socialmente inquietante, o contributo da EA para promover resiliência (capacidade de recuperar o equilíbrio perdido) ganha um peso acrescido. Com efeito, a EA procura promover uma educação de qualidade, capaz de garantir literacias essenciais em áreas tão distintas como ambiente, saúde, segurança alimentar ou saneamento, bem como instalar capacidade de ação transversal e multinível para enfrentar as múltiplas crises da atualidade.
A Agenda 2030 e a prossecução dos seus objetivos
A Agenda 2030 tem por objetivo orientar os diversos países e comunidades no caminho do desenvolvimento sustentável, o que inclui os dezassete ODS, que abrangem múltiplas metas, desde a erradicação da fome e da pobreza à proteção da qualidade ambiental (vida terrestre e vida marinha). O documento foi concluído em 2015 pela generalidade dos membros da Organização das Nações Unidas e reforça o compromisso para o estabelecimento de ações rumo ao desenvolvimento sustentável em todo o planeta, seja nos países desenvolvidos, seja nos países em desenvolvimento.

Fonte: EA2CPLP (2020)
Na avaliação geral atribuída à prossecução nacional da Agenda 2030, os especialistas respondentes posicionaram-se de forma intermédia (média de 3 numa escala entre 1 e 6) dependendo dos diferentes objetivos (Figura 3). Os ODS com uma avaliação mais negativa relacionam-se, sobretudo, com as desigualdades sociais, o sistema económico, e as áreas urbanas. Avaliação, aliás, consonante com as análises realizadas ao nível internacional pré-pandemia, como mostram os resultados do Relatório da ONU ”Sustainable Development Outlook 2020”.

Fonte: EA2CPLP (2020)
Por outro lado, verificamos que até áreas consideradas mais bem conseguidas no âmbito da Agenda 2030 – por exemplo água e saneamento, ou educação de qualidade – de acordo com a avaliação dos inquiridos, estão atualmente vulneráveis aos efeitos da pandemia (Figura 4). O ODS 6 – água e saneamento é, aliás, identificado como particularmente vulnerável na Guiné-Bissau, em Angola e no Brasil, sublinhando, assim, dados internacionais que identificam insuficiências claras nesta área, tendo em vista as metas propostas para 2030. Talvez porque os inquiridos assumem que a pandemia terá impacto sobretudo nas questões sociais, as áreas da conservação da natureza (ODS 14 e 15) são apontadas como das menos vulneráveis às suas consequências. Já a avaliação do ODS sobre a Ação Climática, visto como mais transversal, é claramente negativa (2,8 num máximo de 6).
Reflexões finais
Enquanto prioridades para os países da CPLP, os especialistas apontam, sobretudo, o incremento da cooperação e o estabelecimento de redes e meios de financiamento que permitam, antes de mais, a promoção de uma EA com ação sustentada nas realidades dos países da CPLP. Sublinham, ainda, o papel da CPLP no fortalecimento do compromisso global em defesa dos direitos humanos e na área da justiça ambiental, sem esquecer a luta contra os múltiplos efeitos da pandemia. Neste contexto identificam-se alguns sinais positivos, como a recente criação de um novo observatório do clima da CPLP, um particular empenho nos ODS e o papel que podem desempenhar na solução de problemas.Aguardemos, então, com expectativa, os próximos desenvolvimentos.
Em breve, será publicado um Research Brief do Observa com estes dados.
João Guerra é sociólogo, investigador auxiliar no ICS-ULisboa e cocoordenador do Seminário de Ciências da Sustentabilidade e Alterações Climáticas no Programa Doutoral de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Desde 2019, integra a equipa de coordenação da Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia.
joao.guerra@ics.ulisboa.pt
Leonor Prata é doutoranda em Sociologia – OpenSoc no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa-, e bolseira de investigação integrada no Observatório de Ambiente, Território e Sociedade. Colabora como investigadora no EA2CPLP (Segundo Inquérito de Educação Ambiental na Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
leonor.prata@ics.ulisboa.pt
Luísa Schmidt é socióloga, coordenadora do Observa – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Integra o Comité Científico do Programa Doutoral em ‘Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável’.
mlschmidt@ics.ulisboa.pt