Por Ana Delicado, Jussara Rowland, João Estevens, Roberto Falanga, Mónica Truninger
As alterações climáticas são um embuste inventado pela China. As vacinas causam autismo. Os alimentos com OGM (Organismos Geneticamente Modificados) fazem mal à saúde. A homeopatia cura o cancro, mas as empresas farmacêuticas não querem que se saiba. O Homem nunca foi à Lua. A Terra é plana.
São muitas as ideias que circulam nas redes sociais que contrariam o consenso científico prevalente. São transmitidas entre amigos, publicadas em websites, partilhadas em fóruns de discussão. A sua disseminação aumenta o número de crentes. E, se opiniões toda a gente tem a sua, quando formam a base da tomada de decisão podem tornar-se prejudiciais para a sociedade. Pais que não vacinam os filhos não só põem em risco de vida as suas crianças como contribuem para a eclosão de epidemias. Céticos das alterações climáticas opõem-se a medidas de mitigação das emissões poluentes que poderiam impedir a catástrofe iminente. Em determinadas doenças, pacientes que substituem a medicina convencional por terapêuticas alternativas incorrem numa maior probabilidade de agravar o seu estado de saúde e até de morrer.
O que explica então a popularidade destas crenças sem fundamento científico? Por que parece que circulam mais depressa junto das populações do que a informação que é consensual entre os cientistas? E que são mais credíveis? O que se pode fazer para promover a comunicação de ciência e a confiança nas fontes de base científica?
É a estas questões que o projeto CONCISE procura dar resposta. De seu nome completo “O papel da comunicação nas perceções e crenças dos cidadãos europeus sobre ciência”, o CONCISE é um projeto financiado pela Comissão Europeia através do programa Horizonte 2020 (Nº de referência: 824537) coordenado por Carolina Moreno da Universidade de Valência, no qual participam cinco universidades (Universidade de Valência e Universidade Pompeo Fabra de Espanha, Universidade de Lisboa, Universidade de Travna da Eslováquia e Universidade de Lodz da Polónia), duas associações (AECC – Associação Espanhola de Comunicação de Ciência de Espanha e Observa de Itália) e duas empresas (Danmar Computers da Polónia e FyG Consultores de Espanha). Teve início em dezembro de 2018 e terá a duração de dois anos. O ICS-ULisboa é o único parceiro português no consórcio.
O cerne deste projeto é a realização de consultas públicas nos cinco países participantes, onde se procura explorar como é que os cidadãos acedem e percecionam a comunicação científica, como tomam decisões sobre questões de índole científica e que fontes de informação usam e nas quais confiam para ter acesso a informações científicas. Tomando como mote quatro “tópicos quentes” da ciência atual – alterações climáticas, OGM, vacinas e medicinas alternativas – pede-se aos cidadãos (100 em cada país) que venham discutir a comunicação de ciência, de forma a contribuir para aumentar a sua quantidade e qualidade. Esta metodologia procura colmatar as lacunas de outras técnicas de auscultação do público da ciência, como os inquéritos por questionário, proporcionando um debate aprofundado entre os participantes e recolhendo os seus contributos sobre o tema.
Depois de meses de preparação, durante os quais as equipas das oito instituições procuraram conceber uma metodologia que respondesse às questões de investigação e que fosse passível de ser executada nos cinco países, com procedimentos e resultados comparáveis, as consultas tiveram início em setembro, em Verona (Itália). Seguiu-se-lhe Lodz (Polónia), ainda em setembro, Travna (Eslováquia) e Valência (Espanha) em outubro e, finalmente, Lisboa, em novembro.

As consultas CONCISE revelaram-se particularmente desafiantes.
Em primeiro lugar foi necessário escolher um local para albergar 100 cidadãos durante um dia inteiro, que fosse acolhedor e propício à discussão. A equipa italiana começou em grande, reservando para o efeito um palacete setecentista perto de Verona. Travna e Lodz optaram por utilizar as suas próprias instalações. Valência realizou a consulta no Jardim Botânico da cidade. Em Lisboa, optámos pelo Centro Cultural de Belém, com magníficas vistas sobre o rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos no único dia de sol de uma semana de chuva e mau tempo.
Em segundo lugar, tivemos de recrutar 100 cidadãos disponíveis para prescindir de um dia de lazer (as consultas realizaram-se sempre ao sábado) para vir discutir comunicação de ciência. Envio de emails para listas de contactos variadas, artigos nas redes sociais, comunicados de imprensa, presença em eventos, relações pessoais, de tudo nos socorremos para garantir que a informação sobre o projeto e as consultas chegavam ao maior número (e diversidade) de cidadãos possível. Monitorizámos regulamente as inscrições, contactámos repetidamente os inscritos, procurámos de todas as formas assegurar que chegado o dia da consulta conseguiríamos cumprir a meta acordada. Em Lisboa conseguimos, à justa, 102 participantes depois de andarmos em sobressalto a lidar com algumas desistências nos dias imediatamente anteriores à consulta. Valeu-nos termos recrutado muito mais pessoas do que as estritamente necessárias, para fazer face ao já conhecido problema das desistências de última hora.
Em terceiro lugar, foi preciso conceber e executar toda a logística necessária para organizar um evento científico destas dimensões. Recrutar e formar 12 moderadores e 12 observadores que, de forma voluntária, estivessem presentes no dia da consulta para dinamizarem cada mesa de discussão. Traduzir os guiões para a discussão de cada um dos quatro tópicos e os questionários das atividades quantitativas que encerravam cada tópico, a partir da língua franca comum (inglês) e para as cinco línguas dos países do consórcio. Assegurar transporte e alojamento para os participantes residentes noutras localidades (em Portugal, cerca de 60 participantes residiam fora de Lisboa). Contratar serviços de fornecimento de refeições e providenciar materiais de brinde oferecidos a participantes, moderadores e observadores. Imprimir centenas de páginas de formulários, questionários, autorizações. Distribuir participantes, moderadores e observadores por mesas, assegurando equilíbrio de género, de idade e de região.
Em quarto lugar, tivemos de garantir que no próprio dia tudo corria segundo o planeado. Que os participantes faziam o registo à entrada, se sentavam nas mesas corretas e assinavam os formulários de consentimento. Que moderadores e observadores tinham todo o material necessário, incluindo gravadores a funcionar. Que as discussões decorriam no tempo atribuído, sem atrasos no programa. Que os participantes tinham todas as condições para um debate profícuo, que estavam alimentados, hidratados e confortáveis. Que, no final, todos recebiam os brindes e reembolsos correspondentes e saíam satisfeitos e motivados para continuar a participar e contribuir para a produção de conhecimento científico.

Mas os verdadeiros desafios começam agora. Temos dezenas de horas de gravação para transcrever, centenas de folhas de questionários para introduzir em base de dados, fotografias e vídeos para rever e traduzir. E, mais importante que tudo, um volume muito considerável de dados para analisar e extrair resultados. Porque será a partir desta análise que conseguiremos responder às perguntas de investigação que nos levaram a empreender este trabalho.
Apesar dos desafios, ganhámos algo muito importante: um conhecimento e experiência aprofundados de como organizar consultas públicas bem-sucedidas! Algo que é extremamente valioso nas nossas sociedades, onde o envolvimento dos cidadãos na ciência é cada vez mais valorizado.
Nota: a equipa CONCISE está muito grata a todos os investigadores e alunos do ICS-ULisboa que colaboraram na consulta pública como moderadores e observadores. Sem eles, nada disto teria sido possível.
Ana Delicado é investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e vice-coordenadora do Observa.
Jussara Rowland é socióloga e colaboradora no projeto CONCISE – Papel da comunicação na perceção e crenças dos cidadãos europeus sobre ciência, financiado pela Comissão Europeia ao abrigo do programa Horizonte 2020.
João Estevens é investigador no ICS-ULisboa, fazendo parte do grupo de investigação ‘Ambiente, Território e Sociedade’. Bolseiro de investigação no projeto H2020 CONCISE – O papel da comunicação na perceção e crenças dos cidadãos europeus sobre ciência.
Roberto Falanga é investigador de Pós-Doutoramento no ICS-ULisboa. É membro do Grupo de Investigação de Ambiente, Território e Sociedade e desenvolve a sua investigação/ação em torno dos processos de participação da sociedade civil nas decisões públicas.
Mónica Truninger é investigadora auxiliar do ICS-ULisboa e coordena o Grupo de Investigação de Ambiente, Território e Sociedade.
Excelente trabalho. Parabéns!
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