Comunicação como compromisso: o projeto ReSEED

Por Dulce Freire e Caroline Delmazo

Papers. Pôsters. Conferências. Seminários. A divulgação dos resultados do trabalho de pesquisa para a comunidade acadêmica é parte da rotina dos investigadores. Trata-se da disseminação científica, que é “natural” no contexto de investigação. Esta é, entretanto, apenas uma parte de um processo mais amplo de comunicar a ciência, que tem como objetivo alcançar a sociedade, pessoas que não são especialistas no tema investigado, e não apenas os pares académicos.

Reconhecer a comunicação da ciência como uma função do investigador e não como uma atividade exterior à investigação é o primeiro passo para fazer parte de uma mudança de paradigma que já está em curso. Se antes a comunicação do trabalho científico à sociedade era quase que completamente realizada pelos media, as novas ferramentas do mundo digital proporcionam aos investigadores um contexto favorável ao contacto direto com diversos públicos. Redes sociais, blogues, entre outras ferramentas, possibilitam não só uma comunicação sem intermediários como abrem espaço para uma via de mão dupla, para a interação entre cientistas e sociedade.

Enquanto projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação, o ReSEED tem como obrigação a devida comunicação não só dos resultados (disseminação) como da “jornada” científica como um todo. Está no artigo 38 do Grant Agreement: “Os beneficiários devem promover a ação e seus resultados, fornecendo informações direcionadas a múltiplos públicos (incluindo os media e o público) de maneira estratégica e eficaz”.

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A investigadora principal do ReSEED, Dulce Freire, a interagir diretamente com adolescentes no evento “Descobre a ULisboa”: diferentes estratégias de comunicação para diferentes públicos. Fonte: Autoras.

Mais do que uma obrigação, para o ReSEED a comunicação é um compromisso. É preciso dar a conhecer aos cidadãos o que está a ser feito com o dinheiro dos impostos! Temos como premissa que, mais do que traduzir, devemos aproximar, mostrar como a pesquisa pode ter consequências e relevância na vida das pessoas.

 Mesmo na rotina da investigação, o cuidado com a comunicação se dá de várias outras formas. Falar de públicos no plural é necessário porque a comunicação da ciência não é apenas dirigida ao público geral não-especialista. Os media continuam a ser parceiros fundamentais na divulgação do trabalho científico e é preciso também favorecer a comunicação por meio do jornalismo. Para isso, duas atitudes são fundamentais: preocupar-se em entender como funciona a dinâmica das redações, os critérios de noticiabilidade e as demandas jornalísticas – para perceber mais claramente como chamar atenção para o trabalho científico e permitir que seja divulgado da melhor forma possível-, e ter disponibilidade para o contacto com os jornalistas, ou seja, dedicar tempo para realização de entrevistas, fotos, vídeos, participação em debates e outras demandas necessárias à concretização da divulgação jornalística.

Faz-se importante ressaltar ainda que há públicos específicos de cada investigação que devem receber o cuidado adequado do ponto de vista da comunicação. Comunicar bem o que é um projeto, suas demandas e possíveis benefícios é uma forma de facilitar o trabalho em instituições públicas e privadas essenciais para a pesquisa. Pessoas que têm menos acesso à comunicação digital e que devem ser alcançadas por serem importantes para a investigação suscitam outra estratégia de comunicação, que podem não passar pelo Facebook ou Twitter. Em um projeto como o ReSEED, o contacto com os agricultores é fundamental. Uma forma de chegar até eles é participar de eventos organizados pelas associações locais e/ou profissionais, e aproveitar a oportunidade de explicar-lhes pessoalmente o que é o projeto e estimular a participação. Isso ocorreu, por exemplo, no I Congresso Ibérico do Milho, em fevereiro de 2019, em Lisboa, que contou com a presença de centenas de agricultores e empresários ligados a este subsetor.

O caminho para conciliar as “diversas comunicações” é ter bem claras as mensagens que o investigador ou projeto de investigação quer transmitir a cada um dos públicos e escolher as melhores ferramentas para chegar a cada um deles. A elaboração de um plano estratégico de comunicação que sistematize tudo isso é uma forma de organizar o trabalho e não perder de vista os objetivos e resultados esperados pela comunicação.

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Screenshot da página do projeto ReSEED no Facebook: o projeto é ibérico. Quando o foco é o público de Espanha, o post é feito em espanhol. Fonte: Autoras.

O ReSEED está a completar sete meses e já está a colocar em prática algumas das estratégias de comunicação. Para o maior contacto com o público geral, foi criada a página do projeto no Facebook logo no início das atividades. O idioma de cada post depende do público-alvo do conteúdo em questão, e por isso são escritos em português (público nacional), espanhol (público de Espanha, uma vez que o projeto é Ibérico) ou inglês (público mais amplo, como no momento de divulgação dos editais para a formação da equipa). Em fevereiro deste ano, o projeto abriu o perfil no Twitter, com foco na comunidade acadêmica e conteúdo em inglês. O trabalho segue as orientações dadas pelo Conselho Europeu de Investigação e pelo programa Horizonte 2020, mas também está a testar novas estratégias. É feito, por exemplo, um trabalho de comunicação prévio a cada missão de investigação, que estamos a chamar de “produção da investigação” e que tem como referência a produção em meios de comunicação social na etapa prévia à chegada ao terreno. O objetivo é dar a conhecer o projeto e consciencializar os envolvidos das necessidades específicas da missão, para dinamizar o trabalho quando os investigadores ali estiverem.

Aprende-se a cada dia, observam-se os efeitos iniciais, e há a consciência de que é preciso dar espaço para rever, revisitar e modificar o que na prática não teve o efeito esperado A comunicação é viva e, assim como a ciência, é constantemente transformada.


Dulce Freire é historiadora, investigadora principal no ICS-ULisboa e coordenadora projeto ReSEED, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação. Tem estudado temáticas de história da agricultura e alimentação. Publicou diversos artigos e livros sobre estas questões.

Caroline Delmazo trabalhou como jornalista por 12 anos no Brasil e em Espanha, é mestre em Novos Media e Práticas Web pela Universidade Nova de Lisboa e atualmente é a gestora do projeto ReSEED, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação.

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