Por Mônica Prado, com colaboração de Rui Simões e Marcelo Fernandes
Norte de Portugal foi o destino da viagem de estudos dos alunos do ano académico 2018/2019 do programa doutoral Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável (PDACPDS), um consórcio da Universidade de Lisboa (UL) e da Universidade Nova de Lisboa (UNL), que tem o Instituto de Ciências Sociais (ICS) como instituição de acolhimento. Aos alunos da 10ª edição do Programa juntaram-se alguns alunos da 9ª, e eu, aluna da 5/6ª edição, já concluinte. Os 25 alunos foram acompanhados pela secretária da Comissão Científica, Raquel Brito, e por cinco professores: Júlia Seixas (FCT), Luísa Schmidt (ICS), Gil Penha-Lopes (FC), João Ferrão (ICS) e Filipe D. Santos (FC), diretor do programa.

Percorremos de autocarro 860 km em dois dias (17 e 18 de maio), saindo de Lisboa em direção a Covilhã, nossa primeira parada, de aí a Seia, e depois a Peso da Régua, onde pernoitamos. Na manhã seguinte, partimos para Vila Real e de lá retornamos a Lisboa.

Nas quatro paradas previstas no programa, conhecemos inovação para reduzir emissões de carbono, fabrico artesanal de queijo e práticas de sustentabilidade nas vinhas do Alto Douro, uma Paisagem Património Mundial da Unesco. Ao longo do percurso, no entanto, aprendemos sobre florestas ardidas, vestígios de glaciares e a fé dos pastores de ovelhas. As palavras soltas ao vento pelos nossos interlocutores, por sua vez, permitiram-nos identificar problemas atuais: a presença já sentida de um clima que vem mudando e os altos custos para seu enfrentamento, a falta de mão de obra e o despovoamento.
No caminho entre Lisboa e Covilhã, pelas janelas do autocarro, observámos troncos negros e terra devastada. Eram os espaços queimados em 2017. O colega de doutoramento, engenheiro florestal Rui Simões, nos serviu de guia naquele terreno. E contextualizou o esforço de reaborização novamente com eucalipto, ainda que fosse a espécie mais associada aos incêndios florestais em Portugal que, naquele ano, queimaram cerca de meio milhão de hectares.

Na região em que passávamos, a produtividade do eucalipto já é baixa e os vários cenários de alterações climáticas elaborados para o país afastam essa espécie de toda a região centro interior de Portugal. Questionou-se então o paradigma da ocupação do território com uma espécie que contribui para o desenvolvimento da exportadora indústria da pasta e do papel, mas que é altamente inflamável, e que começa a exibir características invasoras. O setor da pasta e do papel, em 2017, representou 1,39% do PIB português, com um volume de vendas de 2,68 mil milhões de euros, segundo relatório estatístico da Associação da Indústria Papeleira (CELPA). Rui Simões, em outro momento da viagem, quando passámos pela serra do Marão, voltou a interpretar a paisagem envolvente referindo-se especificamente ao equilíbrio do território no vale da Vila Meã, onde as aldeias subsistem graças à complementaridade entre agricultura pastorícia e floresta autóctone.
Na Covilhã, nosso encontro foi com professores e alunos do Laboratório de Engenharia (C MADE), da Universidade da Beira Interior (UBI), que está a produzir blocos para construção civil (eCO2blocks – eCO2cement), que, quando prontos para o mercado, terão suas patentes liberadas para apoiar a responsabilidade socioambiental das empresas. O projeto premiado de fabrico e teste dos blocos foi explicado pelo engenheiro e professor João Castro Gomes, que enfatizou o uso de resíduos industriais (vidro e escória – subproduto da fundição de metais), a absorção de dióxido de carbono e a dispensa no uso de água para a produção, em comparação ao cimento Portland.

O laboratório também está testando espumas minerais para substituir espumas de poliuretano. “As espumas minerais podem ajudar a evitar o que ocorreu na discoteca Kiss, no Sul do Brasil, e outros desastres”, enfatizou o engenheiro João Gomes. A espuma de poliuretano, usada para isolamento acústico, é inflamável e gera uma fumaça tóxica. O C MADE funciona no prédio parcialmente restaurado de uma antiga fábrica de lã, que torna presente a importância de Covilhã como centro da indústria têxtil e da Rota da Lã em Portugal desde o século XII.
Para chegar a Seia, onde conhecemos o fabrico artesanal de queijo da Serra da Estrela pela empreendedora familiar Maria Natália Simão Lopes, cruzámos o Parque Natural da Serra da Estrela.

Durante esse percurso, parámos no Covão do Boi para ver a escultura em rocha granítica de sete metros de altura de Nossa Senhora da Boa Estrela, a padroeira dos pastores, inaugurada em 1946. A escultura foi uma encomenda de um pároco a António Duarte, pai do Prof. Filipe D. Santos, diretor do Programa. “Muitos verões foram passados aqui”, relembrou Prof. Filipe, enquanto estávamos ali parqueados. Ainda hoje as festividades para celebrar a fé e a proteção aos pastores de ovelhas são realizadas no segundo domingo de agosto.
Para além da fé fincada em pedra, esse percurso trouxe-nos aulas ao vivo sobre glaciares e seus vestígios na paisagem do planalto da Serra da Estrela. Marcelo Fernandes, geógrafo físico e aluno do doutoramento, ajudou-nos a entender o que víamos enquanto o autocarro subia ou descia sinuosamente a estrada. Focando essencialmente os registos herdados naquela que é a mais clássica paisagem glaciária no território nacional, identificaram-se formas de acumulação glaciária que delimitam a extensão dos antigos glaciares.

Os exemplos foram as moreias laterais e as formas de erosão como circos glaciários, covões e vales glaciários. Também tivemos oportunidade de identificar in situ morfologias associadas ao modelado granítico, tors, que se encontram conservados e que se pensa não terem sido afetados pelos glaciares.

No segundo dia de nossa viagem de estudo contemplámos a paisagem de montanha e o curso do Douro, com suas barragens e eclusas, entre Peso da Régua e Vila Real. A terceira parada do programa foi a Quinta do Bomfim, da Família Symington, tradicional produtora de vinho do Porto. Nessa visita fomos recebidos por Fernando Alves, engenheiro agrónomo responsável pelo departamento de R&D do empreendimento industrial. Ouvimos dele sobre o mercado competitivo do vinho produzido no Douro em comparação ao do Alentejo e ao do novo mundo, nome do mercado para os vinhos da Califórnia, Chile e Nova Zelândia. “A rentabilidade de 4 kg por hectare é a mais baixa, comparada com os 8 kg/hectare do Alentejo e os 14 kg/hectare do novo mundo”, enfatizou Fernando, explicando que o alto custo da produção se deve em parte ao uso de mão-de-obra intensiva e aos salários e em parte ao uso do solo e da água.
O impacto das alterações climáticas foi o centro da atenção no decorrer das explanações do engenheiro agrónomo. Os efeitos climáticos se evidenciam na plantação. O novo regime de chuvas, com alto volume de precipitação em curto espaço de tempo, já chegou, e os custos de reparação são altos. “O custo de reparação dos danos e em drenagem giram em torno de 40/50 euros por hectare aqui na Bomfim. Noutras Quintas, o custo sobe para 150/170 euros por hectare”, disse Fernando Alves. O complexo industrial da Família Symington é composto por 26 quintas, com um total de 2.255 hectares, sendo que 1.024 hectares são vinhas. O restante da área é de vegetação natural mediterrânica, com olivais e pomares de frutos cítricos (laranja, principalmente), que alguns colegas adoraram.

Além dos problemas com a precipitação que as estações meteorológicas do empreendimento industrial registram, como o dilúvio de 80mm em 40 minutos em 2015, temperatura a mais e água de menos também são outros dos efeitos. “Estamos envolvidos em aumentar a resiliência diante do stress térmico e do stress hídrico”, comentou Fernando, afirmando que a preocupação é constante pois só 20% da área plantada tem irrigação e que a técnica de pulverização de água durante ondas de calor ajuda, mas não resolve o problema considerando a sustentabilidade. Pensando no futuro, o empreendimento participa de dois projetos de inovação e alta tecnologia. O primeiro é um robô para monitorar a saúde das folhas e dos pés de videiras diante do quadro de calor e seca mais intensos. O VineScout, com visão 3D e sensores de ultrassom, integra um consórcio H2020 da União Europeia. O segundo é um projeto que visa mecanizar a colheita em montanhas de encostas em declive com apoio de parceiros alemães da indústria de máquinas agrícolas. No binômio informação científica e inovação tecnológica se assenta a vinicultura de precisão, espelho do empreendimento Symington.
A imitar a iniciativa PubhD que acontece mensalmente em Lisboa, onde estudantes de doutoramento têm conversas acadêmicas num bar, tivemos nosso último encontro num restaurante. Lá, ouvimos os professores Rui Cortes, João Carlos dos Santos e José Manuel Moutinho da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Os projetos desenvolvidos pelos professores dizem respeito a cenários climáticos para o Douro e a técnicas naturais para resistência da videira ao aumento da temperatura e à ausência de água.

O Prof. João Carlos dos Santos apresentou mapas climáticos mostrando que a subida da temperatura para 35oC poderá inviabilizar a produção de determinadas castas, ainda que com rega. O Prof. Rui Cortes explicou que as castas autótones do Douro são mais resilientes e que é necessário promover estudos sobre a biodiversidade genética das castas para que sejam catalogadas. O Prof. José Moutinho desenvolve seu projeto em torno de medidas de low cost que possam favorecer a pequenos agricultures que não podem ter acesso à rega. Seus estudos estão centrados na aplicação de caulino para evitar a queda na produtividade das folhas e dos cachos da videira, e o projeto foi premido pela ADVID em 2016.
Todo dito tem seu não-dito, o discurso escondido. Uma fala aqui, uma pergunta acolá, revelam que os empreendedores com quem conversámos ao longo dessa viagem de estudo se ressentem da falta de gente. “Não há mão-de-obra para trabalhar na vinha”, diz-me o engenheiro agrónomo Fernando Alves enquanto caminhávamos pelas videiras. “Na periferia das cidades rurais a situação é dramática”, deixa escapar o Prof. José Moutinho durante sua apresentação. “Não há quem queira trabalhar nisso”, diz a queijeira premiada da Serra da Estrela, a artesã Maria Natália Lopes, ressaltando que não há pessoas que queiram aprender e que já se está a ficar sem pastores. O vice-reitor para as áreas de Ensino e Internacionalização da UBI, João Manuel Canavilhas, que nos recebeu para uma breve visita ao prédio da Reitoria, o antigo convento de Santo António, foi explícito em seu recrutamento: “venham para cá, temos bolsas, trabalho e um ótimo lugar para viver”.
O despovoamento do Norte do país é real e o interesse por trabalhos de conotação rural e em cidades do interior já não atraem jovens trabalhadores. Segundo dados do Censos 2011, “são recenseados no Norte menos 63.141 indivíduos do que em 1991 (…) e há um agravamento dessa tendência regressiva em Alto Trás-os-Montes com uma perda, entre 2001 e 2011, de 18.485 indivíduos, o Douro com menos 15.906, a Beira Interior Norte com menos 10.954 e o Pinhal Interior Norte com uma perda de 7.336 residentes” (Instituto Nacional de Estatística, RED 51-52, p. 169).
A viagem de estudo ao Norte de Portugal, nos dias 17 e 18 de maio de 2019, foi a terceira já realizada pelo programa doutoral Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. A primeira viagem ocorreu no mês de novembro de 2017 e os alunos da 9ª edição foram a Beja e a Mértola e puderam visitar as instalações da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) e o Centro Experimental de Erosão de Solos de Vale Formoso. Nesta viagem, os doutorandos foram acompanhados pelos professores: Luísa Schmidt (ICS), Maria José Roxo (FCSH), Rodrigo Proença de Oliveira (IST) e Filipe D. Santos (FC), diretor do programa. A segunda viagem ocorreu no mês de abril de 2018 e os alunos também da 9ª edição foram a Pedrógão Grande e Aveiro. Conheceram o projeto premiado de Reflorestação realizado pelo Instituto Superior de Agronomia (ISA-UL), implementado em Alvares, região atingida pelo incêndio de junho de 2017 e visitaram o Parque Eólico da Lousã (Coimbra). Também visitaram o campo de esporões e construções sobre o cordão dunar na praia da Vagueira (Aveiro) com a demonstração da ferramenta para a monitorização e gestão do litoral (Sistema de Administração do Recurso Litoral – SIARL) e, em Figueira da Foz, ouviram a história e as conquistas do movimento cívico SOS Cabedelo, em defesa da preservação da costa e do surf. Integraram essa segunda viagem os professores: João Ferrão (ICS), José Lima Santos (ISA), Júlia Seixas (FCT), Luísa Schmidt (ICS), e Filipe D. Santos (FC), diretor do programa.
Mônica Prado é especialista em Comunicação e doutorada em Ciências do Ambiente no âmbito das Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa). Contacto: pradoigrejamonica@gmail.com
Rui Simões e Marcelo Fernandes são alunos de doutoramento do Programa de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Contactos: Rui Simões (imobiente@sapo.pt) e Marcelo Fernandes (marcelo.fernandes@live.com)
Maravilhosa narrativa Mônica! Parabéns!
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Está muito bem
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