Por Fronika de Wit
“O Acre não existe!”
Inúmeras vezes ouvi essa piada brasileira, quando dizia que morava no Acre. Por estar situado na Amazónia, longe das grandes cidades, o Acre também é chamado “fim do mundo”. O Acre, situado na fronteira trinacional entre o Brasil, o Peru e a Bolívia, foi o último estado a ser incorporado no território brasileiro. Em 1903, com o Tratado de Petrópolis, a região do Acre foi comprada à Bolívia (a lenda diz que foi em troca de um cavalo). No entanto, somente em 1962 é que o Acre foi elevado à condição de estado brasileiro. O objetivo deste post é mostrar que o estado brasileiro mais novo existe! Além disso, é de destacar que a Amazónia é muito mais que a sua floresta e os seus recursos naturais a serem extraídos como se não tivessem fim. Para mostrar o potencial da região e dos seus habitantes e a importância dos processos de desenvolvimento local, descrevo duas iniciativas transnacionais de ação climática que nasceram no estado do Acre. Termino com um sonho para o futuro da Amazónia.

No passado recente, a floresta amazónica era entendida como uma “economia de cobóis”, simbolizada pelos seus recursos naturais ilimitados e associada ao comportamento imprudente e explorador. No entanto, estudos da geógrafa brasileira Bertha Becker, mais conhecida por “cientista da Amazónia”, sobre a relação entre estado, território, desenvolvimento e governança, mudaram essa visão sobre a Amazónia. Becker diferencia uma corrente exógena e uma endógena: a corrente exógena vê a Amazónia como fonte de recursos naturais para os atores brasileiros e estrangeiros do setor privado; a corrente endógena, por seu lado, representa as várias instituições locais na Amazónia e a busca de formas de desenvolvimento local. A pesquisadora, que faleceu em 2013, falava do esgotamento da macrorregião Amazónia como escala ótima de planeamento, e sugeria a valorização das diferenças e necessidades dos nove estados brasileiros que compõem a Amazónia Legal brasileira.

Um destes nove estados amazónicos é o Acre. Desde os anos 1980, o Acre tem sido um exemplo nacional e internacional de desenvolvimento com preservação da floresta. O famoso ambientalista acreano Chico Mendes, assassinado em 1988, lutou a favor dos povos da floresta e da preservação da Amazónia. O legado de Chico Mendes inclui as chamadas Reservas Extrativistas (RESEX): áreas do Governo Federal do Brasil onde vivem populações tradicionais cuja sobrevivência se baseia no extrativismo, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Também inspirado pela luta de Chico Mendes é o conceito de Florestania – a cidadania dos povos da floresta – que serviu como base da estratégia subnacional de desenvolvimento do estado do Acre. Em 2010, esta estratégia resultou na criação do Sistema Estadual de Serviços Ambientais (SISA): um conjunto de programas, projetos e ações interligados para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono.

Na mesma época em que o Acre criou o SISA, este estado também começou a ir além das fronteiras estaduais e até nacionais. Uma primeira iniciativa transnacional que gostaria de destacar é a Força Tarefa de Governadores pelo Clima e Florestas (GCF). Criada em 2008 por nove governadores dos Estados Unidos da América, Brasil e Indonésia, a GCF é uma colaboração entre governos subnacionais que trabalham para proteger as florestas tropicais e reduzir as emissões do desmatamento e a degradação. Atualmente, a GCF inclui 38 estados-membros de dez países (Brasil, Colômbia, Equador, Indonésia, Costa do Marfim, México, Nigéria, Peru, Espanha e Estados Unidos da América). O Acre é um dos membros-fundadores e foi na capital acreana, Rio Branco, que em 2014 os governadores-membros assinaram a “Declaração de Rio Branco”. A declaração formaliza o compromisso do nível subnacional de continuar a reduzir o desmatamento e destaca a importância das parcerias transnacionais. Além disso, na declaração os governos subnacionais exortam os respetivos governos nacionais a seguir o exemplo.

Uma segunda iniciativa transnacional que, na minha opinião, mostra bem a força das iniciativas de baixo para cima é a Iniciativa MAP. O departamento de Madre de Dios (Peru), o estado do Acre (Brasil) e o Departamento de Pando (Bolívia) formam a região arbitrariamente denominada como MAP. Desde 1999, a iniciativa MAP, fruto da articulação de diversos segmentos sociais e governamentais dos três países, une esforços para a construção de soluções conjuntas para os problemas regionais. Um exemplo de um problema regional na Amazónia Sul-Ocidental é o aumento de eventos climáticos extremos, como as secas e inundações. Por isso, a iniciativa MAP tem trabalhado em conjunto para aumentar a resiliência da região face às alterações climáticas e recentemente organizou o seminário Secas e Inundações: Construindo Soluções Globais a partir da Região MAP.

Embora de uma forma muito diferente, tanto o exemplo da GCF como a iniciativa MAP mostram que o Acre é um pioneiro em governança climática subnacional. E no contexto político atual do Brasil, exemplos como estes de ousadia e criatividade sob a forma de governança de baixo para cima dão esperança. Não só para o Acre, mas para o mundo. O Acre não é o fim do mundo, pelo contrário, é o centro, o início das mudanças para um futuro sustentável. Como Chico Mendes uma vez referiu: “No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta amazónica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.”

Fronika de Wit é doutoranda no ICS-ULisboa, no Programa Doutoral de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. fronikadewit@gmail.com