Os ‘Urban Centers’ e os sistemas de Governança Participativa: oportunidades e desafios no contexto urbano atual

Por Mafalda Nunes

O modelo da ‘governança participativa’ tem ganho protagonismo em agendas e estratégias urbanas a nível internacional como forma de construir cidades mais democráticas e inclusivas. Os princípios e valores (bem como a respetiva terminologia) dos processos colaborativos, da cocriação com stakeholders e da auscultação e engajamento das comunidades adquirem, neste contexto, um lugar central tanto em documentos e discursos políticos, como em projetos e abordagens de desenvolvimento local.

Em paralelo, surge uma série de dispositivos e mecanismos que visam responder e/ou apoiar esta nova visão e sistema de conceber as cidades. Com cada vez maior relevo a nível social, político e institucional – embora ainda sem grande aprofundamento na literatura científica – destaca-se um tipo de estruturas de base local conhecidas como ‘Urban Centers’ (UC). A missão destes equipamentos é apoiar processos de democracia participativa partindo, porém, de enquadramentos, recursos e prioridades muito distintas. Enquanto alguns surgem associados à administração pública (geridos diretamente ou em parceria com outras partes interessadas, tais como empresas, associações ou instituições privadas), outros emergem por iniciativa de ONG, associações comunitárias, grupos ativistas ou empresas de caráter privado.

Desta forma, tanto ao nível da denominação e do reconhecimento ‘oficial’ como UC, como no perfil que apresentam, estas estruturas vão variar. Dependendo da natureza e do caráter da iniciativa, os UC podem: facultar informação e/ou espaços de discussão sobre planos, projetos e políticas da cidade; facilitar a comunicação entre diferentes atores e agentes urbanos; e/ou promover iniciativas, instrumentos ou tecnologias de participação cidadã.

No passado dia 19 de Outubro, no âmbito do projeto H2020 ROCK – Regeneration and Optimisation of Cultural heritage in Creative and Knowledge cities – decorreu a conferência internacional “Urban Centers: Acting upon or with cities?”. Este encontro, realizado em parceria com o Centro de Informação Urbana de Lisboa (CIUL), visou explorar e debater o papel e impacto dos UC nas cidades, bem como as oportunidades e desafios que se lhes colocam, num contexto urbano global. Os contributos desta conferência deram origem a um Memorandum (do qual sou coautora), onde se pretendeu sistematizar o conhecimento atual sobre o tema dos UC e salientar alguns pontos-chave que requerem maior atenção, tanto para sustentar a reflexão dos agentes envolvidos sobre as práticas que protagonizam, como para estimular o desenvolvimento da investigação científica neste campo.

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Conferência “Urban Centers: Acting upon or with cities?”, 19 de Outubro de 2018. Fonte: Roberto Falanga.

Num momento de rápida transformação urbana e de profundas fragilidades e desequilíbrios ao nível da participação democrática, importa perceber de que forma os UC podem ser, de facto, úteis para as cidades e para os cidadãos. Nomeadamente: Como se podem assumir como estruturas relevantes para a sociedade e não apenas como ferramentas de city branding ou como resposta instrumental a incentivos políticos e financeiros? Como evitar que os seus objetivos e a sua missão social sejam cooptados por agendas (políticas ou privadas) paralelas? Como conseguir um reconhecimento, representatividade e impacto alargados, de forma a não marginalizar certos assuntos, necessidades, públicos e contextos urbanos específicos?

Perante as sérias dúvidas que vão surgindo quanto às reais motivações e/ou capacidades dos mecanismos de governança participativa de cumprir os seus desígnios – devido à alegada “dupla-face” dos sistemas de descentralização, que empoderam novas estruturas e atores em prejuízo de outros – é inevitável colocar estas questões na análise que se faz aos UC. Nos últimos anos, estas estruturas têm ganho cada vez mais destaque a nível local e supralocal, através do apoio estratégico a iniciativas públicas no território (como, por exemplo, na gestão do orçamento participativo na cidade de Bolonha) e da sua integração em projetos e redes internacionais (como o projeto H2020 ROCK ou a rede EUCANET). Assim, se por um lado isso pode significar uma maior sensibilização, investimento e novas oportunidades para o reforço de processos participativos, por outro pode facilitar a infiltração de interesses públicos, privados ou transnacionais (da parte daqueles que gerem, colaboram ou financiam os UC), que aproveitam estas estruturas de proximidade para exercer uma influência ‘camuflada’ nos sistemas e práticas de governança local.

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Maquete da cidade de Lisboa em exposição no CIUL. Fonte: Vítor Barros.

A tendência global e os desafios concretos da governança participativa nas cidades – tal como os bloqueios na articulação entre diferentes agentes e iniciativas; as carências no acesso a informação e recursos (humanos, técnicos ou financeiros) relevantes; e a fraca visibilidade e representatividade de certos problemas e atores em estratégias e políticas urbanas – tornam fácil reconhecer o potencial de estruturas com o perfil dos UC. Por outro lado, a ação mais ou menos organizada de atores ou estruturas urbanas ‘emergentes’ que conseguem apresentar respostas inovadoras, inclusivas e concertadas a desafios concretos nas cidades aponta direções interessantes para explorar formas e parcerias alternativas no apoio à governança local.

Interessa, assim, entender melhor o que a sociedade espera hoje de estruturas como os UC, de forma a identificar os ajustamentos necessários para que os benefícios prometidos pela ‘governança participativa’ não se ‘centralizem’ em contextos e interesses dominantes.


Mafalda Nunes é doutoranda em Sociologia no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) com uma bolsa no âmbito do projeto H2020 ROCK – Regeneration and Optimisation of Cultural heritage in creative and Knowledge cities. mafalda.nunes@ics.ulisboa.pt

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