Por Jussara Rowland
Entre os dias 6 e 8 de julho tive a oportunidade de participar na CASICS – Creative Methods for Research and Community Engagement Summer School, em Keele, no Reino Unido. O meu interesse por esta escola deve-se ao trabalho que tenho vindo a desenvolver enquanto membro da equipa do ICS-Ulisboa no projeto CUIDAR – Culturas de Resiliência à Catástrofe entre Crianças e Jovens. Um projeto europeu de investigação-ação participativa, no qual são utilizados um conjunto alargado de métodos criativos e participativos para promover, co-criar e comunicar as perspetivas, necessidades e capacidades das crianças junto de stakeholders dos setores da emergência e proteção civil.

Nos últimos anos tem-se assistido a um interesse crescente pelo uso de métodos criativos nas ciências sociais. Estes incluem métodos visuais (e audiovisuais), artísticos, performativos, sensoriais, narrativos, mas também novos métodos digitais. Apesar da utilização de métodos criativos não ser um fenómeno recente, o interesse atual pelo tema deve-se, por um lado, à crescente difusão na sociedade contemporânea de uma cultura visual e multimédia que tem obrigado ao desenvolvimento de novos métodos de pesquisa orientados para este tipo de conteúdos. E, por outro, à “viragem participativa” das ciências sociais, atualmente mais direcionadas para uma investigação colaborativa e coproduzida, na qual é valorizado o envolvimento ativo dos participantes na criação e produção de dados.
Para além da sua mais-valia para as abordagens eminentemente participativas, os métodos visuais e criativos, como nos explica Dawn Mannay nesta entrevista, “são particularmente úteis para abordagens qualitativas interessadas no significado subjetivo dos participantes. Para aqueles que trabalham com uma abordagem interpretativa, sócio-construtivista, os dados visuais podem ser úteis para entender os mundos quotidianos dos participantes, as suas perspectivas únicas”. De facto, a criação de materiais por parte dos participantes possibilita uma menor intrusão por parte dos investigadores, permitindo que surjam, por exemplo, novos tópicos de análise na pesquisa.
O interesse por este tema levou à publicação, nos últimos anos, de múltiplos livros sobre o assunto a nível internacional – Kara (2015), Yamada-Rice e Stirling (2015), Mannay (2016), Leavy (2017), Mitchell et al. (2017), etc. – mas também, embora de forma mais dispersa, em Portugal. Ver, entre os mais recentes, sobre métodos visuais: Campos (2011), Martins (2013), Almeida et al. (2017); sobre antropologia e arte Campos e Zoettl (2012) e Almeida (2013); e sobre metodologias participativas e diferentes métodos criativos Meirinho (2012), Brites et al. (2015), Chaves (2017), Felgueiras et al. (2017).
CASICS – Creative Methods for Research and Community Engagement Summer School
A escola de Verão CASICS foi organizada pelo Centro de Animação Comunitária e Inovação Social da Universidade de Keele e facilitado por Helen Kara, autora do livro Creative Research Methods in the Social Sciences: A Practical Guide. Durante os três dias de workshops pudemos ouvir e falar de múltiplos métodos criativos. Pudemos também perceber a forma como estes métodos têm sido utilizados em vários projetos de investigação, mas sobretudo pudemos pô-los em prática, de forma a entendermos as suas dinâmicas e explorarmos as suas potencialidades.

Entre os temas e métodos apresentados durante os três dias destaco alguns. Mihaela Kelemen, diretora do CASIC, falou-nos sobre as atividades de animação cultural do CASICS. A animação cultural é uma metodologia influenciada pelo pragmatismo americano, que pretende ser uma técnica criativa de coprodução de conhecimento sobre problemas, dilemas e grandes questões sociais. Trata-se de uma forma de engajamento artístico, baseada em técnicas de dramaturgia, que anima e torna visível as dinâmicas subjacentes de uma comunidade, podendo por isso ser usada como método de investigação social.
Com o apoio de Sue Moffat fizemos dois exercícios: o exercício dos botões e o cinquain poem experiment. O primeiro exercício consiste no mapeamento das relações de uma comunidade com base na separação, categorização e ordenação de um conjunto de botões de todas as cores e feitios (descrição pormenorizada nas p.15-19 CASIC WP nº1). O segundo é uma experiência de poesia criativa em que os participantes são convidados a escrever e dramatizar um poema monostrófico de cinco versos para responder a uma pergunta específica (p.12-15 CASIC WP nº1). Estes exercícios podem ter muitas variantes e têm vindo a ser utilizados em vários projetos, sendo que um dos mais recentes foi um estudo sobre bancos alimentares e utilização de tecnologias digitais.

Véronique Jochum, investigadora no National Council for Voluntary Organisations (NCVO), falou-nos do uso de mapas colaborativos no projeto Pathways through participation. Este projeto teve como objetivo investigar como e porquê as pessoas se envolvem e se mantêm envolvidas em diferentes formas de participação e o que molda esses percursos ao longo do tempo. O projeto usou um conjunto diversificado de métodos qualitativos (nomeadamente histórias de vida), mas utilizou como método inicial no trabalho de campo o mapeamento participativo. O mapeamento foi feito por pequenos grupos de residentes a quem foi pedido que desenhassem a sua localidade e indicassem (e discutissem) os espaços onde a participação ocorre.
Para os investigadores o uso deste método no início do projeto permitiu-lhes recolher informações importantes sobre as diferentes localidades (nos mapas e nas discussões), que foram depois utilizadas em fases sucessivas do trabalho de campo. Foi também uma atividade útil para se começarem a estabelecer relações com os residentes e incentivar a sua participação durante todo o projeto. O projeto publicou o relatório Using Participatory Mapping to Explore Participation in Three Communities sobre o uso específico deste método. Durante a Escola de Verão a investigadora desafiou os participantes a desenharem mapas colaborativos dos espaços de participação de algumas das suas universidades.

Na sessão sobre o uso de tecnologia na investigação, destaco em particular a atividade de Soundwalk dinamizada por Rajmil Fischman, do departamento de música da universidade. O objetivo desta atividade era refletir sobre o nosso ambiente sonoro. Como tal, foi-nos pedido que, em grupos, passeássemos pelos campos da Universidade de Keele, fizéssemos um registo da caminhada com um microfone profissional, e que prestássemos atenção ao som que nos rodeava, no sentido de identificar a essência sónica dos espaços percorridos. Quando nos reencontrámos, os grupos partilharam as suas reflexões, ouviram as gravações e discutiram de que forma o registo sonoro afetou, ou alterou, as suas anteriores percepções. Este exercício serviu para nos fazer refletir sobre como o som pode ser usado e incorporado na investigação e nas diferenças existentes entre a forma como ouvimos os sons, como nos lembramos deles e de como estes são registados. Apesar de ser um exercício simples, acabou por ser uma das sessões mais estimulantes, uma vez que incentivou os participantes a pensar na dimensão sonora dos seus projetos de investigação e em formas de incorporar métodos criativos relacionados com o som no trabalho de campo.

Por fim, na sessão sobre escrita criativa, Ceri Morgan, professora do departamento de humanidades em Keele, falou-nos da geopoetics como método, e de várias áreas de estudo onde se faz uma abordagem criativa ao espaço. Destas, são de destacar os walking studies, uma área de investigação que tem em consideração o movimento no espaço e o impacto que esse movimento tem nas experiências vivenciadas no dia-a-dia. Entre as potencialidades destas abordagens, Ceri Morgan referiu entrevistas ambulantes, atividades de geopoetics sobre espaços abandonados ou mesmo a discussão “on the move” de textos por parte dos seus estudantes. No final da sessão a investigadora dinamizou um exercício de memory walk, no qual pediu aos participantes para refletirem, e escreverem, sobre os percursos que tinham percorrido durante a manhã. A discussão sobre os textos produzidos foi surpreendentemente rica, refletindo a pluralidade de experiências e nacionalidades dos participantes da escola de Verão.
Desta experiência são de reter sobretudo os debates com os outros participantes, as dinâmicas e as potencialidades dos métodos apresentados. Nem todos os métodos abordados durante os três dias de escola eram novos para mim, alguns já conhecia, outro tínhamos usado no projeto CUIDAR. No entanto, é sempre interessante perceber as formas diferenciadas como estes são utilizados noutros projetos de investigação e discutir algumas questões relativas à sua implementação. É também útil experimentar pessoalmente as dinâmicas e assistir à forma como outros investigadores dinamizam e facilitam estas atividades. Ficou a vontade de aprofundar um pouco mais algumas questões poucos exploradas nesta primeira escola, como as implicações éticas da inclusão destas atividades nas várias fases da investigação, ou questões relacionadas com a análise dos materiais produzidos com estes métodos, sobretudo quando estes são usados não apenas como elementos de elicitação, mas também como objeto de análise incorporado na pesquisa.
Jussara Rowland é investigadora no projeto CUIDAR no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de lisboa. O projeto CUIDAR é financiando pelo programa Horizonte 2020, coordenado pela Universidade de Lancaster e tem como países parceiros o Reino Unido, Itália, Grécia, Espanha e Portugal.
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