Por Luiz Carlos de Brito Lourenço
Para enfrentar os negacionistas das alterações climáticas, mais do que resistir com intervenções práticas, é necessário um contramovimento de confronto com robustos argumentos científicos. Em última análise, foi o que sugeriu o apelo do Prêmio Nobel da Paz de 2007, Rajendra Pachauri. Ao encerrar uma breve palestra no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, em 30 de Maio de 2017, na qualidade de ex-presidente do IPCC, conclamou a audiência à contínua divulgação dos riscos das alterações climáticas em vista dos desvios na Casa Branca.
O presidente dos EUA, Donald Trump, começou no plano interno a cumprir sua promessa eleitoral de deixar o Acordo de Paris. Em 28 de Março de 2017, revogou decisões de Obama que amparavam a mitigação dos impactos das alterações climáticas, segurança nacional e energia limpa.
No plano externo, a ansiada renúncia aos compromissos dos EUA veio às vésperas da Cimeira de Taormina do G-7, da qual ecoou o brado de seis outros países pela pronta implementação da declaração de Ise-Shima. Na Filadélfia, em Junho passado, Trump justificou o recuo em decorrência das “medidas financeiras e económicas draconianas impostas aos EUA”, pois o Acordo causaria a perda de 2,7 milhões de empregos (cálculo da NERA, a consultadoria das mineradoras). Confiante, disse-se livre do Green Climate Fund (“um nome giro!”, zombou) e das obrigações de se atingir os USD 450 mil milhões a partir de 2020 para reduzir emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e adaptações a desastres naturais. Acusou o favorecimento da China, que “aumentará suas emissões de forma escalonada por 13 anos, com centenas de novas centrais eléctricas alimentadas a carvão”. Segundo o Greenpeace, até então, uma média de 4 usinas por semana eram autorizadas na China.
O pronunciamento foi saudado como “a restauração histórica da independência económica norte-americana”. Trump valeu-se da realidade interna de que a crise de confiança nas alterações climáticas associa-se à evolução do mercado de trabalho desde 2008. De forma idêntica, em 2010, os investigadores do National Bureau of Economic Research (NBER) realizaram um inquérito no país que apurou a noção de que mais desemprego implica uma menor probabilidade de crença nas alterações climáticas (NBER, 2010).

Tradição de resistência
O espírito pioneiro e progressista californiano animou um contramovimento. Em seu quarto mandato, o governador Jerry Brown, ao reconhecer os fatos como um “desafio à ciência”, afirmou: “A Califórnia resistirá ao curso insano e equivocado dessa ação”. Afinal, naquele estado surgiu a primeira legislação do planeta sobre qualidade do ar (Air Sanitation), depois que Los Angeles conheceu o smog (smoke + fog) em 1943. Foi o CalTech que confirmou a toxicidade do ozónio, fonte primária do odor e do nevoeiro que provocavam irritações à visão e problemas respiratórios.
Em 1967, o então governador Ronald Reagan constituiu a California Air Resources Board, um colegiado para controlar a poluição dos veículos, que mais tarde inspirou a adoção do Clean Air Act, de 1970, executado pela EPA. Washington fez uma concessão especial à Califórnia para estabelecer seus próprios níveis de segurança e exigir das indústrias veículos mais eficientes no uso de hidrocarbonetos e na emissão de monóxido de carbono (ver vídeo).
O mercado atendeu à riqueza concentrada naquele estado, que se equivale à França (14,1% do PIB norte-americano; USD 18.456 mil milhões em 2016), com crescente aumento da população (hoje, 39,3 milhões de pessoas, das quais 26,4 milhões têm carta de condução). Ali se deu um crescimento urbano planeado com largas vias de acesso incentivando a cultura do automóvel para reunir a maior frota do país, com 35,3 milhões de veículos (BEA/USDC, 2016) (California DMV, 2017). Registe-se que, em 1998, quando Bush não ratificou o Protocolo de Kyoto, a Califórnia compensou o planeta em 2002 com uma lei de redução dos GEE, estabelecendo certificações e programas de incentivos específicos.
Tal autonomia levou Brown, em 06/06/2017, durante visita ao presidente da China, Xi Jiping, a fechar um acordo de cooperação na implementação do Acordo de Paris. O contramovimento avança com mais nove outros governadores, desde a Nova Inglaterra até o Havaí. O grupo Climate Mayors reúne capitais e megacidades, incluindo Pittsburgh (na Pensilvânia do carvão e aço). Ao todo, 1.200 personalidades afirmam We are still in contra o negacionismo.

Migrações para o Noroeste
Em seu favor, a revista Science, de 30 de Junho de 2017, revelou os danos potenciais para os EUA causados pelas alterações climáticas em diversas situações, segundo o Climate Impact Lab, projeto de investigação da Escola de Políticas Públicas da Universidade da Califórnia-Berkeley e das universidades de Chicago e Rutgers (New Jersey, EUA). Considerando que as alterações climáticas aumentam a imprevisibilidade e a desigualdade do futuro económico, o artigo adotou uma complexa metodologia que criou uma “função dano”, qual seja, a relação dos impactos da “temperatura da superfície média global” e os “custos do mercado e do não-mercado” nos EUA. Contudo, este estudo não se limita aos EUA.
O The New York Times, de 22 de Junho de 2017, retratou os efeitos da elevação da temperatura: excesso de dias extremamente quentes (média de 35˚ C). A capital Washington pode chegar a ter em um ano nessas condições o mínimo de 14 dias e o máximo de 29 dias. Tal fenómeno afetaria todo o planeta: em latitudes semelhantes, Madrid teria 8 a 43 e Pequim 9 a 35; a menor latitude faria Nova Deli ter entre 137 e 200 dias.
As médias consideradas como “prováveis” têm aqui 2/3 de chances de confirmação. Porém, o pior cenário é improvável, na medida em que se espera substituir o carvão por fontes de energia limpa. Todavia, com temperaturas altas evidenciam-se mudanças a maior na demanda por eletricidade para o condicionamento do ar. Há estimativas de aumento de 3,2% da mortalidade na Índia para cada grau Celsius acima de 20˚. O planeamento urbano vai requerer sustentabilidade, expandindo as áreas verdes, incluindo os telhados dos edifícios.
Ao analisar exclusivamente o território dos EUA, o Financial Times, de 30 de Junho de 2017, destacou uma advertência aos municípios mais pobres com temperaturas relativamente superiores, localizados costa a costa, na metade sul do país,. Enquanto o segmento de “10% dos municípios mais pobres” terá perdas de renda entre 8,5% e 20,3%, estima-se que o grupo de “10% dos municípios mais abastados” ou terão ganhos (ou “perdas negativas” de menos 0,4%), ou perdas efetivas de até 3% no máximo. Assim, a continuidade de emissões exacerbará a desigualdade entre as regiões, com reflexos no desemprego e efeitos na mortalidade, criminalidade e demanda energética. O terço mais pobre dos municípios norte-americanos pode perder até 20% de sua renda.
Portanto, deslocam-se para norte as condições ideais para futuras safras agrícolas, regiões mais ainda favorecidas com uma simultânea redução nas despesas médicas e no custo energético. No ritmo atual, ter-se-á a maior transferência de renda dos pobres para os ricos na história do país. Sobretudo, é esperada uma aguda inflexão na curva do índice de preços agrícolas. Naturalmente, as temperaturas mais altas trarão uma queda no rendimento agrícola no leste dos EUA, afetando o Grain Belt, responsável pela maior produção mundial de cereais e oleaginosas, beneficiando e retomando no final do século o quadrante noroeste dos EUA, vastamente irrigado e hoje resiliente ao calor.

Futuro otimista?
Como suporte à assinatura do Acordo de Paris, a EPA divulgou o relatório Climate Change Impact and Risk Analysis (CIRA), em Junho de 2015, que evidenciava benefícios com os compromissos no IPCC. No ano 2050, a mitigação global dos GEE por uma melhor qualidade do ar evitará a morte prematura anual de 13.000 indivíduos nos EUA (avaliadas em USD 160 mil milhões), e menos 57.000 mortes de pessoas até 2100 (USD 930 mil milhões). Tal monetização decorre de decisão da Câmara Consultiva Científica da EPA, para fins de análises custo/benefício de riscos ambientais à vida humana, estabelecer o cálculo do “valor de uma vida estatística” estimada em USD 9,45 milhões, base 2010, aos quais se somam o crescimento estimado do PI. Dessa maneira, poderiam ser aportados milhares de milhões de dólares por diversas regiões na forma de infraestruturas para recursos hídricos, por exemplo, entre outros benefícios.
Sendo a “qualidade da água” sensível às precipitações, aplicou-se um modelo com um cenário mais húmido (IGSM-CAM, MIT) e um cenário mais seco (MIROC, Universidade de Tóquio). As estimativas da EPA aqui foram construídas por especialistas do MIT e do Departamento de Energia dos EUA (DOE), com resultados para 2050 e 2100 sob aumentos de mais de 2˚ C além da média histórica. Dentre os principais benefícios, os agricultores poupariam USD 11 mil milhões por ano em colheitas ora perdidas motivadas por secas, enchentes e desastres semelhantes, preservando áreas de 4.500 km2 em florestas.
Não se conhece o andamento do CIRA, cuja página na internet está suspensa “para se refletir sobre as prioridades da EPA sob a liderança do Presidente Trump e do Administrador Pruitt”, procurador do Oklahoma, estado produtor de gás natural, cuja capital Tulsa ostenta com Houston a marca de “oil capital of the World”. A associação entre a indústria dos combustíveis fósseis e grupos políticos conservadores formariam um “eixo ideológico do mal climático”, segundo o economista Paul Krugman.

Enfim, fecham-se as cortinas do protagonismo da governança global alcançado por Obama, mérito reconhecido em Before the flood (2016), filme também exibido pelo ICS durante a Clima Expo 360˚ realizada no MUHNAC. Sob Trump, os EUA criaram um isolacionismo inédito, que começa na fronteira com o avançado Canadá de Justin Trudeau,. Oportunamente, Emmanuel Macron, novo presidente da França, lançou a plataforma Make the planet great again, convite a todo mundo académico para financiar projetos de investigação relacionados às alterações climáticas .
Além do Japão, o contramovimento cresceu impiedosamente a leste, pois conta com a China, o principal país gerador mundial de emissões de GEE, que anunciou “cumprir sua palavra”. Antes do encontro em Hamburgo do G-20 renovou seus votos juntamente com a Rússia, com quem divide interesses estratégicos no Ártico – a Ice Silk Road, evento que levantará riscos da navegação polar já conhecidos por companhias seguradoras, primeiramente nos territórios desses países, onde o acesso à informação é severamente controlado. Assim, este contramovimento acentua o afastamento dos EUA de um projeto global.
*Luiz Carlos de Brito Lourenço é investigador Universidade de Brasília e atualmente é investigador visitante no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Excellent.
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