Por Gleydson Pinheiro Albano
O Nordeste do território brasileiro, principalmente sua região semiárida, atravessou os últimos séculos sendo lembrado dentro e fora do país como uma região atrasada, muito em função da pobreza da sua população, da desigualdade de acesso a terra e da ocorrência de secas, que fizeram uma multidão de nordestinos migrar para outras áreas do país, como o Sudeste e a região Amazônica.
No início do século XX, com a ocorrência de mais uma grande seca nessa região do país, o governo brasileiro resolveu criar um órgão para enfrentar as secas dessa região e assim nasce no ano de 1909 a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) (hoje, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS).
Durante toda a primeira metade do século XX esse órgão iria ser responsável por políticas de construção de açudes com o objetivo de fornecer água para matar a sede do nordestino. Inclusive é pela criação e área de delimitação do órgão (área de ocorrência de secas) que o termo Nordeste é popularizado e institucionalizado no país, entrando posteriormente na cartografia como uma das regiões brasileiras.
Após a Segunda Guerra Mundial, há um indicativo de superação dessa política de construção de açudes com a criação da Comissão do Vale do São Francisco em 1948 (hoje, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF), que ficou responsável por desenvolver o vale do Rio São Francisco, considerado a maior bacia hidrográfica do Nordeste.

A partir dos anos 1960, a COVEFASF e o DNOCS, influenciados pelas ideias de desenvolvimento difundidas principalmente por orgãos internacionais, vão implementar uma política de regadios para o Nordeste do Brasil com o apoio e financiamento substancial do Banco Mundial como tentativa de solução dos problemas relacionados com a seca.
Foram implantadas dezenas de perímetros de regadio no semiárido nordestino desde os anos 1960 até os dias atuais com o objetivo de desenvolver a região através da produção, venda, exportação e até beneficiamento de frutas, como melão, banana, coco, manga, uva, dentre muitos outros produtos.

Os projetos de desenvolvimento ancorados na rega e implantados por todo o Nordeste a partir dos anos 1960 vieram a se mostrar com o tempo, como uma série de problemas resultantes da má gestão do dinheiro público, como atrasos, além de altos custos sociais, com as desapropriações de muitos para dar lugar ao perímetro de rega para? poucos, como reconheceu o Banco Mundial em relatório em 1983.
Segundo o relatório do Banco Mundial, as metas de irrigação colocadas pelo Governo Federal do Brasil ficaram longe de ser atingidas nos projetos de irrigação. O Banco cita que das 22.000 famílias que o DNOCS esperava instalar em 1980, somente 2.957 (13%) foram instaladas. De forma similar, dos 100.000 hectares que o DNOCS esperava irrigar em 1980, apenas 14% (14.270 ha) foram concluídos. Do mesmo modo, a CODEVASF também não atingiu as metas propostas de irrigação. Da meta de 50.000 hectares, somente 20% foi atingido.
No ano de 2000, após dezenas de empréstimos do Banco Mundial e vários projetos de desenvolvimento ancorados pelo Governo Brasileiro nos perímetros de rega, tem-se uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que fez um diagnóstico das políticas de rega entre 1971 e 2000.
Com essa auditoria ficam evidentes inúmeros problemas relacionados com a política de regadio brasileira.
Um dos problemas é a falta ou limitação de recursos hídricos, que a auditoria do TCU identificou. Dos 38 projetos públicos de irrigação do DNOCS em 2000, 22 estão com limitação de recursos hídricos ou sem recursos hídricos prejudicando a possível emancipação dos mesmos, sem falar que muitos desses além da falta de recursos hídricos tem sério comprometimento das suas infra-estruturas hídricas, prejudicando de sobremaneira o processo de funcionamento regular do perímetro.

Uma década e meia depois do relatório do Tribunal de Contas da União, temos a mesma realidade se apresentando, principalmente com a redução significativa dos níveis da maioria dos grandes e médios reservatórios de água do semiárido Nordestino nos últimos anos. Muitos perímetros de rega estão em colapso hídrico, sem água para funcionar, outros estão em colapso pela destruição das suas infra-estruturas hídricas, que não sofreram reformas ou reformulações suficientes nas últimas décadas.
Percorrendo alguns desses perímetros no semiárido nordestino nos últimos anos, escuto a população local nomear essas estruturas hídricas sem funcionamento de “cemitério”. Uma triste constatação para um ambicioso projeto de políticas de desenvolvimento e de combate às secas.
Gleydson Pinheiro Albano é Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil e atualmente um Investigador visitante no ICS – ULisboa