Autor: Sónia Cardoso
No Verão de 2006, frases como A global warning, By far the most terrifying film you will ever see e The scariest film this Summer criaram o burburinho necessário para encher milhares de salas de cinemas em todo o mundo. O sucesso do documentário de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente” não pode ser desassociado do marketing feroz que as frases acima ilustram. Contudo, o próprio filme fez uso de conceitos e teorias bem difundidos na área das ciências sociais para tornar eficaz a sua mensagem. Inegavelmente, o documentário determinou um ponto de viragem na opinião pública acerca das questões ambientais: apenas 2 meses após o lançamento do documentário as contribuições dos americanos para as compensações de carbono aumentaram 50% e em 2007 Al Gore recebeu o Prémio Nobel da Paz. Para além disso, nesse mesmo ano um inquérito conjunto da Nielsen Company e da Universidade de Oxford revelou que 3 em cada 4 pessoas que tinham assistido ao filme mudaram os seus hábitos e 95% admitiram ter ficado mais conscientes acerca da problemática das alterações climáticas.
Campanha de divulgação do filme “Uma Verdade Inconveniente”.
Fonte: http://latemag.com/
Que conceitos podem ter contribuído para esta mudança de opiniões e hábitos?
Ameaça, morte, eficácia. Analisando o conteúdo do discurso de Al Gore, e até mesmo a escolha das imagens e dos gráficos exibidos ao longo do documentário, fica patente o objetivo de incrementar no público a perceção de severidade, suscetibilidade e risco, salientar a mortalidade e, ao mesmo tempo, aumentar a perceção de autoeficácia. Estes conceitos têm sido associados à predisposição para vários tipos de comportamentos, tais como, por exemplo, os comportamentos de consumo de bens, de ajuda dos outros ou até de adesão a organizações religiosas. De facto, desde grandes empresas sedentas por captar clientes até a organizações ambientalistas como a Greenpeace, que pretendem angariar voluntários, consciencializar a opinião pública e despertar atitudes pró-ambientalistas, são vários os contextos/atores que fazem uso consciente destes conceitos nas suas campanhas.
Dez anos após “Uma Verdade Inconveniente”, a discussão sobre as questões ambientais saltou dos écrans de cinema para as redes sociais. O Facebook, o Youtube ou o Twitter assumiram-se como canais preferenciais para a difusão de mensagens pró-ambientalistas e as organizações ambientais, como a Greenpeace, encontraram nas redes sociais um meio gratuito, eficaz e com difusão ilimitada para divulgar as suas preocupações e incentivar a ação. A título ilustrativo do poder das redes sociais, em 2010 a Greenpeace divulgou um vídeo no Youtube onde a Nestlé era acusada de ser cúmplice da destruição do habitat natural dos orangotangos por utilizar óleo de palma na elaboração do Kit Kat. O vídeo, que mostrava um homem a comer o dedo de um orangotango como se fosse um Kit Kat, tornou-se viral e a tentativa da empresa suíça de suprimir o vídeo do Youtube despoletou uma onda de protestos no seu Facebook. Os comentários dos utilizadores no Facebook da marca foram censurados, o que fez escalar a polémica, que terminou com um pedido de desculpas público por parte da Nestlé e o anúncio de um plano de “desmatamento zero”. Uma vez mais, a saliência da morte (com o dedo do orangotango a ser comparado a uma barra de chocolate) e o link deixado no final do vídeo a incitar à ação (aumento da perceção de autoeficácia) mostraram ser ferramentas úteis.
Campanha de protesto contra a Nestlé. Fonte: Greenpeace
Este texto começou por incentivá-lo(a) a regredir 10 anos, agora peço-lhe que avance até 2026 e que partilhe comigo alguns questionamentos. Será que daqui a dez anos continuaremos a assistir a fenómenos marcantes na defesa do ambiente como foram “A Verdade Inconveniente” e o caso da Greenpeace/Nestlé? Provavelmente sim, se tivermos em conta que talvez nessa altura as problemáticas ambientais serão ainda mais salientes. Contudo, será que as mensagens seguirão os mesmos moldes?
Poderá o poder das redes sociais impulsionar a frequência de fenómenos mobilizadores de ativismo ou, pelo contrário, estarão esse poder e essa presença constante apenas a incrementar fenómenos de desumanização, exclusão, desinteresse e dessensibilização? E quanto às mensagens pró-ambiente propagadas com base nas redes sociais, poderão elas continuar a alicerçar-se nos ensinamentos das ciências sociais?
Poderão as redes sociais ajudar a cultivar a eficácia das mensagens, uma vez que facilitam a manipulação de risco e, dada a sua interatividade e imediatismo, elevam mais rapidamente a nossa perceção de autoeficácia e constroem um sentimento de pertença e consenso coletivo?
Ou, por outro lado, poderão as redes sociais resfriar o ativismo ao apresentarem indiscriminadamente um manancial de notícias e campanhas que, aliadas à nossa capacidade limitada de processamento de informação, dificultam o nosso foco e levam à relativização da informação e à difusão de responsabilidade, inibindo-nos de agir?
Finalmente, serão as redes sociais apenas uma parte da equação mais complexa que é o ativismo, agindo sobretudo como um interveniente e não tanto como um catalisador?
Em suma, perante a iminência da proteção ambiental não poder ser desarticulada das redes sociais, abrem-se novos desafios para os cientistas interessados no ativismo ambiental, que poderão passar quer pela articulação dos espectros das redes sociais com a base de conhecimento já criada, quer pela sustentação de uma nova conceção de ativismo. Para já, são mais as questões que as respostas, visto estarmos ainda numa fase embrionária de compreensão do real impacto dos “murais” dos nossos computadores nos fenómenos de ativismo ambiental.
Sónia Cardoso é bolseira de investigação do projeto Food and Families in Hard Times, (coord. Rebecca O’Connell, financiamento do European Research Council), em curso no ICS ULisboa.