Por: André Pereira e João Mourato
Nos passados três meses, sucederam-se exemplos a nível mundial dos impactos que quer as ondas de calor, quer as cheias e inundações repentinas (flash floods) podem ter, e de como em contexto urbano e rural não estamos equipados para lidar com estes fenómenos. Perante estes eventos há quem, na opinião pública, argumente que se trata apenas de um conjunto de epifenómenos. Contudo, negacionismo suave à parte, o que a climatologia nos informa é que podemos estar perante o início de uma mudança global nos padrões climatéricos, redesenhando assim um “novo normal”. E acumula-se evidência de que não estamos preparados para gerir os impactos negativos de tal mudança. É aqui que o debate da adaptação às alterações climáticas reside.
No mais recente relatório de síntese do IPCC reconhece-se, para além do caráter fragmentado, social e territorialmente desigual da adaptação climática, a existência de inúmeras evidências de má adaptação. Isto é, opções de adaptação cujos efeitos podem acabar por resultar inadvertidamente num aumento de riscos e vulnerabilidades. Também na próxima COP 28, a adaptação deverá assumir um papel central, sendo expectável que os governos trabalhem no sentido de definir um sistema de monitorização, avaliação e aprendizagem, dado que, desde os acordos de Paris, mantém-se a ausência de uma clara definição dos objetivos da adaptação, comparativamente com o mais maturado conceito de mitigação.

Em Portugal, este debate ganhou recentemente reforçado suporte político. Com a aprovação da Lei de Bases do Clima em 2021 é reconhecida a situação de emergência climática. Das várias mensagens, mais ou menos consensuais, que a Lei do Clima integra, destacamos a mobilização de uma cobertura nacional de instrumentos que operacionalizem, à escala local, ações de mitigação e adaptação às Alterações Climáticas. Assim, no espírito porventura demasiado voluntarista da Lei, espera-se que, no decorrer de 2024, os 308 municípios portugueses desenvolvam Planos de Ação Climática promovendo a resiliência e capacitação territorial nesta área política pública. É neste contexto que surge, uma vez mais, o debate sobre o papel que o ordenamento do território, enquanto política pública, pode/deve desempenhar. O ordenamento do território é aqui considerado um dos mais importantes interfaces de políticas públicas, quer ao nível da territorialização do seu desenvolvimento e impactos, quer ao nível da integração de medidas de caráter setorial que, quando não alcançadas ou tratadas de forma separada, podem resultar em sinergias desperdiçadas ou efeitos contraditórios .
Este facto é reafirmado no processo que agora decorre de elaboração do Roteiro Nacional para a Adaptação 2100. Neste contexto, e em parceria com o Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano, investigámos o panorama atual da adaptação às alterações climáticas nos planos e programas territoriais em Portugal.
Para tal, tratou-se, em primeiro lugar, de fazer um levantamento de todos os planos de adaptação locais disponíveis, um exercício complexo em si mesmo, dado o caráter orgânico de elaboração destes planos e a falta de um sistema agregador, um acervo público centralizado, que permita a sua fácil consulta. São diversas as denominações, que englobam Estratégias de Adaptação, Planos Municipais/Locais de Adaptação, Planos Estratégicos face às Alterações Climáticas.
Apesar de não existir um formato definido rigidamente para estes instrumentos de política pública, os trabalhos iniciais do projeto ClimADAPT.Local lançaram as bases estruturais que, em geral, se mantêm constantes: diagnóstico de vulnerabilidades atuais e futuras, identificação e avaliação de opções de adaptação e integração destas opções nos Instrumentos de Gestão Territorial (IGT). A construção inicial de uma base de dados das medidas de adaptação fez-se então a partir destas opções de adaptação, classificadas segundo a sua tipologia de intervenção entre Infraestrutura Cinzenta por exemplo, obras de proteção costeira, sistemas de retenção de recursos hídricos, manutenção de rede viária florestal, etc.), Infraestrutura Verde (tais como a conservação de zonas florestais de valor natural, reabilitação de galerias ripícolas, etc.) e Não-infraestruturais (a elaboração de planos de ordenamento ou gestão, promoção de boas práticas, fiscalização etc.).Como primeiro exercício, foram consideradas três categorias de risco climático – Seca e escassez de água; Incêndios rurais; Erosão, galgamento e inundação costeira – e, após análise das medidas levantadas, conceberam-se categorias para agrupar as diferentes formulações encontradas.
Um exercício semelhante foi conduzido para os Planos Diretores Municipais (PDM) que passaram por um processo de revisão recente. Os PDM, como planos territoriais vinculativos, têm uma estrutura e linguagem jurídica concretas que materializam as opções de cada município, de uma forma que já não se limita à classificação do uso do solo e definição de usos permitidos, proibidos ou condicionados. Para além deste caráter mais regulamentar, os PDM assumem também orientações operacionais, estratégicas, e de governança territorial, sendo estes os quatro eixos de integração em que cada medida de adaptação foi enquadrada.
Cruzando estes dois inputs, é possível inferir algumas relações sobre como as medidas de adaptação climática constantes dos instrumentos estratégicos têm sido absorvidas pelos planos territoriais. No geral, nota-se algum alinhamento das disposições nos PDM revistos recentemente com as medidas mais frequentemente observadas nos Planos de Adaptação, sendo que, mesmo assim, há um considerável número de medidas que serão de difícil enquadramento na estrutura dos PDM ou estarão mesmo fora do seu âmbito. Estas relações entre medidas, tipologias de intervenção e formas de integração irão ser exploradas em maior detalhe brevemente num dos capítulos do livro do ICS-ULisboa dedicado à comemoração dos 50 anos do 25 de abril de 1974.
Da Adaptação à Ação
Estas observações preliminares são um possível ângulo de análise “em bruto” das medidas, para perceber os padrões mais comuns de medidas previstas, mas tendem a obscurecer as variabilidades territoriais na definição e operacionalização da adaptação climática. Diferentes territórios são marcados por diferentes riscos, vulnerabilidades e necessidades de resposta. Uma vez que a maioria dos municípios não têm ainda um plano municipal de adaptação, explorar as causas e consequências dos diversos estados de maturidade da política climática local no território assume um papel fulcral na continuação deste estudo.

Figura 2. Integração da mitigação e adaptação às Alterações Climáticas. PAC Lisboa 2030.
Numa fase em que o prazo indicado para a elaboração dos planos municipais de ação climática se aproxima (Loulé e Lisboa são os únicos municípios que já os apresentaram) e em que a crise climática exige respostas rápidas e transformadoras, deixam-se algumas questões para reflexão neste complexo contexto de política pública. De que forma vão ser integradas diferentes ações de mitigação e adaptação nos novos instrumentos de ação climática (e nos IGT), sendo que há ainda pouca definição, mesmo a nível internacional, de um processo de monitorização e avaliação da adaptação climática? Que municípios e organismos estarão numa posição de maturidade de políticas para liderar esta aprendizagem e quais os que estão “a ficar para trás” neste processo? Será sequer a escala municipal e a pulverização do território com centenas de instrumentos municipais a mais adequada para capacitar os territórios para a ação climática, ou poderá haver um novo papel fundamental das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais? A confirmar-se o aumento de frequência dos fenómenos climáticos extremos atrás referidos, urge procurar responder a estas questões.
André Pereira é doutorando em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável no ICS-Ulisboa, focado na articulação entre a ação climática e o ordenamento do território.
João Mourato é investigador auxiliar no ICS-ULisboa. Consultor da Direcção Geral do Território, leciona o módulo Alterações Climáticas e Ordenamento do Território no Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável.
Climatérico – relativo à menopausa ou ao período de maturação dos frutos
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Climatérico – Relativo ao clima (ex.: alterações climatéricas; fenómenos climatéricos; observações climatéricas). = CLIMÁTICO, CLIMATOLÓGICO
https://dicionario.priberam.org/climat%C3%A9rico
Obrigado pela leitura!
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Muito obrigado pela resposta, mas o dicionário de Português Priberam não é reconhecido como literatura científica, nem tentou comentar os vários pedidos de alteração que lhes devem ter chegado. É preferível consultar o “ciberdúvidas da língua portuguesa”.
Ao dispor para comentar a confusão deste termos, que creio, deriva de “Climax” e não de “Clima”.
Obrigado.
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O que realmente conta: dicionário da academia das ciências.
https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=climat%C3%A9rico+
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