Por: Leonor Prata, Luísa Schmidt e João Guerra
Desde a Conferência de Estocolmo das Nações Unidas (ONU), em 1972, reconhece-se a urgência de medidas políticas e diplomáticas ambientais eficazes e transparentes, que capacitem os cidadãos a agir em prol do bem comum. Neste desiderato, surgiram marcos como a Agenda 21, na Cimeira do Rio (1992), e a Agenda 2030, na COP 21 em Paris (2015), que articulam níveis de governança (nacionais, regionais e locais) e participação pública.
No entanto, análises retrospetivas deste meio século revelam um fraco desempenho internacional na concretização destas medidas e concretamente no que diz respeito à Educação Ambiental e para o Desenvolvimento Sustentável (EA). Tal desenlace deve-se, por um lado, à sua falta de integração sistémica, resultando em medidas desarticuladas que reforçam entraves institucionais, técnicos e financeiros, e, por outro lado, à prevalência de curricula que visam inculcar conhecimentos e atitudes, mas carecem de abordagens propiciadoras de sentido crítico, significativas e interventivas no ambiente natural e sociocultural, ao longo da vida.
Esta reflexão centra-se na cooperação lusófona no campo da EA, a partir de um estudo desenvolvido no âmbito do Observatório de Ambiente, Território e Sociedade (OBSERVA/ICS-ULisboa).
A Cooperação Multilateral Lusófona e a Educação Ambiental
A cooperação entre países com profundas ligações culturais, históricas e económicas é particularmente relevante pelo seu caráter ‘geo-epistemológico’, onde a língua portuguesa desempenha um papel central, moldando a ação, o pensamento e a relação com o ambiente físico, não-material e imaginário.
Neste contexto, aliás, a cooperação multilateral em prol da sustentabilidade plasmou-se nos princípios formadores da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 1996. Em particular, o Plano Estratégico de Cooperação em Ambiente (PECA-CPLP) veio, em 2014, especificar os seus domínios, meios financeiros e ações. Destacou, ainda, a integração da EA para a capacitação institucional e civil, fazendo especial menção à cooperação com a REDELUSO – Rede Lusófona de Educação Ambiental.
Formada em 2005 nas XII Jornadas Pedagógicas da Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA), a REDELUSO junta em interação cooperante promotores de EA dos países da CPLP e da Galiza que, desde 2007, dinamiza congressos internacionais de EA. Os Congressos REDELUSO (como ficaram conhecidos) visam promover o desenvolvimento de comunidades de conhecimento e expandir redes de projetos e de ensino ambiental, constituindo assim meios para emitir recomendações políticas aos diversos governos nacionais da CPLP.

Entre tais pareceres, destacamos a Declaração de Nuna, lançada no IV Congresso REDELUSO, que apelou à realização de estudos acerca do estado atual da EA “de forma a auxiliar a planificação e avaliação de políticas públicas”. Neste âmbito, o Observa colaborou com a ASPEA/REDELUSO na elaboração de diagnósticos do estado atual das políticas públicas e das abordagens de EA na CPLP. Até à data, realizaram-se duas edições de Inquéritos de EA na CPLP, com resultados consistentes e estimulantes, dos quais destacamos dois aspetos:
- A 1ª Edição (2017) indicou que a EA já tinha entrado nas agendas públicas e políticas de todos os países da CPLP, apesar de profundas desigualdades na sua abrangência e estabilidade. Com uma atividade mais consistente e contínua, destacaram-se os atores locais (autarquias, sociedade civil e escolas) e a sua ação nas comunidades .
- A 2ª Edição (2020), cujos resultados preliminares já abordámos no Blogue SHIFT, constatou que a confluência entre crises (climática, sanitária e económica) agravou carências estruturais pré-existentes. Em particular, afetou os sistemas educativos e as entidades promotoras de EA, mas também acentuou a relevância e impacto das suas ações, num contexto de agudização das desigualdades.
Neste panorama, a CPLP declarou um reforço da cooperação multilateral em reconhecimento da emergência climática e pandémica e, na VIII Reunião de Ministros de Ambiente, apelou para a “elaboração e implementação de uma Estratégia de Educação Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa”.
Como resposta, no VI Congresso REDELUSO, iniciou-se a preparação de um Grupo de Trabalho (GTEA-CPLP) coordenado pela REDELUSO/ASPEA e a CPLP. Para além dos Pontos Focais de Ambiente, integrou um leque diversificado de 74 peritos em EA, provenientes de entidades governamentais e não governamentais (com e sem fins lucrativos), assim como entidades educativas e científicas, entre as quais se inclui o Observa.
Construindo um Roteiro: Linhas Orientadoras para a Educação Ambiental Lusófona
No arranque do GTEA-CPLP, em Janeiro de 2022, foram apresentados os Termos de Referência, seus objetivos e Linhas Orientadoras (LO). O caminho traçado foi claro: elaborar uma proposta de “Linhas orientadoras para elaboração, implementação, avaliação e revisão de Estratégias de Educação Ambiental”, a apresentar ao Secretariado Executivo da CPLP. Ou seja, delinear orientações para a elaboração/melhoria de medidas nacionais e para compromissos estratégicos na CPLP em prol da EA, fomentando processos transparentes e participativos junto da sociedade civil.

Neste plano de trabalhos, os produtos realizados pelos membros integrados das LO foram revistos em sessões plenárias, mobilizando ferramentas digitais para viabilizar trabalho colaborativo (as)síncrono entre janeiro de 2022 e março de 2023. Num primeiro momento, realizou-se um levantamento das estratégias, políticas e medidas em vigor.

Assinala-se, assim, um avanço considerável desde 2017, tendo o enquadramento da EA na Agenda 2030 impulsionado a sua integração e sistematização, mesmo que persistam algumas desigualdades na sua sistematização (estratégias, medidas), abrangência (temáticas, públicos), estabilidade (política, financeira) e governança (participativa, transparente).
A diversidade dos peritos e das instituições representadas no GTEA-CPLP constituiu um fator multiplicativo da profundidade e abrangência desta iniciativa, possibilitando a desconstrução das medidas políticas e quadros legislativo-constitucionais na CPLP, identificando e sistematizando boas práticas. Por sua vez, mesmo falando a mesma língua, foi necessário adequar a linguagem ao público-alvo (político e diplomático da CPLP) e abordar a diversidade, especificidade e entraves nos quadros (conceptuais e técnico-legais) e nos meios (financeiros e técnicos) dos países da CPLP.
Esta pluralidade plasmou-se, também, na sessão de apresentação e debate público da proposta em abril de 2023, cuja intensidade de participação excedeu todas as expectativas. Contou com um público diversificado que participou ativamente, primeiro em salas distintas e depois numa discussão plenária, de onde surgiram contributos valiosos a integrar na versão final.

Nesta curta reflexão, sublinhámos a relação sinérgica entre a cooperação multilateral diplomática da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a sociedade civil, representada pela Rede Lusófona de Educação Ambiental (REDELUSO). Em particular, destacámos um Grupo de Trabalho que, por meio de uma colaboração baseada no reconhecimento mútuo e capacitação conjunta, empreendeu a sistematização dos caminhos da Educação Ambiental na CPLP e de linhas orientadoras que possam guiar futuras agendas políticas.
Leonor Prata é doutoranda em Sociologia no ICS-ULisboa integrada no Grupo de Investigação SHIFT. Como investigadora, integrou a equipa do Observa no EA2CPLP (2º Inquérito de Educação Ambiental na CPLP) e no GTEA-CPLP (Grupo de Trabalho “Linhas orientadoras para elaboração, implementação, avaliação e revisão de Estratégias de Educação Ambiental nos Estados-Membro da CPLP”). LC3@campus.ul.pt
Luísa Schmidt é socióloga, coordenadora do Observa – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade e investigadora coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Integra o Comité Científico do Programa Doutoral em ‘Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável’. mlschmidt@ics.ulisboa.pt
João Guerra é sociólogo, investigador no ICS-Ulisboa e docente no Programa Doutoral de Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável (ICS-Ulisboa), no Mestrado de Design para a Sustentabilidade (FBA e ICS-Ulisboa) e na Licenciatura de Sociologia (ISCTE-IUL). Desde 2019, co–coordena a Secção Ambiente e Sociedade da Associação Portuguesa de Sociologia. joao.guerra@ics.ulisboa.pt