A colaboração científica internacional vista a partir da investigação em energias renováveis em Portugal

Por Luís Junqueira

A capacidade de colaborar no plano internacional é frequentemente apontada como um elemento de maturação da atividade científica e a Comissão Europeia e os governos nacionais tem aumentado o esforço para fomentar o desenvolvimento da Área Europeia de Investigação (European Research Area – ERA) como forma de potenciar a investigação e integrar os países cientificamente mais periféricos. Este texto tem por objetivo explorar a colaboração científica internacional em energias renováveis, usando a coautoria de artigos científicos como aproximação, ainda que com limitações, do volume da atividade de colaboração entre países. Com este objetivo, recolhi todos os artigos na área de energias renováveis publicados entre 2000 e 2015, com autoria de pelo menos um investigador de instituições portuguesas disponíveis na base bibliografia Scopus, um dos principais indexadores de artigos científicos. Estes dados foram desambiguados e transformados de forma a serem compatíveis com uma análise de redes da colaboração científica internacional (em que os vértices correspondem a países e as arestas correspondem a coautorias de artigos por autores dos países adjacentes).

A colaboração internacional na área das energias renováveis por parte de investigadores radicados em Portugal tem vindo a crescer de forma muito significativa (Tabela 1), envolvendo coautores de um número crescente de países, produto do aumento do investimento em ciência em geral e da crescente centralidade da transição energética nos programas de financiamento.

A maior parte das coautorias é feita com outros países europeus, o que confirma expectativas sobre a importância da colaboração europeia para comunidades científicas mais periféricas da União Europeia, como Portugal. No entanto, há um decréscimo do peso da colaboração com os países da ERA, reflexo de uma maior capacidade dos investigadores portugueses em estabelecer parcerias internacionais bilaterais. Destaca-se aqui a relação continuada com o Brasil, o terceiro parceiro em termos de número de colaborações, facilitada pela afinidade histórica e linguística entre os dois países, e o aumento muito significativo da colaboração com os EUA, que não só são a principal potência científica a nível internacional – e, portanto, com muita capacidade de atrair colaborações – como beneficiaram do programa MIT Portugal, estabelecido em 2006, passando de um colaborador marginal em 2001-2005 para um dos mais significativos em 2011-. Verifica-se também uma tendência de concentração, dado que, apesar de uma diversificação do número de países envolvidos em coautoria com investigadores portugueses, a contribuição dos três principais parceiros (Espanha, EUA e Brasil) no total das colaborações aumentou de 19% para 29%.

Tabela 1. Volume de coautorias em publicações científicas em energias renováveis em Portugal

  2001-2005 2006-2010 2011-2015
Países 21 31 35
Colaborações 36 88 284
% de colaborações na ERA 83% 71% 67%
% 3 princ. parceiros no total de colaborações 19% 24% 29%
Fonte: Scopus – consulta a 16-03-2016

As coautorias internacionais assentam em diferentes dinâmicas, que refletem a posição ocupada por Portugal na organização internacional da atividade científica (Gráfico 1). A relação entre o número de artigos publicados em colaboração com investigadores portugueses (tamanho dos nodos) e o número de outras coautorias presentes nesses artigos (cor dos nodos) representa o número médio de países parceiros nas colaborações internacionais e permite-nos avaliar o tipo de dinâmica de colaboração entre Portugal e estes países.

O Brasil e a Espanha estão entre os que têm um padrão de colaboração mais bilateral , reforçando a importância das afinidades linguísticas, culturais e geográficas no desenvolvimento de colaborações nesta área. A Espanha tem também um historial de colaboração bilateral relacionado com a investigação em energias renováveis entre os dois países, como o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, que faz trabalho de investigação em materiais para células fotovoltaicas, assim como um conjunto de empresas espanholas da área da energia promotoras de projetos de energias renováveis na área da energia eólica e fotovoltaica.

Já os restantes países da ERA tendem a ter valores de grau mais elevados, e, portanto, dependem de colaborações multilaterais, em grande medida porque a colaboração no interior da ERA é condicionada pelos mecanismos de financiamento europeu, que tendem a motivar o envolvimento de um número alargado de países nos projetos. Esta característica é mais marcada para países mais distantes geográfica e culturalmente, como os da Europa do Norte – Suécia, Finlândia, Dinamarca – e alguns da Europa Central, como Áustria, Suíça e Bélgica, com as grandes potências científicas europeias, como o Reino Unido, a Alemanha e a França, e os outros países da Europa do Sul, como a Itália e a Grécia, a situarem-se numa posição intermédia. A existência de afinidades entre países influencia de forma significativa as dinâmicas de colaboração internacional, não só no seu volume nas também na forma como esta se organiza.

Figura 1. Ego-rede de coautoria internacional de artigos sobre energias renováveis por parte de investigadores portugueses

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Fonte: Scopus – consulta a 16-03-2016

Em suma, a investigação em energias renováveis em Portugal consolidou-se e internacionalizou-se, reforçando a colaboração bilateral com países com os quais mantém afinidades – Espanha (geográfica), Brasil (linguística), EUA (programa MIT Portugal na área dos sistemas sustentáveis de energia).

O conjunto destes três principais parceiros de colaboração bilateral (Espanha, EUA e Brasil) tem vindo a ganhar peso em detrimento das colaborações com outros países da ERA, com quem a colaboração científica tende a ser mais baseada em projetos envolvendo simultaneamente investigadores de vários países.

Os investigadores portugueses mostram relativa facilidade em estabelecer colaborações com investigadores espanhóis e, em menor grau, com investigadores, por exemplo, de França ou Itália, mas revelam dificuldades em estabelecer relações regulares com investigadores do Norte da Europa, cuja colaboração com Portugal parece ser mediada pela participação conjunta em colaborações internacionais envolvendo vários países. Estas diferentes dinâmicas de colaboração com investigadores de outros países da Europa sugerem que a participação em projetos europeus não se traduz necessariamente em colaboração continuada, o que condiciona o seu impacto em termos de convergência do sistema científico português com o resto da Europa, e, consequentemente, da capacidade de os investigadores portugueses participarem no desenvolvimento de soluções para os desafios da transição energética.


Luís Junqueira é doutorado em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com projeto financiado através de bolsa individual da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Atualmente é bolseiro de investigação no projeto PEARLS: Arenas de planeamento e participação para as paisagens de energias renováveis, em curso no ICS-UL. Os seus principais interesses de investigação são as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, as práticas de sustentabilidade, a política ambiental e de energia, a política de ciência e os métodos digitais.

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