Por Carlos Tito Santos
As alterações climáticas e os ciclones tropicais
Apesar de existirem algumas incertezas científicas sobre a forma como as alterações climáticas afectam os ciclones tropicais, a variabilidade do clima e as alterações climáticas estão definitivamente a influenciar estes fenómenos climáticos extremos, cada vez mais intensos e devastadores.
O Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas de 2013 concluiu que o aquecimento do clima era inequívoco. Estudos mais recentes como Emanuel (2015) ou Knutson et al. (2015), indicaram que este facto contribuiu para que a temperatura da superfície do mar esteja a aumentar, o que faz com que mais água evapore para a atmosfera e contribua para a intensificação dos ciclones tropicais. O aquecimento global estará também a causar a subida do nível do mar, o que agravará o impacto das inundações resultantes da sobrelevação marítima dos ciclones tropicais em zonas costeiras baixas.

O ordenamento do território e os ciclones tropicais
Nas regiões afectadas pela passagem de ciclones tropicais, as zonas costeiras estão, portanto, cada vez mais expostas à intensidade destes fenómenos extremos. Os impactos têm sido devastadores, não só em termos de números de vítimas mas também de prejuízos avultados. Comunidades, ecossistemas e infraestruturas são particularmente vulneráveis aos impactos destes fenómenos climáticos extremos, por se encontrarem em zonas sujeitas a riscos.
As cidades atingidas por ciclones tropicais demoram, em geral, bastante tempo a recuperar, por não terem podido antecipar e investir em medidas preventivas e por terem falta de planos de adaptação e de medidas resilientes ao clima, não só para as infraestruturas, mas também para os diferentes sectores e serviços. Estes desastres naturais atingem em especial os mais pobres, que normalmente são os que sofrem mais vítimas e danos materiais.
Muitas das cidades costeiras necessitam antecipar e adaptar regularmente o seu ordenamento do território, de forma a poderem reduzir as vulnerabilidades aos ciclones tropicais. Como tal, o ordenamento do território pode desempenhar um papel fundamental através da integração das medidas de adaptação às alterações climáticas e de redução do risco de catástrofes, nomeadamente, através de instrumentos como o zonamento e os códigos de construção. Incentivos financeiros para a redução de risco, tais como incentivos fiscais e desincentivos ou seguros, podem também ser ferramentas muito eficazes para reduzir os riscos e melhorar a resiliência das pessoas e infraestruturas. Neste contexto, o ordenamento do território deve ser determinante na protecção das comunidades e do ambiente, ao evitar a construção em zonas vulneráveis. Os impactos das alterações climáticas representam também novos desafios para reforçar a capacidade de adaptação através de novas abordagens tecnológicas e arquitectónicas mais integradas com os ecossistemas.
Neste século XXI, uma série de ciclones tropicais extremamente intensos, como o Katrina (2005) e o Sandy (2012) nos Estados Unidos e o Haiyan (2013) nas Filipinas, tiveram consequências devastadoras, que causaram perdas humanas e danos significativos às infraestruturas. A intensidade destes desastres climáticos demonstrou uma falta de preparação por parte dos governos, das comunidades e do sector privado em lidar com os impactos destes fenómenos. Mesmo em países desenvolvidos como os Estados Unidos, a inadequação de muitas infraestruturas e o planeamento desactualizado contribuíram para agravar os impactos dos ciclones tropicais Katrina e Sandy.
Impacto do ciclone tropical Haiyan nas Filipinas
Nas Filipinas, a dimensão do impacto do ciclone tropical Haiyan e da sua sobrelevação marítima representou um ponto de viragem devido à potencial influência das alterações climáticas nos ciclones tropicais. Haiyan foi responsável por um elevado número de vítimas e avultados prejuízos estimados em cerca de US$12.9 mil milhões (National Economic and Development Authority, 2013), em particular na cidade costeira de Tacloban. O Haiyan veio também mostrar a grande vulnerabilidade aos impactos destes fenómenos climáticos extremos numa região das Filipinas que está habituada à passagem anual de ciclones tropicais.

O processo de reconstrução das infraestruturas nas áreas afectadas pelo Haiyan seria feito através do princípio de “reconstruir melhor”. Desta feita, medidas de redução de riscos foram integradas nos instrumentos de ordenamento do território, bem como zonamentos baseados em análises de risco, códigos de construção resilientes ao clima e modernização de infraestruturas.
Na cidade de Tacloban, logo após o impacto do Haiyan, foi implementada a política de zonas de construção interdita numa faixa de 40 metros a partir da linha da água, o que originou um processo de realojamento forçado dos ocupantes ilegais que viviam nas zonas sujeitas a riscos para a área norte da cidade, para os proteger do impacto de futuros ciclones tropicais.

O impacto do Haiyan foi determinante para impulsionar novas leis, políticas e planos nas Filipinas, como o Plano Abrangente de Ordenamento do Território em Tacloban que foi revisto para incluir medidas de adaptação às alterações climáticas e medidas de redução dos riscos, tendo captado recursos financeiros e humanos para apoiar o processo de recuperação e reabilitação das zonas afectadas por este ciclone tropical.
Com os últimos anos a registarem consecutivamente as temperaturas médias mais altas, a comunidade internacional precisa urgentemente de tomar medidas que reduzam os impactos das alterações climáticas . Neste contexto, integrar a adaptação no ordenamento do território nem sempre é uma tarefa fácil, devido a potenciais políticas e planos antagónicos, interesses em jogo, falta de recursos e governança. No entanto, o ordenamento do território pode ser fundamental para diminuir a vulnerabilidade das populações e infraestrutura a riscos múltiplos, melhorando a resiliência das áreas urbanas apoiadas por políticas, legislação e governança territorial efectiva que podem ajudar a antecipar os impactos dos ciclones tropicais extremos.
Carlos Tito Santos é Research Fellow na organização Oscar M. Lopez Center baseada nas Filipinas que trabalha na área da adaptação as alterações climáticas e a gestão de risco de desastres (http://www.omlopezcenter.org). carlos.tito.santos@gmail.com
O texto deste artigo resume as ideias e os resultados essenciais da tese de doutoramento do autor intitulada “The impact of tropical cyclone Haiyan in the Philippines: Contribution of spatial planning to enhance adaptation in the city of Tacloban”.