Por Jussara Rowland
De entre todos os tipos de blogues académicos que tenho acompanhado nos últimos anos, os que mais me têm frustrado e fascinado são os blogues de projetos de investigação. De forma geral, são poucos os projetos que têm blogues verdadeiramente dinâmicos. Na maioria dos casos constrói-se um website com, eventualmente, uma página tipo blogue na qual serão publicadas algumas notícias direcionadas para o público em geral, que irá ser atualizada ao longo do projeto sempre que seja atingida alguma milestone ou que o projeto precise de publicitar um evento.
Mas será que se pode esperar de um projeto mais do que isso? No contexto acelerado da academia atual, até que ponto faz sentido investir na criação de um blogue no âmbito de um projeto? E se a resposta for afirmativa, para quê? Para quem? E, sobretudo, como?
Não penso que as respostas a estas perguntas sejam simples. Nos últimos anos as expectativas em relação a projetos de investigação têm-se ampliado, sendo agora exigido não só altos níveis de produção, mas também engajamento com públicos diversificados e provas de impacto social a vários níveis. Como resultado, coordenadores e equipas de projeto encontram-se muitas vezes sob pressão para gerir esses múltiplos objetivos. Tendo em conta que alimentar um blogue é uma tarefa que exige algum empenho e regularidade, fará mesmo sentido criar uma plataforma que irá obrigar a um esforço adicional por parte da equipa de projeto?
Num post no seu excelente blogue sobre produção e comunicação académica, Pat Thomson tentou responder a esta questão a partir do exemplo de dois blogues de projetos académicos onde participou, e que considera terem sido particularmente bem sucedidos.
O primeiro, o Performing Impact Project, um projeto sobre como as companhias de teatro podem adquirir maior percepção sobre o impacto junto dos seus públicos, os investigadores utilizaram o blogue para explorar algumas ideias a discutir com os parceiros do projeto. Para tal, publicaram de forma regular uma série de posts temáticos baseados na revisão de literatura especializada, como este, sobre memória da comunidade, ou este, sobre autenticidade e verdade. Estes pequenos textos foram lidos pelos parceiros ao longo do tempo, e posteriormente discutidos, em conjunto, nos workshops finais do projeto.
No segundo projeto, o TALE, sobre professores e estudantes de artes performativas e visuais, a equipa de investigação visitou, ao longo de 3 anos, cerca de 30 escolas. Durante esse tempo foi partilhando pequenos textos sobre cada visita, refletindo acerca das conversas tidas com professores e alunos e das atividades desenvolvidas na instituição. Estes textos tiveram como principal audiência, não só os financiadores do projeto, como as próprias escolas envolvidas no projeto.
Um outro blogue que tem desenvolvido atividades muito diversificadas é o do Connectors, um projeto financiado pelo European Research Council, e coordenado por Sevasti-Melissa Nolas, sobre a relação entre as crianças e a vida pública e a forma como a orientação para a ação social emerge durante a infância. Este blogue funciona não apenas como uma plataforma onde partilhar o desenvolvimento da pesquisa, mas também como espaço onde engajar o leitor no processo de reflexão da equipa. Nesse sentido foram idealizadas uma série de iniciativas, denominadas de publics creating methodologies, que incluem diferentes formas de envolvimento de públicos on e off-line, nomeadamente atividades de crowd sourcing. Entre estas destacam-se em particular as “earliest political memory”, as “desire lines” e as “photos/stories from the field”.
Earliest Political Memory
A série de posts “A memória política mais antiga” refere-se às memórias de infância sobre eventos políticos, situações do dia a dia e conversas sobre assuntos sociais e políticos. A solicitação da memória mais antiga, que se insere no que a coordenadora do projeto define como anedoctal theory, revelou-se para o projeto, desde cedo, como uma forma extremamente rica de pensar a relação entre a infância e a vida pública. Para além das histórias recolhidas durante o trabalho de campo, a equipa criou um espaço no blogue onde os leitores podem partilhar a sua memória mais antiga, contribuindo assim para alargar e diversificar a coleção.

Photo/Stories from the Field
As foto-histórias são pequenos posts, com uma fotografia e 500 palavras no máximo, sobre experiências do trabalho de campo e suas metodologias. Inspirados pelo livro de John Van Maanen, Tales of the Field, o objetivo destes posts é refletir sobre o trabalho desenvolvido no terreno a partir da partilha de experiências e de momentos de interação com as crianças e os seus pais.

O blogue do Connectors é um caso relevante pela sua ambição de tornar mais visível e acessível para o público o processo de fazer pesquisa em ciências sociais, aquilo que a coordenadora define como a “caixa negra” das metodologias. É também um blogue onde tópicos abordados são muitas vezes extensões de, ou são extensíveis a, outras atividades desenvolvidas pelo projeto, complementando-se mutuamente. De facto, segundo Sevasti-Melissa Nolas, o objectivo atual da equipa é transformar progressivamente o blogue num arquivo dos vários artefatos produzidos ao longo do projeto, tornando-se num “livro-vivo” de todo o processo.
Os três blogues aqui referenciados apresentam algumas diferenças, no sentido em que o projeto TALE e o Performing Impact Project são blogues, desde o início, com uma estratégia clara, e com uma audiência muito específica, ou seja, os seus conteúdos são orientados para os parceiros do projeto e público relacionado. No caso do Connectors, por sua vez, um projeto mais longo e exploratório, o desenvolvimento dos conteúdos do blogue foi sendo progressivo, surgindo em resposta às várias fases do trabalho de campo do projeto. Para além disso, dirige-se a um público mais indefinido, sendo que atualmente a sua audiência é composta sobretudo por académicos e investigadores.
Estes três blogues distinguem-se de outros, no entanto, pelo facto de procurarem um engajamento direto e ativo com diferentes públicos. A comunicação é feita não apenas no sentido de dar a conhecer os resultados do projeto, mas também para partilhar com as suas audiências o progresso da investigação, envolvendo-as ativamente, on e offline, no processo. A partilha de informação faz-se à medida que decorre o trabalho de campo, dando visibilidade a questionamentos teóricos, momentos de interação, indagações metodológicas, entre outros. Isso é geralmente feito através da publicação de posts regulares, relativamente curtos e temáticos. Para além disso estes blogues funcionam como plataforma agregadora de conteúdo, tornando-se, ao longo do tempo, num arquivo vivo sobre o projeto. Estes conteúdos irão continuar a atrair clicks e visitas, constituindo um recurso importante para os investigadores e um elemento de impacto a longo termo.
Uma das características dos blogues académicos, entre os quais os de projeto, é que podem ser extremamente diversificados, assumindo diferentes funções e formatos, não existindo, por isso, uma forma certa ou errada de o fazer (Carrigan, 2016). No caso dos blogues aqui apresentados, as investigadoras responsáveis tinham já prática prévia de escrita de blogues académicos, de caráter pessoal ou institucional, tendo utilizado essa experiência para pensar em diferentes estratégias de engajamento. No entanto, é preciso ter em conta que, como nota Pat Thomson neste outro post, o sucesso de um blogue de projeto não é garantido, colocando-se também diferentes questões em relação às informações e aos conteúdos que podem ser partilhados durante o decorrer da investigação.
A criação de um blogue e a definição dos seus formatos terão sempre de ter em conta as especificidades do projeto e das suas audiências. Ainda assim é interessante pensar nos blogues de projeto não apenas como plataformas de disseminação, mas ainda como ferramentas para engajar públicos, dar visibilidade a parceiros, aprofundar a relação entre diferentes tipos de conteúdos e informações, explorar ideias e clarificar argumentos. Nesse sentido, um blogue não deve ser considerado como um esforço adicional para os investigadores envolvidos, mas sim como uma ferramenta de desenvolvimento do projeto, em que os seus conteúdos servem para comunicar os resultados obtidos, mas também para informar o próprio processo de pesquisa.
Jussara Rowland é investigadora no projeto CUIDAR no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e editora do Blogue Ambiente, Território e Sociedade. Email: jussara.rowland@ics.ulisboa.pt
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