Por Dennis Zuev
Enquanto por todo o mundo os países tentam limitar o aumento da temperatura da Terra, a China fez da transição para o transporte de baixas emissões de carbono uma prioridade. Como parte do esforço para desenvolver veículos de baixas emissões (low-carbon), os fabricantes nacionais de automóveis elétricos beneficiaram de um apoio significativo por parte do governo chinês. As suas vendas, no entanto, têm sido prejudicadas por um concorrente de reduzida dimensão: o veículo elétrico de baixa velocidade (disuche).
Apesar do nome, os veículos elétricos de baixa velocidade (LSEV) não são assim tão lentos. Com uma velocidade máxima de 60 km/h, eles são suficientemente rápidos para se deslocarem em cidades grandes e fortemente congestionadas, podendo mesmo atingir 100 km/h se forem alvo de uma “intervenção manual”. A maioria dos modelos é compacta, assemelhando-se a veículos utilitários de três rodas ou a buggies de golfe – uma solução prática para a falta de espaço de estacionamento que se tornou um problema significativo à medida que cada vez mais pessoas conduzem na China.
A maior vantagem dos LSEV é, provavelmente, a sua eficiência de custo, com um preço médio de 4500 euros. Para além disso, todos os seus proprietários na China irão receber uma matrícula, independentemente da marca ou do tamanho do seu veículo.

Isto é importante, porque até recentemente a maioria dos LSEV não tinha registo de identificação. De facto, até outubro de 2016 não havia regras que regulassem o seu fabrico ou uso. Mas agora que o governo anunciou a sua intenção de supervisionar o setor, esses veículos deverão vir a desempenhar um papel importante no rápido processo de urbanização da China.
Cidades do futuro
O novo plano de urbanização chinês prevê a migração de 100 milhões de pessoas para cidades de terceiro e quarto níveis do sistema urbano nacional até 2020, pelo que o transporte a preços acessíveis se torna uma prioridade. Ao assumir a supervisão do crescimento e desenvolvimento dos LSEV, o governo chinês está agora na posse de uma nova ferramenta para reformular o ambiente urbano.
De facto, a China tem uma reputação de cidades baseadas no uso intensivo de automóveis (car-centred cities), que sofrem de tráfego intenso e de poluição elevada. Embora a melhor opção seja estimular a utilização de transportes públicos, os LSEV podem vir a desempenhar um papel importante na qualidade do ar das cidades chinesas, oferecendo uma alternativa mais compacta e de baixa emissão a todos os que aspiram vir a ser proprietários de um automóvel.

Mas o LSEV não é a única opção de transporte low-tech na China urbana. Há também cerca de 300 milhões de motorizadas elétricas de diferentes tipos e marcas. De facto, motorizadas e bicicletas elétricas têm sido, até agora, os veículos mais populares de combustível alternativo na história da motorização na China.
É de relevar, no entanto, que há algum tempo que as motorizadas elétricas são consideradas um problema para as autoridades locais, uma vez que estas tendem a valorizar outras soluções de mobilidade de alta tecnologia para tornar as cidades mais modernas. De facto, regras mais rigorosas foram impostas em dez cidades chinesas de grandes dimensões, entre as quais Pequim e Shenzhen, num esforço controverso de conter o uso de motorizadas.
É difícil de prever se as bicicletas elétricas irão desaparecer. A nossa pesquisa sobre a inovação da mobilidade com baixas emissões de carbono na China sugere que as e-bikes e os LSEV continuarão a coexistir e a competir uns com os outros por algumas décadas. Ainda assim, a decisão do governo chinês de atribuir um estatuto legal formal ao LSEV irá, definitivamente, dar aos seus fabricantes uma nova vantagem no jogo da mobilidade de baixa tecnologia.
Tentativas anteriores de regularizar as empresas de veículos elétricos da China têm tido, ainda que discretamente, consequências imprevistas: em agosto do ano 2016 foi relatado que 90% dos fabricantes de EV poderiam vir a ficar fora do mercado por causa das novas e difíceis regras. Por outras palavras, embora a regulamentação eleve os padrões de exigência, também irá favorecer alguns grandes produtores e sufocar a concorrência.
O criador de tendências globais
Apesar destes constrangimentos, deve notar-se que a China é o país que possui atualmente o maior número de LSEV privados do mundo, bem como o número mais elevado de LSEV utilizados em serviços de carros partilhados. E o governo chinês está empenhado em aproveitar esse sucesso.

Já existe um crescente interesse global em LSEV de menores dimensões, incluindo os EV dobráveis em cidades europeias e os veículos elétricos 3D-imprimíveis no Japão. Mas até agora, muitas cidades têm tido relutância em adotá-los em grande escala. Como resultado, os LSEV permanecem um “veículo elétrico de vizinhança” de presença marginal.
Ao controlar este setor em expansão, o governo chinês irá ser capaz de elevar os padrões de exigência. Isso vai não só beneficiar os consumidores e impulsionar as vendas internamente, mas também ajudar os fabricantes a alcançar novos mercados em cidades europeias, como Milão na Itália.
O acesso aos mercados internacionais vai dar aos fabricantes mais capital para reinvestir na atualização da tecnologia LSEV e para adicionar novos recursos. Como resultado, esses veículos vão tornar-se ainda mais atraentes e capazes de competir com os automóveis de combustão e os veículos elétricos convencionais, quer junto dos consumidores individuais, quer nos contratos para serviços de partilha de carros nas cidades.
Como alguns estudiosos gostam de dizer, “como a China vai, também vai o mundo“. Mais concretamente, muitos outros países são suscetíveis de vir a seguir a liderança da China no que se refere a esta lógica de desenvolvimento urbano.
A decisão do governo chinês de supervisionar a produção de LSEV vem pôr em evidência as intenções da China de liderar o desenvolvimento da mobilidade com baixas emissões de carbono, não apenas em casa, mas em todo o mundo.
Dennis Zuev é investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do ISCTE e investigador associado do Institute of Social Futures, University of Lancaster, Reino Unido. Email: tungus66@gmail.com
One thought on “Os veículos elétricos de baixa velocidade estão a influenciar a urbanização de alta velocidade na China”