Por Luzia Oliveira
O resultado da COP 21 em Paris evidenciou a importância que a questão das alterações climáticas ocupa na agenda dos decisores políticos, tanto à escala macro como micro. Os compromissos assumidos pelos grandes e pequenos países emissores, como é o caso de Cabo Verde, mostram que não há outro caminho que não seja a opção por uma política voltada para a descarbonização da economia, a fim de evitar que a temperatura média global ultrapasse os 2ºC acima dos níveis pré-industriais.
Apesar de a primeira reunião pós-Paris COP 22, realizada em Marraquexe, ter terminado num clima de incerteza devido às eleições presidenciais norte-americanas, ficou patente que o paradigma do desenvolvimento atual, baseado essencialmente em combustíveis fósseis, é incompatível com a capacidade de absorção do planeta. Refiro-me à capacidade de sequestro por parte dos grandes sumidouros naturais, como sejam os oceanos e florestas, e mesmo das tecnologias desenvolvidas para potenciar tal capacidade, pelo que todos os esforços devem ser desencadeados para tentar inverter a trajetória de crescimento das emissões de gases com efeito de estufa. Não restam dúvidas de que é indispensável a opção por uma política energética assente na produção por fontes renováveis, conjuntamente com medidas de eficiência energética, que vão desde alternativas para otimizar a produção até às pequenas práticas individuais para racionalizar o consumo.
Para países insulares em vias de desenvolvimento, como Cabo Verde, uma política energética deste tipo terá uma relevância significativa porque permitirá garantir a segurança de abastecimento, aproveitar a riqueza de recursos endógenos e servir de locomotiva para sectores importantes como o turismo – considerado o pivô de desenvolvimento do país.
A opção pelas energias renováveis por parte dos operadores turísticos tem a vantagem de ajudar a suprir a fraca qualidade na prestação dos serviços de energia e água e assim melhorar a qualidade dos seus próprios serviços. Além disso, a crescente preferência pelo turismo ecológico poderá ditar uma maior procura de empreendimentos que utilizam sistemas e práticas sustentáveis de energia.
A aposta nas energias renováveis e na eficiência energética permitirá ainda que zonas remotas tenham acesso a energia. Porém, a fragilidade económica, a insularidade e a exiguidade territorial do país poderão atuar como constrangimentos estruturais na materialização de uma política energética desta natureza.
Cabo Verde definiu desde muito cedo, em 1975, a sua política pública do ambiente, com o objetivo de enfrentar as adversidades de um clima agreste e promover o equilíbrio social, económico e ambiental. Mas é só a partir de 1990 que a política pública de ambiente ganha dimensão com a aprovação de um conjunto de políticas que lhe servem de suporte até aos dias de hoje. Entre esta políticas incluem-se a Constituição da República de 1992 e a Lei de Base do Ambiente de 1993, assim como vários Decretos Regulamentares, a adesão a diversas Convenções Internacionais e a elaboração e implementação de múltiplos instrumentos de ação, entre eles o Plano de Ação Nacional para o Ambiente, os Programas de Eletrificação Rural e o Programa de Ação Nacional sobre as Mudanças Climáticas.
Ao longo dos anos, estas políticas têm sido desenvolvidas a nível central e local, de forma integrada e com a participação da sociedade civil. Elas vão sendo definidas e ajustadas em função das conjunturas nacional e internacional, assim como das dinâmicas institucionais e políticas internas. Estas políticas têm ainda sido influenciadas pela política internacional em matéria do ambiente. Especialmente importantes são os períodos que antecedem e procedem uma cimeira internacional, nos quais o país elabora e divulga instrumentos de política relevantes. Aqui destaco a primeira e segunda comunicação sobre as mudanças climáticas, o relatório para Cimeira Rio+20 e o INDC – Intended Nationally Determined Contribution apresentado na COP21 de Paris.
Relativamente ao INDC, o contributo do país para a redução de emissões centra-se em setores prioritários como a energia, os transportes, os resíduos, a agricultura, a floresta e outros usos do solo. É no sector da energia, no entanto, que se espera um contributo significativo através da promoção de energias renováveis, estimando-se uma redução média de emissões na ordem de 600-700 tCO2eq/ano.
Energias Renováveis |
Eficiência Energética |
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Compromisso incondicional |
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Atingir 30% da taxa de penetração na rede elétrica | 2025 | Diminuir para 10% a procura da energia, tendo em conta o cenário de base até 2030 |
Com apoio internacional |
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Aumentar a taxa de penetração na rede elétrica para 100% | 2025 | Diminuir para 20% a procura da energia, tendo em conta o cenário de base até 2030 |
Com grande esforço |
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Atingir uma taxa de penetração na rede elétrica de 100% | 2020 em 3 etapas:
i) 35% (2016-2018) ii) 50% (2018-2020) iii) 100% (2020-2025) |
Diminuir para 20% a procura da energia, tendo em conta o cenário de base até 2030 |
Quadro resumo do INDC, ER e EE. Fonte: INDC Cabo Verde 2016
Sendo Cabo Verde muito vulnerável aos impactos das alterações climáticas, o país tem também dado especial atenção às políticas de adaptação, abrangendo áreas prioritárias como os recursos hídricos, o setor agro-silvo-pastoril e do turismo e as zonas costeiras. Existem muitos casos de ações de co-benefício com a mitigação, como é o caso da bombagem de água através de painéis solares para a agricultura.

O abastecimento energético com segurança e fiabilidade, assim como a garantia de uma taxa de cobertura total a preço acessível, constituem um grande desafio num país quase totalmente dependente de fontes de energia primária.
A taxa de população com acesso à energia elétrica ronda atualmente os 85%. É na restante franja, que ainda não dispõe de energia elétrica, que as energias renováveis poderão ser uma alternativa para atingir a cobertura total. Existe uma política ativa nas energias renováveis, cuja taxa de penetração na rede elétrica situa-se hoje à volta dos 25%, mas que se perspetiva que atinja os 100% em 2020. É suposto que a concretização desta ambiciosa meta seja conseguida com um conjunto de medidas de eficiência energética e o envolvimento das famílias, do sector público e das empresas.

A vulnerabilidade económica de Cabo Verde pode inviabilizar esta política de promoção das energias renováveis. Este é um país que possui uma economia frágil, em que predomina o sector terciário, uma elevada dívida pública e uma fraca capacidade de geração de emprego. Tendo em conta o avultado volume de investimento inicial que as energias renováveis requerem, não disponível no país, a maioria do capital terá de vir do exterior, por via privada e/ou de parcerias público-privado, as principais modalidades adotadas até hoje.
Outro problema é a insularidade e a exiguidade territorial. Sendo um arquipélago constituído por 10 pequenas ilhas, e com uma população de cerca de meio milhão de habitantes, os desafios com que uma política de investimento nas energias renováveis se depara são enormes. A exiguidade territorial coloca uma questão de escala, implicando que os investimentos terão de ser multiplicados para as 9 ilhas habitadas. Outra dificuldade tem a ver com a integração da rede, o que, sendo tecnicamente possível entre ilhas cujas distâncias são reduzidas, torna-se, no entanto, extremamente oneroso.
Portanto, é imperativo reforçar a implementação de políticas públicas baseadas nas energias renováveis e na eficiência energética para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Cabo Verde, apesar de fortes constrangimentos, deve continuar nesta senda para se poder desenvolver sustentavelmente.
Luzia Oliveira é doutoranda do Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável.
Muito bom …recomenda-se….
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