Autora: Adriana Ferreira Alves
O convidado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS ULisboa), para a palestra de abertura do ano lectivo 2016/2017 foi o inglês Mike Hulme.
Geógrafo de formação, trabalhou durante 25 anos na Universidade de EastAnglia, sendo actualmente professor de Climate and Culture, no King’s College London (Faculty of Social Science & Public Policy), onde dirige o Departamento de Geografia e coordena o Grupo de Investigação sobre Clima. Está na direcção editorial de várias revistas científicas, entre as quais a conceituada WIREs Climate Change.
The cultural fonctions of Climate foi o tema da sua palestra, no passado mês de Outubro, onde, no conjunto dos programas doutorais da Universidade de Lisboa, se destaca, como o maior e um dos mais internacionais Doutoramentos da Universidade de Lisboa, precisamente o Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável.
Fonte: ICS ULisboa
Clima e Cultura
Autor de referência, Hulme falou-nos, assim, de uma relação simbiótica entre a Humanidade e o clima, introduzindo-nos, dessa forma, ao estudo da ligação entre o tempo, o clima e a vida cultural.
O clima pode ser definido estatística e meteorologicamente, bem como com base nas diferentes interacções do sistema físico terrestre. Mas o clima tem também uma dimensão humana intuitiva, com base no imaginário colectivo, nas percepções e numa memória social sobre como deve ou não ser o tempo em determinada época do ano.
Na nova obra de Hulme, Weathered cultures of Climate (Nov. 2016), o conceito de clima subentende a procura de padrões no meio do caos, de ordem e de estabilidade no mundo, remetendo para um sentimento de confiança, sem o qual o mundo seria muito perigoso e imprevisível. O clima surge, assim, como uma ideia da imaginação humana, qual bússola de navegação entre o concreto e o simbólico, que guia e estabiliza as nossas relações com o mundo, ao ritmo das estações do ano.
Partindo da expressão popular inglesa «Climate is what you expect, Weather is what you get», Hulme faz-nos pensar em como as alterações climáticas (AC) afectam as nossas expectativas sobre o clima. Nesse sentido, as AC são, ao mesmo tempo, poderosas e perturbadoras. E se a ideia de Clima foi criada para estabilizar e transmitir confiança, as AC trazem-nos agora uma desestabilização caracterizada pelo que Hulme chama de disrupted expectations.
Esta noção de expectativas quebradas remete-nos para a obra Why we disagree about Climate Change (Hulme, 2009), em que o autor analisa os múltiplos factores na génese do desentendimento sobre as alterações climáticas, demonstrando que os desacordos sobre esta temática estão enraizados nos valores humanos.
Fonte: Some Ecards
Entendendo o desentendimento
Hulme explora, nesta obra, as diferentes maneiras de pensar as AC (como se constrói a «ideia de Clima» e como esta se relaciona com o clima físico em si), começando por uma análise histórica da temática, e abordando a questão antropogénica (o Homem como actor activo e decisivo nas mudanças climáticas), por oposição à anterior explicação, naturalista.
Aceite que está a causa antropogénica das Alterações Climáticas, Hulme questiona-se se o papel da ciência das AC será o de descobrir verdades imparciais sobre o mundo e revelá-las aos políticos para que eles decidam sobre estas, ou se terá a ciência outros papéis a assumir na sociedade? Conclui que a ciência prospera com a discordância, e só pode funcionar através de questionamentos e desafios, pois precisa de cepticismo e disputa para dar frutos.
Paralelamente, e numa análise mais antropológica, Hulme defende que uma das razões pelas quais há tanto desacordo sobre as AC é a subjectividade das percepções humanas sobre as questões climáticas. O facto de termos diferentes crenças no que respeita à nossa individualidade, ao Universo e ao nosso lugar nele, bem como diferentes percepções de risco (nas variadas culturas humanas), tem uma influência directa nas nossas atitudes, comportamentos e políticas. Logo, são as diferentes visões de pobreza, desigualdade, desenvolvimento e governança que geram maior desentendimento sobre as alterações climáticas.
Em suma, Hulme explora vários ângulos de abordagem às AC (ciência, economia, religião, psicologia, media, desenvolvimento e governança), para concluir que o entendimento sobre o clima só pode acontecer em termos interdisciplinares e de forma criativa.
Fonte: The Quotepedia
Interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade é um conceito-chave nas alterações climáticas, não só na resposta às AC (cujos efeitos se repercutem pelo ambiente e por todas as esferas da sociedade, desde a segurança alimentar à saúde, educação, agricultura, turismo e acesso à água, entre muitos outros), mas também na maneira como se produz conhecimento sobre as AC, e como este é utilizado.
Diferentes modelos explicam como a ciência pode ser usada no desenvolvimento de políticas, quer seja pelas comunidades de cientistas, pelos decisores políticos ou pela sociedade civil.
O modelo decisionista estabelece que as políticas não podem ser determinadas unicamente por factos científicos, sendo da responsabilidade dos decisores determinar a finalidade das políticas. Já no modelo tecnocrático a Ciência está no cerne e o decisor aparece como dependente do cientista para o desenvolvimento das políticas (visão clássica dos factos científicos observáveis e objectivos, social e politicamente neutros). Finalmente, no modelo de co-produção faz-se justiça à crescente complexidade das relações entre políticos, cidadãos e cientistas. Aqui reconhece-se a ciência e a política como duplo alimentador do processo de elaboração de conhecimento. No âmbito das AC, este modelo traduz-se, entre outros, por consultas públicas, e por negociações feitas na esfera pública com base no envolvimento dos actores-chave sociais. Este modelo tem vindo a ser aplicado, na última década, em muitos projectos de desenvolvimento por todo o mundo, e, mais recentemente, também na adaptação às alterações climáticas, em Portugal.
To help our discussions about climate change and to allow scientific knowledge to play its part in such discussions, we need to recognise the limits to scientific knowledge. And we need to appreciate that such knowledge can be (perhaps inevitably will be) transformed in the process of leaving the laboratory and entering the social world [1].
Fonte: Scottish co-production network
Descomplexificando…
Mike Hulme já esteve no top 10 dos autores mais citados na temática das AC e entende-se porquê. No seio de uma temática complexa, onde se cruzam as diferentes esferas da sociedade, o seu discurso descomplexificado e extremamente acessível tem um carácter apelativo.
Note-se que a sua visão interdisciplinar do estudo das alterações climáticas tem raiz não só numa extensa investigação sobre a temática, mas também nos vários centros de investigação sobre justiça ambiental e humanidades, programas de adaptação criativa às AC, projectos interdisciplinares e redes de investigação onde Hulme participa na investigação e promoção de respostas sustentáveis para a problemática das AC.
No final da sua palestra no ICS ULisboa, Mike Hulme deixou-nos com três visões de futuro sobre o clima: Re-securising Climate, Improvised Climates e Post-Climate. Se a primeira é de carácter securitário e depende de soluções governamentais (cenário que não nos é estranho), a segunda define-se como resignada, aceitando que o Homem não tem controlo sobre o mundo (visão fatalista). Por último, a visão de futuro pós climática traz-nos a noção de Climateless, onde the new normal is that there is no normal. E, aqui, a condição humana adquire um novo papel nas alterações climáticas.
Fonte: Tyndal Centre for Climate Change Research
Indo para além da constatação de que o clima está a mudar, que as acções humanas estão na sua origem, e que as futuras alterações climáticas trarão riscos adicionais para os humanos e os não-humanos, a questão que Hulme nos deixa é: o que vamos nós fazer sobre isso?
No cerne da questão, não está o clima que «queremos», mas o tipo de pessoas que queremos ser.
A palestra A. Sedas Nunes de Mike Hulme está disponível no Canal Youtube do ICS-Ulisboa.
[1] HULME, Mike (2009) Why we disagree about Climate Change: Understanding Controversy, Inaction and Opportunity, Cambridge University Press, pp. 106.
Adriana Ferreira Alves integra, no ICS-ULisboa, a equipa do projeto ClimAdaPT.Local, dedicado à Adaptação às Alterações Climáticas a nível municipal, e é Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável.