Moçambique: insustentável é a guerra (4)

(4) Rotação de poder e crise

Autor: Paulo Granjo

A anterior mudança de Presidente da República tornou clara a importância crítica que a detenção do topo do poder político assume para os interesses económicos dos grupos componentes da elite[1]. As grandes estrelas empresariais do tempo do presidente Joaquim Chissano foram marginalizadas e substituídas, havendo queixas públicas por parte de membros influentes da elite de que o presidente Guebuza monopolizava em si e na sua entourage mais próxima o acesso aos melhores negócios.

Seria bastante compreensível se, sendo por sua vez substituído, este último procurasse evitar que o mesmo viesse a acontecer a si e aos seus.

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Fonte: muliquela.blogspot.com

A tentativa de reter o poder supremo foi evidente, ao manter-se como presidente da FRELIMO, o que estatutariamente fazia com que o novo Presidente da República lhe devesse obediência, na sua qualidade de membro do partido. A sua posterior substituição por Filipe Nyusi também nesse cargo – tensa, forçada e exigindo a inesperada convergência de diferentes grupos de interesses no Comité Central – não será estranha à dificuldade que este último evidencia para impor a sua autoridade sobre as forças militarizadas do aparelho de Estado.

Penso contudo que, enquanto hipótese, será legítimo fazer recuar a 2013 a importância que a manutenção do poder presidencial poderá ter jogado na eclosão e na dinâmica desta crise político-militar.

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Fonte: noticiasmocambique.com

É recorrente, mas eventualmente simplista, considerar que a decisão de atacar a base de Satungira – numa implícita busca de “solução savimbiana” – resultasse da personalidade e cultura de poder de um homem recordado como Ministro do Interior durante a fase mais repressiva do Moçambique independente e que tinha cultivado, enquanto Presidente, uma inédita proximidade com o regime angolano.

Simplista porque, apesar da eventual importância desses fatores e dos repetidos recontros que constituíam fortes provocações da RENAMO ao poder do Estado, essa decisão representava enormes riscos para os interesses da elite político-económica no seu todo, não sendo credível que pudesse ser tomada impulsivamente ou de ânimo leve. De facto, uma escalada e posterior disseminação de confrontos armados retirariam ao FMI e ao Banco Mundial a razão para apoiarem o seu único “exemplo de sucesso” de políticas pacificadoras e neoliberais, afastaria os grandes investidores internacionais nas áreas extrativas e industriais e faria suspender os substanciais apoios dos “países doadores”. Nessa ameaçadora possibilidade, as fontes de riqueza das elites secariam e a própria economia nacional se tornaria insustentável, tonando-se previsíveis rebeliões urbanas mais graves e explicitamente antigovernamentais do que as de 2008 e 2010.

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Fonte: noticias,tvm.co.mz

Sugiro, por isso, que a solução belicista de 2013 só faria realmente sentido caso estivesse integrada numa estratégia de poder mais vasta. Por hipótese, caso a ameaça de instabilidade e confronto constituísse um argumento contra a transição de poder, em tais circunstâncias, de um estadista experiente e inflexível para qualquer outro, novato e sem poder sedimentado. Ou seja, constituísse um argumento para convencer a FRELIMO a utilizar a sua maioria parlamentar qualificada para alterar o limite constitucional aos mandatos presidenciais e, a bem da governabilidade, manter o Presidente da República.

Esta hipótese parece ser reforçada pela simultânea ocorrência de uma inédita vaga de raptos urbanos, perante uma pouco compreensível inação policial. O clima belicista e de insegurança urbana suscitou um fenómeno de vigilantismo com antecedentes históricos, mas também uma reação popular inédita: manifestações apartidárias exigindo a paz e a segurança que juntaram várias dezenas de milhar de pessoas, em contraste com uma fracassada tentativa de manifestação de apoio ao Presidente. Estes desenvolvimentos, entretanto, fragilizariam eventuais veleidades de perpetuação no poder.

Discutirei amanhã, no último post, as consequências para a crise político-militar que decorrem de nela existir uma vertente de confronto interno pelo poder.

Paulo Granjo é Investigador Auxiliar do ICS ULisboa.

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