(3) Poder e riqueza
Autor: Paulo Granjo
Marx afirmou, de forma algo panfletária e metafórica, que o Estado é o Conselho de Administração Delegado da burguesia. Na verdade, a realidade moçambicana – tal como aliás ocorre noutros países – ultrapassa a sua imaginação e as visões clássicas acerca do capitalismo.
Podemos dizer que o poder político é diretamente ocupado pelas elites económicas, que por sua vez o são porque, precisamente, foram e continuam a ser elites políticas.
Por outras palavras, neste país pobre o acesso à riqueza económica em larga escala – seja através da captação de recursos públicos, seja através do acesso aos negócios mais rentáveis – depende de se deter o Estado, de se controlar as suas decisões e as negociações estratégicas com entidades internacionais ou, pelo menos, implica integrar as redes político-económicas que têm como fulcro quem detém o Estado.
Fonte: 5dias.wordpress.com
A transformação da elite política em (também) elite económica foi sustentada, no início da década de 1990, pelo processo de privatizações dominado pelos políticos no poder, para seu próprio interesse e acumulação de propriedade.
Numa segunda fase, o enriquecimento das elites foi sobretudo conseguido através da captação imediata de recursos públicos por parte dos indivíduos ou grupos privados que tinham acesso a eles – fosse de forma direta, fosse através de mecanismos de garantia bancária ou de empréstimos expectavelmente não-reembolsáveis.
Com a passagem da aplicação de fundos externos para o modelo do apoio direto ao orçamento, no qual Estados estrangeiros fornecem ao moçambicano fundos substanciais ligados a planos estratégicos específicos, aumentou o controlo exterior sobre esses fundos públicos e a antecedência com que é definida a sua aplicação. Para além do dinheiro alcançável através de comissões, tornou-se crucial, para enriquecer, saber com alguns anos de antecedência que dinheiro haverá para que planos, que empresas especializadas serão necessárias para os executar e quando. É essa informação privilegiada que permite, recorrendo a sócios externos com o know-how específico, criar empresas especializadas que ocupem antecipadamente o terreno vazio e, com as relações necessárias, vencer os concursos públicos que virão a ser lançados.
Assim, não basta pertencer à elite político-económica. O acesso aos negócios mais lucrativos implica que se tenha proximidade com a parte dessa elite que, naquele momento e aquando da concretização dos programas, detém o topo do poder estatal.
Fonte: noticiasmocambique.com
Uma vez que a elite política a que é reconhecida legitimidade histórica é mais ampla do que cada um dos grupos que, dentro dela, podem deter o poder estatal em cada ciclo presidencial, há duas eventualidades ou momentos que se tornam fulcralmente sensíveis quer para a reprodução da elite político-económica enquanto tal, quer para o posicionamento dos indivíduos e grupos dentro dela:
1 – A possibilidade de partilhar o poder com outros grupos, sejam eles a elite política de um partido concorrente, ou uma elite concorrente dentro do mesmo partido;
2 – A rotação de grupos dominantes, dentro do topo da elite político-económica, através da substituição (constitucionalmente imperativa, após dois mandatos) do Presidente da República e, consequentemente, da sua entourage.
A importância que essas “ameaças” assumem na eclosão e dinâmica da crise político-militar moçambicana será, amanhã, objeto do próximo post.
Paulo Granjo é Investigador Auxiliar do ICS ULisboa.